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O INCT Observatório das Metrópoles divulga a análise sintética sobre as transformações urbanas ocorridas na RM de Belo Horizonte no período 2000/2010. O texto de Jupira Mendonça, Alexandre Diniz e Luciana Andrade faz parte de um estudo comparativo maior que o instituto está desenvolvendo sobre as 15 principais regiões metropolitanas do país, relacionando as mudanças econômicas, sociais e políticas às dinâmicas urbanas nacionais, regionais e locais. Vinculado ao Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT), o projeto tem como objetivo oferecer uma análise mais completa sobre a evolução urbana brasileira, servindo assim de subsídio para a elaboração de políticas públicas nas grandes cidades e para o debate sobre o papel metropolitano no desenvolvimento nacional.

A seguir o texto “Transformações na Ordem Urbana na Região Metropolitana de Belo Horizonte”.

Transformações na ordem urbana da Região Metropolitana de Belo Horizonte*

Jupira Mendonça¹

Alexandre Diniz²

Luciana Andrade³

A economia mineira e a da RMBH, em particular, vivem um período de crescimento econômico desde o início dos anos 2000. Neste contexto assiste-se a uma expansão do número de postos de trabalho formais e a elevação dos rendimentos do trabalho, fatores associados a baixas taxas de desemprego. No entanto, o impacto desses processos tem sido desigual no território e nos setores da economia.

A Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) não passou por um processo de ruptura em sua estrutura produtiva ao longo dos últimos anos, tendo o seu desenvolvimento recente reforçado a importância do complexo minerometalomecânico e do setor de serviços. Também merece destaque o vigoroso crescimento do número de empregos da construção civil, alavancado pela forte expansão do mercado imobiliário em curso desde o início dos anos 2000, que, por sua vez, também trouxe significativas implicações para os movimentos migratórios intrametropolitanos, como se verá mais adiante. Permanece a grande concentração dos postos formais de trabalho em Belo Horizonte e nos dois principais municípios do vetor oeste (eixo industrial) Betim e Contagem – tomados em conjunto abarcam 87% dos postos de trabalho formais da RMBH.

Contagem é o município que, na RMBH, foi identificado como a extensão do polo, dado o avanço do seu processo de metropolização. Esta forte concentração tem impactos importantes na dinâmica metropolitana, afetando de forma substantiva a mobilidade, além de reforçar a estrutura socioespacial, marcada pela forte polarização entre ricos e pobres. Do ponto de vista da geração de empregos assiste-se a uma espécie de modernização conservadora. Conservadora, por ser marcada pela reprimarização da economia, pelo reforço do complexo minerometalomecânico, pela forte atuação do Estado na indução do desenvolvimento e pelo fato de a evolução do setor produtivo não ter gerado transformações sociais e econômicas substantivas. E modernizadora, pela expansão do setor automotivo e pelas novidades que se anunciam no vetor norte da RMBH.

Assim, apesar das notórias melhorias no poder de compra do salário mínimo, acompanhadas de certa redução das desigualdades de renda, dados recentes indicam a permanência da polarização espacial, uma vez que as áreas mais vulneráveis permanecem no entorno da RMBH, a norte e nas áreas periféricas de Contagem e Betim, e sua extensão a oeste e noroeste, enquanto as áreas menos vulneráveis estão vinculadas às porções centrais de Belo Horizonte, Contagem e Betim, além de Nova Lima, que se localiza na extensão sul.

De todo modo, algumas mudanças, ainda que sutis, são perceptíveis. Primeiramente, destaca-se o fato de que a participação dos trabalhadores manuais vem diminuindo, apesar de esta categoria ainda representar quase dois terços do total dos trabalhadores. Percebe-se, ainda, a diminuição de trabalhadores menos qualificados, enquanto os profissionais de nível superior tiveram substantivo aumento em relação ao total da população ocupada, de forma bastante distribuída no território.

Manteve-se a estrutura socioespacial característica das décadas anteriores, com a permanência dos grupos sociais superiores fortemente concentrados nos espaços centrais do município-polo e sua extensão a sul. Os espaços periféricos, por sua vez, continuam a apresentar composição social predominantemente popular. Observa-se, ainda, o contínuo espraiamento dos grupos médios pelos espaços pericentrais de Belo Horizonte e a consolidação da mescla de grupos médios e operários no eixo industrial, juntamente com a consolidação dos espaços populares na periferia norte.

No entanto, projetos do governo estadual, que incluem investimentos em infraestrutura e logística, voltados para potencializar o desenvolvimento econômico do vetor norte da RMBH, com vistas a atrair e criar polos de alta tecnologia em aeronáutica, microeletrônica, semicondutores e saúde, podem resultar no aprofundamento da fragmentação socioespacial do território metropolitano, acirrando as desigualdades e a exclusão, reforçando processos históricos de concentração nas áreas centrais e ao longo dos principais eixos viários.

Essas transformações, por sua vez, têm feito com que a participação de Belo Horizonte no crescimento populacional da RMBH tenha diminuído de modo substantivo, fato que repercute em uma menor participação da população de Belo Horizonte no total da RMBH. O Censo de 2010 revela que pela primeira vez na história a população dos demais municípios da RM superou a população do município de Belo Horizonte. Ao longo das últimas décadas, Belo Horizonte tem apresentado trocas migratórias líquidas negativas com os demais municípios metropolitanos, com destaque para aqueles vinculados aos vetores Oeste (eixo industrial) e Norte Central. Tais processos estão diretamente vinculados à evolução do mercado imobiliário em Belo Horizonte, marcado por substantiva valorização, que acabou por expulsar segmentos de média e baixa renda.

Esse movimento tem uma correspondência com a mobilidade pendular, bem como com a distribuição geográfica dos empregos, que têm implicado na intensificação dos processos de metropolização. Como os empregos continuam fortemente concentrados em Belo Horizonte e no eixo industrial (Contagem e Betim), a migração intrametropolitana terminou por intensificar os movimentos pendulares casa-trabalho no contexto da RM. Nota-se que o vetor Oeste da RMBH (eixo industrial) apresenta-se como o mais dinâmico, constituindo-se tanto como origem, quanto como destino de grande número de viagens casa-trabalho. Em segundo plano, destaca-se o vetor norte-central (Ribeirão das Neves, Santa Luzia e Vespasiano), composto por uma série de cidades dormitório, que operam muito mais como origem do que como destino para os movimentos casa-trabalho. Neste contexto, deve-se ressaltar que são exatamente esses os vetores que guardam níveis de integração mais fortes com a Região Metropolitana.

Em síntese, como determinantes da intensificação da mobilidade casa-trabalho, destacam-se a relativa desconcentração populacional, crescimento populacional diferencial nas periferias metropolitanas, melhoria nas condições socioeconômicas da população, maior oferta e acesso ao sistema de transportes e concentração das atividades econômicas e dos equipamentos públicos em Belo Horizonte e no eixo industrial clássico.

Ao crescimento populacional periférico correspondeu a expansão territorial da provisão de moradias, guardando relação direta com a distribuição e qualidade de empregos e com os movimentos migratórios e pendulares discutidos acima. Houve substantiva expansão na oferta de moradias ao longo das últimas décadas, especialmente sob a forma de apartamentos, em todos os vetores da RM. Destaque-se, neste sentido, certa ruptura com a histórica vinculação dessa forma de moradia a espaços superiores e médio-superiores, passando a contemplar nos últimos anos espaços de tipo médio-operário e operário-popular.

Esse processo encontra-se também vinculado ao espraiamento das classes médias e superiores pelo espaço pericentral metropolitano. Em escala mais detalhada, destacam-se outros determinantes como os investimentos municipais em infraestrutura viária e de saneamento em bairros periféricos de Belo Horizonte, juntamente com mudanças na legislação urbanística, que ampliaram o potencial construtivo nessas áreas. Também merece relevo a expansão territorial da produção empresarial de moradias, onde tiveram papel preponderante as construtoras MRV e TENDA, voltadas para a classe média baixa. Nesta junção, cabe ressaltar que tal expansão da produção habitacional para segmentos de renda mais baixa tem sido expressiva na RMBH antes mesmo da implantação do Programa Minha Casa Minha Vida.

No entanto, essa expansão merece ser qualificada em sua organização espacial. O vetor oeste vem recebendo volumes significativos de empreendimentos habitacionais destinados às camadas de renda média da população, além dos empreendimentos do PMCMV destinados às faixas de renda mais baixa. Trata-se de uma região dinâmica e diversificada em termos de atividades e de moradia de diversas categorias sócio-ocupacionais. Na última década, áreas de tipo operário tomaram o lugar de áreas de tipo operário-popular, evidenciando um movimento de diferenciação social do território, movimento esse corroborado por uma segunda transformação expressiva, qual seja, a transformação de espaços centrais do eixo industrial, com o surgimento do tipo Médio-Superior-Operário, caracterizado por concentração significativa de grandes empregadores (20% acima da média metropolitana dessa categoria), bem como de profissionais de nível superior, além da concentração de trabalhadores de ocupações médias e também de trabalhadores industriais. Pode-se estar diante de um processo de aburguesamento de uma área historicamente industrial e operária, em que a concentração de grupos sociais superiores na hierarquia é acompanhada pela menor representação dos grupos mais populares.

Por sua vez, no vetor sul a valorização imobiliária encontra-se vinculada a segmentos de renda média-alta e alta, com o derramamento da porção zona sul de Belo Horizonte em direção aos municípios de Nova Lima e, em certa medida, Rio Acima e Brumadinho. Conspiram favoravelmente para essa valorização imobiliária os atributos ambientais e paisagísticos da região.

O vetor norte, como vimos, vem sendo marcado pela instalação de empreendimentos de grande diversificação e complexidade, resultantes de importantes investimentos públicos. Neste vetor destacam-se, de um lado, processos de ocupação ainda bastante horizontal em parcelamentos com carência de infraestrutura e, de outro, produção habitacional verticalizada nos municípios mais próximos de Belo Horizonte, nas áreas mais bem servidas de infraestrutura e mais próximas da Cidade Administrativa de Minas Gerais, sede do governo do estado. Deste modo, já é possível observar no vetor norte a intensificação da dinâmica metropolitana especialmente nos municípios de Confins, Lagoa Santa, Jaboticatubas e Vespasiano.

No entanto, apesar da inequívoca expansão do mercado imobiliário nos setores médios, observou-se também o crescimento no número de moradias em aglomerados subnormais em toda a RMBH. No seu conjunto 11,6% dos novos domicílios foram construídos em aglomerados subnormais, sendo que em municípios como Belo Horizonte, Santa Luzia e Vespasiano essa proporção foi ainda maior.

Essas transformações e permanências intensificaram o processo de metropolização, culminando em níveis de integração metropolitana cada vez maiores. Do conjunto de 34 municípios que oficialmente compõem a RMBH 26 apresentavam níveis de integração metropolitana de médio a muito alto, fato que indica significativos avanços em relação ao início dos anos 2000.

Neste contexto, observou-se a expansão da área core da RMBH, historicamente composta pelo polo, eixo industrial e a cidade dormitório de Ribeirão das Neves, que passou a incorporar dois outros municípios (Nova Lima e Ibirité), todos apresentando altos níveis de integração metropolitana. Note-se que esses são os municípios onde o número de indivíduos engajados em viagens pendulares por motivo de trabalho é maior.

Enfim, em que pese a predominância de permanências, pode ser detectada na Região Metropolitana de Belo Horizonte a superposição de processos tradicionais e novas dinâmicas de transformação socioespacial, cujas implicações carecem de acompanhamento e avaliação. Assistimos hoje na RMBH movimentos de novas periferizações, de consolidação (na precariedade relativa) das periferias tradicionais e processos também de descentralização e fragmentação.

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* Este texto constitui uma síntese das principais conclusões dos trabalhos desenvolvidos pela equipe do Observatório das Metrópoles – Núcleo Minas Gerais, a serem publicados no livro As transformações na ordem urbana da Região Metropolitana de Belo Horizonte.

¹Doutora em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro / IPPUR, é Professora Associada da Universidade Federal de Minas Gerais/ Escola de Arquitetura (Departamento de Urbanismo e Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo).

²Doutor em Geografia pela Arizona State University, professor Adjunto III na Universidade Católica de Minas Gerais, atualmente é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Geografia.

³Doutora em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, é professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais e nos cursos de graduação em Ciências Sociais e Jornalismo.