A prática marítima é uma das múltiplas sínteses do processo de urbanização, sendo sua investigação uma contribuição ao entendimento do modo de vida urbano contemporâneo. Na tese “A urbanização vai à praia: vilegiatura marítima e as transformações socioespaciais no litoral do nordeste brasileiro”, o pesquisador do Observatório das Metrópoles, Alexandre Queiroz Pereira, analisa o processo da vilegiatura marítima nos espaços litorâneos metropolitanos de Salvador, Recife, Natal e Fortaleza com o objetivo de descrever o processo de infraestruturação do território litorâneo do nordeste do Brasil.
A tese “A urbanização vai à praia: vilegiatura marítima e as transformações socioespaciais no litoral do nordeste brasileiro” é mais um resultado da Rede Nacional INCT Observatório das Metrópoles. O pesquisador Alexandre Q. Pereira desenvolveu o trabalho na Universidade do Ceará, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Geografia, sendo orientado pelo professor Eustógio Wanderley Correia Dantas.
A rede tem desenvolvido o estudo comparativo sobre o fenômeno da vilegiatura entre as regiões metropolitanas nordestinas onde o processo se mostra mais dinâmico. O projeto já resultou no livro “Turismo e Imobiliário nas Metrópoles”, o qual analisa a articulação do turismo com o imobiliário. Organizado pelos professores Eustógio Dantas, Angela Ferreira e Maria do Livramento Clementino, o livro evidencia uma dinâmica de ordenamento do território paralela à zona de praia e baseada em vultosos investimentos motivados pelo interesse turístico associado ao imobiliário. Consiste em um ensaio realizado por um conjunto de pesquisadores preocupados em lidar com o tema contemporâneo.
Leia
“Turismo e Imobiliário nas Metrópoles”
http://migre.me/9ssjr
“Impactos do turismo na metropolização nordestina”
http://migre.me/9ssnk
A seguir a Apresentação da tese do pesquisador Alexandre Queiroz Pereira.
A urbanização vai à praia: contribuições da vilegiatura marítima à metropolização no Nordeste do Brasil
Alexandre Queiroz Pereira
Orientador: Prof. Dr. Eustógio Wanderley Correia Dantas.
Uma das primeiras hipóteses que esta tese buscou questionar diz respeito à validade contemporânea do conceito de vilegiatura marítima no estudo da urbanização litorânea no litoral nordestino do Brasil. Neste sentido, primeiramente, e através de uma revisão bibliográfica nacional e internacional, identificaram-se as características primordiais da prática ao longo do tempo-espaço para, em seguida, confrontá-las com as práticas desenvolvidas no Nordeste. Percebeu-se um processo marcado por continuidades e descontinuidades, sendo que quatro foram os pontos de inflexão: primeiro, o surgimento da prática, momento da vilegiatura clássica, das villas de otium romanas; segundo, o “renascimento” promovido pela elite italiana; terceiro, a invenção da moda marítima pelos ingleses; e, por fim, a promoção da vilegiatura marítima do sol no Mediterrâneo e na costa americana. Ora, esta constatação não seria uma visão linear e evolucionista da “história” da prática? Não! Cada um destes momentos negou certas condições anteriores, inventando novas modas, desenvolvendo práticas complementares, inserindo novos sujeitos, elegendo novos lugares, aproximando também a vilegiatura de outras práticas de lazer (como o turismo). A vilegiatura (marítima) remete a todos os processos e fenômenos relativos à estada temporária e sua potência em contribuir na produção dos lugares selecionados. O conceito de vilegiatura é, antes de tudo, um conceito geográfico. Sua realização não se faz sem o uso, consumo e produção do espaço. Essa verificação é embrionária e está presente do modelo clássico ao desenvolvido nos litorais tropicais na atualidade.
Mostrou-se que há imprecisão no uso de outros conceitos, principalmente no conceito de segunda residência. Esta não pode ser essencialmente classificada pela dimensão quantitativa, mas antes pela qualitativa. Neste sentido, apontou-se para a seguinte relação: sociologicamente, nem todo imóvel utilizado em função da vilegiatura ou do turismo pode ser considerado uma segunda residência, mas todo usuário que transforma um imóvel em segunda residência, em relação a ele, desenvolve a prática da vilegiatura.
Ao analisar o contexto urbano nordestino, no terceiro capítulo, viu-se que suas principais aglomerações urbanas (as capitais) se constituíram no espaço litorâneo. Mesmo com matrizes econômicas distintas (resultantes do período colonial e imperial), as cidades de Salvador, Recife, Fortaleza e Natal têm em comum a abertura à maritimidade moderna. No fim do século XIX e início do XX, as elites sociais abertas às influências européias produziram, a seu modo, a vilegiatura marítima nas orlas destas cidades. Contextualizadas pelo fortalecimento do setor industrial, e principalmente terciário, e pelo relevante incremento populacional, no século XX a aproximação da cidade com a praia (e o mar) deixou de ser caso isolado para tornar-se uma condição intrínseca a estas cidades. A vilegiatura marítima tem seu papel neste processo, sendo um dos primeiros álibis para a ocupação das zonas de praias pelas classes sociais mais abastadas e propagadoras dos costumes requintados. Ao fim do século XX, é imprudente para quaisquer estudos sobre estas capitais não mencionar sua faceta litorânea e os processos dela derivados.
Através do estudo específico do papel das espacialidades da vilegiatura na produção de um espaço metropolitano, perceberam-se características próprias deste processo para o caso nordestino. O processo de metropolização se define não prioritariamente pela cooperação de ações entre os municípios, mas pela produção de espacialidades engendrada pelos transbordamentos e necessidades gestadas no núcleo central. O lazer no litoral, que inclui a vilegiatura marítima, mesmo não incluído no cerne das ações estratégicas, permaneceu nos interstícios e propiciou a (re)produção do espaço urbano, formando espacialidades metropolitanas (até anteriores à institucionalização das regiões metropolitanas). A inserção do litoral metropolitano do Nordeste como lugar de vilegiatura alóctone redimensionou as hierarquias urbanas, ao passo que atribuiu às metrópoles da região a captação de feixes de relações internacionais sem passagem por metrópoles hierarquicamente superiores (São Paulo e Rio de Janeiro).
As constatações empíricas deste trabalho contribuem para a redefinição de modelos espaciais que comumente explicam a expansão das áreas de segundas residências através de um movimento linear de transformação de segundas em residências permanentes, seguidas pela descoberta de novas áreas, sendo estas, cada vez mais distantes das grandes aglomerações urbanas (forças centrífugas). Pelo visto, este é um desdobramento do fenômeno, mas não o explica em sua totalidade, principalmente porque, no caso nordestino, o fenômeno é regido por vilegiaturistas de origens diversas. Além do mais, a relação metrópole-maritimidade moderna fez surgir, principalmente para os alóctones, a noção de uma natureza organizada e acessível em função da urbanização. Desta forma, os vilegiaturistas reconhecem as capitais não por seus limites político-administrativos, mas sim pela abrangência metropolitana sobre as paisagens marítimas. E assim a metropolização torna-se causa-efeito da aproximação entre praia e cidade.
O estudo da vilegiatura marítima no Nordeste conduziu os rumos deste trabalho às análises do processo nos espaços litorâneos metropolitanos, sendo analisados os casos das quatro aglomerações onde os anteriores e os novos padrões de organização da vilegiatura se dão com maior diversidade (nos termos anteriormente apresentados). Em continuidade, através do estudo da RM de Fortaleza, decidiu-se por compreender com maior nível de detalhamento o processo de valorização dos espaços litorâneos metropolitanos.
Metodologicamente, percebeu-se que a escolha por um detalhamento a nível local permitiu visualizações complementares do fenômeno: primeiramente, possibilitou o conhecimento de particularidades da RMF (nuanças histórico-espaciais); e, concomitantemente, constataram-se perfis semelhantes aos encontrados, segundo bibliografia, nas demais metrópoles nordestinas. Também é relevante salientar que o estudo local propiciou a utilização de novas fontes de pesquisa (diretas e indiretas), sobretudo os trabalhos de campo, contribuindo assim para diversificar o arsenal metodológico para análise da vilegiatura marítima nos Trópicos.
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