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O Observatório das Metrópoles promove o lançamento do Caderno Didático “Políticas Públicas e Direito à Cidade: Programa Interdisciplinar de Formação de Agentes Sociais” com o objetivo de oferecer capacitação para a reflexão crítica a movimentos sociais e lideranças populares, conselheiros municipais e gestores públicos para uma ação participativa e consciente. O caderno tem como ponto de partida o Direito à Cidade, entendido como direito coletivo no qual todas as pessoas possam usufruir da cidade e ter seus direitos fundamentais assegurados; e também um direito coletivo de recriar a cidade de forma participativa. A partir desse conceito são abordadas questões como a produção capitalista do espaço; conflitos urbanos; o papel das mulheres nas lutas urbanas; justiça ambiental; direito à água, à habitação, à mobilidade e à cultura. Além de temas como militarização urbana, e a luta de resistência dos movimentos populares.

O caderno didático conta com a organização de Orlando Alves dos Santos Júnior, Patrícia Novaes, Larissa Lacerda e Mariana Werneck, integrantes da Rede INCT Observatório das Metrópoles. E mais a parceria do Ipea, ONG Ação Urbana, Central de Movimentos Populares (CMP) e o Instituto Raízes em Movimento.

O caderno foi produzido para servir de subsídio para o Curso de Formação “Políticas Públicas e Direito à Cidade”, que teve início no dia 29 de maio de 2017 na Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, e conta com cerca de 55 participantes, vinculados a movimentos sociais e organizações da sociedade civil, como: Rocinha Sem Fronteira, Movimento Unidos dos Camelôs, TETO Brasil, Fundação Bento Rubião, Comunidade de Indiana, Ocupação Quilombo da Gamboa, Ocupação Quilombo das Guerreiras, Grupo Filhos de Gandhi, Fórum de Mulheres Negras de Niterói, entre outros.

Segundo Orlando Alves dos Santos Jr., integrante do Observatório das Metrópoles e coordenador do curso de formação, o objetivo neste ano é fortalecer o ativismo dos movimentos sociais. “Estamos interessados em oferecer ferramentas para que os movimentos sociais possam atuar nos espaços de lutas urbanas, sobretudo os espaços institucionais. Queremos oferecer condições para o chamado ‘ativismo de insurgência’, e também gerar possibilidades de reflexão sobre a realidade na qual os agentes e movimentos sociais atuam, como ainda reflexão sobre a própria prática e os caminhos que estão sendo escolhidos de atuação”, argumenta Orlando.

Nesta edição, o curso está sendo realizado na cidade do Rio de Janeiro, já que o foco de análise é a área central da cidade que vem, desde 2009, sofrendo processos de renovação urbana, com destaque para revitalização da área portuária carioca, ocupada tradicionalmente por camadas populares. Além disso, outras intervenções na área central como a operação Choque de Ordem, Centro Presente e Lapa Presente, vem impactando diretamente a vida de trabalhadoras e de trabalhadores informais no centro da cidade.

“Entendemos que os projetos recentes têm como marca central a subordinação da cidade aos interesses do mercado, em especial do mercado imobiliário e corporativo, e a implementação de experimentos de privatização da gestão dos serviços urbanos, como no caso da parceria público-privada do Porto Maravilha e do VLT do Centro. A análise destas intervenções indica o risco de diversas violações de direitos humanos e diversos bloqueios e dificuldades sobre os grupos populares que dependem do acesso à área central para sua reprodução social”, aponta Orlando Júnior.

CADERNO DIDÁTICO DIREITO À CIDADE

O caderno didático está dividido em três partes temáticas. Na PARTE I A PRODUÇÃO CAPITALISTA DO ESPAÇO começa com o artigo “A Produção Capitalista do Espaço e os Conflitos Urbano”, de Orlando Alves dos Santos Jr. no qual aborda criticamente a produção capitalista da cidade e busca mostrar, como efeito desse processo, as principais características do desenvolvimento urbano desigual. No artigo são abordadas a questão da moradia e do solo urbano como bens essenciais à vida na cidade.

Já no segundo artigo “Conflitos urbanos e o direito à cidade”, Orlando Jr. mostra que a cidade expressa um espaço de relações objetivas entre os agentes, uma estrutura de posições nas quais os agentes têm acessos diferenciados aos recursos materiais (poder), que definem certas tensões e conflitos urbanos. A partir dessa perspectiva define os conflitos na cidade com base em duas dimensões integradas e articuladas entre si: as dimensões materiais e simbólicas.

O artigo “Direito à cidade: considerações teóricas”, de Maria Clara Dias, tece os contornos do direito à cidade considerando-o no rol dos direitos humanos, e diante disso um direito básico ou fundamental. A autora mostra ainda que os chamados direitos básicos são direitos comuns a todo e qualquer indivíduo, independente de sua inserção social, gênero, etnia etc. Eles independem de acordos institucionais ou legais. Nesse sentido, podemos distingui-los dos chamados direitos legais, ou seja, direitos estabelecidos de forma contratual pelos indivíduos e instituições de uma determinada nação e garantidos pelo aparato legal e pelo poder judiciário de cada nação. Direitos básicos podem e devem gerar direitos legais, mas sua origem ou exigência não depende de seu reconhecimento legal.

No artigo “O Papel das mulheres na luta pela apropriação da cidade: reflexões a partir da teoria da interseccionalidade”, Taiana de Castro Sobrinho mostra, por exemplo, que no processo de reestruturação urbana do Rio de Janeiro, em razão da preparação da cidade para a Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, removeu mais de 22.059 mil famílias de suas moradias, em um claro processo de liberação de terras para o avanço do mercado imobiliário voltado às classes médias e altas. Segundo a autora, apesar dos inúmeros casos envolvendo violações de direitos humanos, estes processos de remoção não ocorreram sem tensões e oposição. “Dentre as lideranças comunitárias que chamaram atenção por sua intensa resistência, tiveram destaque figuras femininas que lutaram na linha de frente da oposição às remoções, enfrentando a Prefeitura e as forças policiais do Estado com seus tratores e seu poder demolidor. Essas mulheres fizeram suas vozes ecoarem mais alto do que os estrondos do poder destruidor do Estado e demonstraram em que consiste, de fato, um verdadeiro exercício do direito à cidade”, aponta Sobrinho.

No quinto artigo intitulado “O direito à cidade na academia e nas ruas”, Rute Imanishi Rodrigues aborda a obra do filósofo francês Henri Lefevbre que cunhou o conceito do direito à cidade. Segundo a autora, a obra de Lefebvre dialoga diretamente com grupos políticos de esquerda voltados para os problemas das cidades, uma vez que propõe uma abordagem política da questão urbana, ou um programa de reforma urbana, que tende a colocar em questão aspectos estruturais da sociedade e da cidade capitalista, como a propriedade fundiária e a segregação.

No sexto artigo do caderno didático, que traz o título “Gentrificação e o Direito à Cidade: o exemplo da cidade do Rio de Janeiro”, Patrícia Novaes aborda o conceito e as principais características do fenômeno da gentrificação, tendo como exemplo a cidade do Rio de Janeiro. Já o artigo “Afinal, o que é cultura? A trajetória de um conceito e seus desdobramentos políticos”, Maria Bay Frydberg mostra que a definição de cultura não é somente um problema acadêmico, ela possui consequências políticas e sociais. Ela é parte central do debate sobre direitos sociais, das minorias, da valorização e do respeito à diversidade. Assim, a definição de cultura e toda sua discussão científico-acadêmica são fundamentais para se pensar seus desdobramentos enquanto potencial político.

No último artigo da Parte I, intitulado “Justiça ambiental e o Direito à Qualidade de Vida”, Victor de Jesus aponta que uma das dimensões da luta pelo direito à cidade passa pela reclamação do direito a um ambiente saudável (salubridade ambiental), o que demanda o acesso a políticas de saneamento, habitação, infraestrutura e de saúde, por exemplo. Segundo o autor, a noção de justiça ambiental tem sido utilizada para denunciar os impactos negativos do desenvolvimento que afetam de modo desiguais as populações, sendo a população mais pobre aquela que tem mais sofrido com os problemas ambientais e sociais do desenvolvimento desigual (injustiça ambiental).

Na PARTE II POLÍTICAS PÚBLICAS E O DIREITO À CIDADE, o caderno abre com o artigo “Políticas Públicas: discutindo modelos e alguns problemas de implementação”, de Sergio de Azevedo, que discute as diferentes características e formatos das políticas públicas, tendo como enfoque as políticas locais. O texto aborda os seguintes pontos: (i) tipos de políticas públicas: redistributiva, distributiva e regulatória; (ii) alguns problemas relativos à implementação das políticas públicas; e (iii) associativismo e tipos de participação em políticas públicas.

Em seguido temos o artigo “Favelas e o Direito à Cidade”, no qual Rafael Soares Gonçalves mostra que a informalidade é muito mais do que uma etapa, mais um aspecto estrutural da configuração de muitas cidades brasileiras, como o Rio de Janeiro. O autor propõe inverter a discussão normalmente realizada, e pensar a informalidade como uma chave analítica para compreender as áreas faveladas, configurando-se, paradoxalmente, como uma estratégia para se garantir o acesso à cidade.

Já o artigo “O direito à água e o direito à cidade”, de Ana Lúcia Britto, analisa os marcos internacionais e nacionais sobre o direito à água potável própria e a instalações sanitárias como um direito do homem, indispensável para o pleno gozo do direito à vida. A autora mostra ainda que nas áreas urbanas, os déficits são mais significativos nas áreas mais pobres, periferias metropolitanas e favelas, onde o abastecimento de água ainda sofre com problema de intermitência e qualidade, e onde os índices de esgoto coletado e tratado são ainda bastante fracos.

Os dois artigos seguintes abordam um dos problemas mais crônicos nos grandes centros urbanos, a questão da mobilidade/transporte. No artigo “A Lei Nacional da Mobilidade e as Novas Possibilidades de Promoção do Direito à Cidade no Brasil”, Ana Paula Soares Carvalho aponta que, tomando em consideração as ideias de Lefebvre, parte-se da premissa de que associar mobilidade e direito à cidade implica pensar para além de uma política de transporte urbano. Há que se pensar as possibilidades de acessar os diferentes espaços da cidade com facilidade e segurança. Há que se garantir que as vias não sejam pensadas só como formas de ligar pontos da cidade, mas que elas sejam também passíveis de ocupação. Calçadas e calçadões, nesse sentido, devem ser convidativos. Melhorar a mobilidade é diminuir a exclusão e as desigualdades, um passo fundamental para a equidade de oportunidades. Não só deve diminuir o tempo das viagens, como tem de fazer o estar na rua mais possível e agradável.

Já no artigo “Mobilidade, desenvolvimento urbano e exclusão social”, Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho busca mostra que, desde meados do século passado, o Brasil vem passando por uma série de transformações sociais e econômicas que moldaram a forma e as condições com que a população realiza seus deslocamentos cotidianos. Assim, a análise trata das interfaces entre o desenvolvimento urbano e seu rebatimento sobre as condições de mobilidade da população em geral e, em seguida, destaca algumas iniquidades sociais existentes no perfil de deslocamentos da população. Por fim, apresenta um debate sobre políticas públicas que sustentam essas desigualdades e, como conclusão, aponta diretrizes gerais para tornar os sistemas de mobilidade das cidades brasileiras mais eficientes e inclusivos.

Dando continuidade na parte II sobre políticas públicas o tema passa a ser o direito à moradia. No artigo “Direito à Cidade e o Direito à Moradia: da República ao Banco Nacional de Habitação”, Adauto Lucio Cardoso apresenta uma brevíssima resenha histórica das políticas habitacionais no Brasil. Para desenvolver essa análise, parte do princípio de que a produção da moradia enquanto uma mercadoria enfrenta dificuldades significativas no capitalismo, tendo em vista: (1) o alto valor agregado da habitação em relação à capacidade de pagamento da grande maioria da população; (2) o tempo de produção, que tende a ser elevado se comparado com a produção de outros bens – o que eleva de forma significativa o tempo de rotação do capital e afeta a taxa de lucro e a capacidade de investimento das empresas.

No segundo artigo também assinado por Adauto Cardoso, “Direito à Cidade e o Direito à Moradia: do fim do BNH ao Governo Lula” traça uma brevíssima resenha histórica das políticas habitacionais no Brasil, dando continuidade aos períodos já vistos no artigo anterior. E se debruça sobre os dois últimos períodos: o Período Pós-BNH (1986-2003), marcado pela redemocratização, sucessivas crises econômicas e pela perda de centralidade da política habitacional, com fragmentação e fragilização institucional; e o Período do Lulismo (2003-2016), marcado pela retomada da centralidade da política habitacional, particularmente a partir de 2008 com o Programa Minha Casa Minha Vida.

Já o artigo “O direito à moradia, a propriedade coletiva e a autogestão”, Luciana Corrêa do Lago e Clara Silveira Belato apresentam algumas formas legais de propriedade fundiária e de direito de uso da terra urbana em discussão hoje no Brasil por movimentos populares que lutam pela reforma urbana. O artigo dá ênfase aos limites e às potencialidades dessas formas legais no sentido da “desmercantilização” da cidade.

No último artigo da Parte II, “Direitos culturais: diversidade e conflito produzindo a cidade”, João Domingues e Mariana Albinati refletem sobre as relações entre a política e a cultura em diálogo com as dimensões espaciais. De forma ainda mais vertical, procura-se iniciar um debate acerca do lugar que as políticas culturais ocupam nas discussões sobre a cidade, refletindo sobre seu papel na luta por uma convivência urbana e citadina inclusiva.

Na PARTE III MORAR, TRABALHAR E VIVER NO CENTRO, o caderno didático apresenta experiências e análises da luta pela moradia na área central do Rio de Janeiro. No artigo “Morar, Trabalhar e Viver no Centro: a Central de Movimentos Populares e a luta pelo direito à centralidade”, Marcelo Braga Edmundo apresenta a CMP e a luta que vem fazendo de resistência pela conquista do centro pelas classes populares. No texto, Edmundo mostra, por exemplo, que a estratégia de atuação e organização da CMP se dá por meio da ocupação de imóveis abandonados, que não cumprem com a sua função social. “Desde 2004 podemos citar alguns exemplos como a ocupação Chiquinha Gonzaga, a ocupação Zumbi dos Palmares, Quilombo das Guerreiras, Machado de Assis, Manoel Congo e mais recentemente a ocupação Vito Giannotti, em um prédio do INSS, onde estamos desde janeiro de 2016”, aponta o autor.

Já no artigo “Cidades Democráticas, Hostis e Rebeldes: as cidades para as pessoas e as cidades contra as pessoas”, Regina Ferreira e Rafaelle Castro analisam essas três perspectivas sobre a cidade brasileira, e afirma que hoje convivemos com cidades que são mais hostis e rebeldes do que democráticas. “Vultuosos investimentos públicos são feitos em infraestruturas urbanas e megaprojetos, à revelia da discussão em instâncias legítimas de participação. Ao mesmo tempo, há muito tempo não se vê tanta manifestação. Fim do ciclo democrático popular ou ressignificação das lutas?”.

O artigo seguinte “O impacto dos megaeventos e da militarização na vida favelada”, Gizele Martins aponta para o processo entranhado de violência nas favelas cariocas, especialmente pela institucionalização militarizada desses territórios. Segundo a autora, “vivemos em uma sociedade que criminaliza, violenta, marginaliza e mata. Enxerga a favela como um problema, inventou que ela é um inimigo a ser combatido. É uma sociedade que ainda aceita que corpos negros, pobres e favelados estejam no chão em nome de uma guerra inventada pelo próprio Estado. É uma sociedade que apoia a remoção de pobres e aprova a invasão das UPPs nas favelas; uma sociedade que não enxerga a atual militarização da vida impondo barreiras e fazendo morrer a memória da favela”.

No artigo “Infanticidades: cidades que matam a infância”, Márcia Gatto pergunta qual o lugar que ocupam crianças e adolescentes que estão em situação de rua. A autora analisa quais ações e intecionalidades do poder dominante são direcionadas junto a esse público, no modo de produção capitalista, e quais são as consequências.

O último artigo do cadernos didático, intitulado “Instituto Raízes em Movimento: um canto à experiência”, apresenta o instituto criado no ano de 2001 a partir de inquietações e engajamento político de jovens e alguns universitários, em proposição e ação que visavam atenuar alguns problemas do Complexo do Alemão relacionados a insistência (ou ausência) de tipos de políticas públicas mal elaboradas para os espaços de favelas, dentre as quais se destacam: ações assistencialistas no campo da cultura e negação do direito à cidade.

Faça o download no link a seguir do Caderno Didático Políticas Públicas e Direito à Cidade.