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Mais de 100 pessoas participaram do lançamento do livro “Urbanização de Favelas no Rio de Janeiro“, que ocorreu na última quinta-feira, dia 13, na sede do Departamento Rio de Janeiro do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RJ). O evento foi organizado pelo Observatório das Metrópoles, em parceria com o IAB-RJ e com o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU/RJ). Apresentando a trajetória da urbanização de favelas na capital carioca, com análises da capacidade institucional, os marcos normativos e as principais políticas habitacionais implementadas pelo poder público, a obra foi organizada pelos pesquisadores do Observatório, Adauto Cardoso, Rosangela Luft e Luciana Ximenes. “Além de divulgar o livro e registrar o lançamento, o objetivo principal do evento foi colocar o tema da urbanização de favelas em evidência. É um tema que tem estado ausente da pauta do debate e da agenda de políticas públicas na cidade do Rio de Janeiro. E, de uma forma geral, no território nacional todo”, pontuou Cardoso.

O evento teve duas mesas de debates sobre o tema “A urbanização de favelas na agenda da reforma urbana: contribuições a partir da experiência do Rio de Janeiro”, e contou com a presença de nomes qualificados, que há muitos anos fazem parte do debate sobre urbanização de favelas. Para Cardoso, mais do que um evento do Observatório, foi um momento em que a rede conseguiu mobilizar outros setores da sociedade, como associações de moradores, representantes históricos do movimento de favelas do Rio de Janeiro, professores, estudantes, técnicos da prefeitura atuais e outros que, historicamente, foram importantes na construção da política de urbanização de favelas no Brasil. “Acho que o evento teve grande importância, e a sensação de que recoloca o debate da reforma urbana na agenda do Rio de Janeiro num primeiro momento, para depois prosseguirmos nessa mobilização”, analisou Cardoso.

Apresentação do livro “Urbanização de Favelas no Rio de Janeiro”

O pesquisador Adauto Cardoso, um dos organizadores do livro, explicou sobre a importância de retomar o tema sobre urbanização de favelas diante da nova conjuntura. Segundo ele, é necessário avaliar o que é possível, necessário e o que não funciona mais, para o caso do Rio de Janeiro. O livro foi originado de uma pesquisa iniciada em 2016-2027. Naquele momento, os pesquisadores perceberam a ausência de uma avaliação ampla e nacional sobre a urbanização de favelas, especialmente no contexto do maior programa de investimento em infraestrutura, o PAC. “O desenvolvimento dessa ampla pesquisa, produzida no âmbito do Observatório, permitiu uma avaliação referenciada no debate nacional, com um certo distanciamento do objeto”, mencionou Cardoso.

A pesquisadora Rosangela Luft, também organizadora do livro, comentou sobre a escala do Observatório. Para ela, o impacto de uma pesquisa em rede, resultando em um ganho, especialmente em termos da metodologia e da referência em comum, foi compartilhada por todos os núcleos regionais envolvidos. Na ocasião, Luft destacou o foco do livro: a capacidade institucional e normativa, uma escolha metodológica, dada as amplas possibilidades de análise do tema. Ao final desse primeiro momento, Luft e Luciana Ximenes apresentaram as duas partes do livro: a primeira com maior enfoque no contexto histórico e a segunda com textos de interlocutores da pesquisa, pessoas que foram entrevistadas anteriormente e que são especialistas ou trabalham no tema.

Foto: GT Habitação e Cidade.

Mesa abordou os instrumentos para implementação da Política Habitacional no debate do Plano Diretor

A mesa sobre os instrumentos para implementação da Política Habitacional no debate do Plano Diretor foi coordenada pela pesquisadora Rosangela Luft. Ela apontou o objetivo de entender o cenário daqui para frente, quais os desdobramentos do Plano Diretor em processo de aprovação na Câmara do Rio de Janeiro, o futuro e a retomada das políticas de urbanização de favelas na cidade. Em seguida, Marcela Abla, do IAB/RJ, destacou que o lançamento do livro se insere no contexto dos 60 anos do Seminário Nacional de Habitação e Reforma Urbana (SNHRU), que será realizado em outubro, em Brasília. Ela também comentou sobre a importância do Plano Diretor para conter a expansão territorial da cidade, além de ser fundamental considerar a inserção do Rio de Janeiro no contexto metropolitano.

Em seguida, a pesquisadora Renata Mascarello, da Faculdade Nacional de Direito (FND/UFRJ), falou sobre a questão do Plano Diretor e seu extenso processo de audiências que, apesar do número, foram insuficientes no que se refere à participação social. “O processo foi atropelado pela aprovação e implementação de outros instrumentos diretamente relacionados ao ordenamento do território, como o projeto Reviver Centro”, pontuou. Na sequência, a coordenadora do laboratório de pesquisa LabLegal, da Universidade Federal Fluminense (UFF), Cristina Nacif, relatou sobre a elaboração de um banco de dados sobre legislação urbanística, a partir do que é publicado diariamente no diário oficial. “A iniciativa permite o acompanhamento e análise da legislação, conforme o crescimento territorial da cidade”, explicou.

Encerrando as falas da mesa, a representante do Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (NUTH), Viviane Tardelli, falou sobre a atuação do Núcleo, destacando que a ausência de políticas públicas sobre a questão urbana leva à judicialização dos casos, o que deve ser evitado, devido ao caráter conservador do judiciário, bastante apegado à propriedade privada. Ela também comentou sobre a ausência de uma Política Municipal de Habitação de Interesse Social, que permanece na fase de diagnóstico, segundo a Secretaria Municipal de Urbanismo, acarretando inação do poder público, já que o Plano Diretor condiciona algumas questões à existência do PMHIS.

Ao final da mesa, foi aberto um momento para intervenções da plateia. Na oportunidade, foi apontada a questão da adaptação climática para a urbanização de favelas, visto que são justamente as populações mais vulneráveis, com menos recursos e quem mais sofre os impactos das mudanças climáticas. Foi colocada em destaque a questão da agricultura familiar, do saneamento e do acesso à água como fundamentais no debate, além de questionamentos sobre a possibilidade de ampliação das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), enquanto estratégia para territórios já ocupados, mas também os que não estão. Durante os comentários finais da mesa, Marcela Abla destacou que em 1963, no 1º Seminário sobre Reforma Urbana, não havia todos os instrumentos urbanísticos que hoje se tem acesso. “Após esses 60 anos, ocorreram muitas conquistas e são elas que devem inspirar a carta desse novo seminário que ocorrerá em outubro, no contexto das seis décadas da Reforma Urbana”, concluiu.

Segunda mesa debateu o que propor para as favelas na nova conjuntura

O pesquisador Adauto Cardoso coordenou a mesa sobre o que propor para as favelas na nova conjuntura. Ele falou sobre como pode ser avaliado esse momento para repensar e retomar o tema da urbanização de favelas, colocando-o na agenda e lutando politicamente e tecnicamente para reconstruir essa proposta dentro da agenda da reforma urbana. A professora da Universidade Federal do ABC – que foi secretária de habitação de Santo André (SP) durante a gestão do ex-prefeito Celso Daniel –, Rosana Denaldi, foi a primeira convidada a debater durante a mesa. Ela fez uma apresentação baseada nas pesquisas que vem desenvolvendo em rede nos últimos cinco anos, na pesquisa da trajetória da urbanização de favelas na Região do Grande ABC e em dinâmicas e apropriação do espaço no pós-obra em São Paulo. Denaldi lembrou que o território de urbanização de favelas é bastante heterogêneo nacionalmente, assume características distintas e está em constante transformação. Segundo ela, em regiões metropolitanas, é um território com alta densidade. “Em São Paulo, existem muitos assentamentos em áreas ambientalmente sensíveis, de proteção de manancial, por exemplo. As intervenções que denominamos urbanização vão desde obras simples, como de saneamento, até intervenções complexas, que tem interface com macrodrenagem e mobilidade”, ressaltou.

Para Denaldi, o que se chama de urbanização acontece num contexto que se tem diferentes atores e interesses locais, desde empreiteira e comunidade, e diferentes trajetórias de política municipal, com a necessidade de se reconstruir o que se levou muito tempo para construir. Ela também comentou sobre a importância do PAC e a grande abrangência nacional, com ampliação da escala, cobertura territorial ampla, intervenções em assentamentos, cujo desenho do programa possibilitou dialogar com diferentes características de assentamento e de região. O PAC foi levado para mais de mil municípios brasileiros. “Para encarar as grandes complexidades da urbanização de favelas, é preciso de muita articulação dos atores envolvidos”, salientou.

Foto: GT Habitação e Cidade.

Em seguida, Cardoso comentou sobre a crise climática, que coloca desafios para repensar os projetos de urbanização de favelas e é uma questão urgente. “A crise climática tem impactos diretos e imediatos sobre a população. O agravamento das chuvas, que acarreta deslizamentos e enchentes, vai atingir diretamente a população das favelas”, alertou. A Secretária do Meio Ambiente e Clima na cidade do Rio de Janeiro, arquiteta e urbanista Tainá de Paula, mencionou que os mais pobres continuam morando em territórios vulneráveis suscetíveis às mesmas vulnerabilidades climáticas, ambientais e sanitárias. No entanto, ela também falou sobre a volta da agenda urbana no governo Lula, que possibilita a discussão do planejamento urbano do país, além de ressaltar os avanços nos marcadores econômicos, os acenos no arcabouço fiscal apresentado e na discussão sobre uma agenda específica para os centros urbanos, que não era uma tônica da agenda de 2003, fazendo um paralelo da agenda urbana da época com a agenda de 2023.

“Existe uma novidade que é o Ministério da Fazenda dialogando com a transição energética, priorizando metas. Está se inserindo uma discussão sobre as escalas de favelas, de periferia e de produção de moradia, sobretudo uma discussão sobre a qualidade da moradia. Além disso, tem se discutido sobre os ativos socioambientais, em parceria com o Instituto Pereira Passos”, pontuou. A secretária finalizou fazendo uma reflexão do que é possível extrair do trabalho do Observatório. Para ela, a partir do PPA e dos períodos eleitorais, é fundamental que exista uma agenda urbana clara dessas novas prioridades e que tragam elementos que ainda fazem falta para uma discussão mais qualificada sobre favela.

Em seguida, o professor e diretor presidente do CAU-RJ, Pablo Benetti, fez um paralelo sobre o que mudou do ano de 1995 para 2023, como a questão das emergências climáticas e o aumento dos desastres ambientais. Em contrapartida, também há uma maior consciência ambiental, o reuso e a reciclagem. Ele também falou sobre a pandemia, que colocou novas dimensões para a saúde coletiva e urbana, o desmonte da máquina pública, o aprofundamento do controle territorial por forças estranhas, como o crime organizado, e o estado cada vez mais omisso. “Nenhuma dessas dimensões seria predominante em 1995. Mas um fato positivo que temos foi o crescimento de organizações populares em favelas”, justificou.

Fernando Cavallieri, do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos, disse que a favela na cidade do Rio de Janeiro é um tema político central. Para ele, é muito importante tratar os programas e projetos de urbanização de favelas como uma questão política também, a ser encarada dessa forma pelas administrações. O líder comunitário Favela Santa Marta e da Fundação Bento Rubião, Itamar Silva, apresentou suas ponderações durante a mesa. Ele observou que é necessária mais participação do estado, revisitando velhos paradigmas e completude de ação, seja ela qual for, nos territórios. “É importante recuperar a ambiência na favela. Mesmo com todos os investimentos, ainda terá gente querendo sair da favela. E tem a ver com esse lugar em que a segurança, o bem-estar, está provocando esse tipo de incômodo. Precisa ter espaço para o diálogo e debate sobre urbanização como elemento transformador”, discorreu.

Foto: GT Habitação e Cidade.

O coordenador do Instituto Raízes em Movimento, Alan Brum, falou sobre a participação efetiva nas políticas públicas dos atores locais. Ele explicou que existiu um déficit de olhar a favela oficialmente como um lugar provisório durante muitas décadas, sem levar em consideração qual foi o aspecto cultural que foi sendo consolidado a partir de décadas de negação de direitos básicos. “A favela continuou produzindo conhecimentos e possibilidades, a cultura de sobrevivência. E, nesse âmbito, não é levado em consideração quando se pensa na implementação de políticas públicas”, refletiu. De acordo com Brum, outro ponto a ser levado em consideração é o vício do Brasil em como lida com a gestão pública. “Seja qual for o governo, temos uma lógica pensada para a governabilidade, que é o tal da ‘porteira fechada’. É necessário ter mecanismos e estratégias de tentar furar essa perspectiva, que inviabiliza que uma determinada ação de uma secretaria possa fazer as articulações entre outras secretarias e ministérios. Isso está colocado na história da gestão pública do Brasil”, observou.

Brum ainda comentou sobre uma camada de problema a mais que está ocorrendo hoje em dia, que é a milicialização do tráfico. Segundo ele, todo o ganho econômico e entrada das milícias nas vias de poder, seja no Legislativo, e em alguns lugares no Executivo Municipal, vai fazer com que haja uma dificuldade grande de que ocorra qualquer tipo de enfrentamento. “Temos problemas que precisam ser refletidos com alianças na sociedade para que ocorram mudanças significativas. Por isso, é necessário levar em consideração a cultura da sobrevivência, incluindo, também, os atores sociais que estão pensando a urbanização de favelas e outras formas de atuar nesses territórios”, pontuou Brum.

Para fazer download do livro, acesse: observatoriodasmetropoles.net.br/urbanizacao-de-favelas-no-rio-de-janeiro