A segmentação residencial tem efeito na explicação das desigualdades de renda? Neste artigo publicado na Revista Dados, Marcelo Gomes Ribeiro, do Observatório das Metrópoles, analisa o tema da desigualdade de renda do trabalho, incorporando nos seus determinantes explicativos a localização residencial dos indivíduos na metrópole. Segundo o pesquisador, o resultado do estudo aponta para o efeito da localização residencial para explicação das desigualdades de renda, avaliada pelos modelos núcleo-periferia e favela-não favela.
O artigo “Território e Desigualdades de Renda em Regiões Metropolitanas do Brasil”, de Marcelo Gomes Ribeiro, foi publicado originalmente na DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 58, nº 4, 2015, PP. 913 a 949. Segundo Ribeiro, o artigo é uma versão modificada da sua tese de doutorado “Educação, estrutura social e segmentação residencial do território metropolitano: análise das desigualdades de renda do trabalho em regiões metropolitanas do Brasil”.
O artigo busca responder a duas questões centrais:
- A segmentação residencial do território metropolitano, referida pelo local de moradia dos indivíduos, é relevante na explicação das diferenças de renda obtida no mercado trabalho? Se sim, quais são os mecanismos territoriais que explicam essas desigualdades?
- O efeito território se dá do mesmo modo entre todas as regiões metropolitanas brasileiras? Ou há diferenças entre elas? Neste caso, o que explicaria essas diferenças?
A seguir a Introdução do artigo que apresenta o recorte metodológico da análise e a relação com o chamado efeito vizinhança.
INTRODUÇÃO
Por Marcelo Gomes Ribeiro
Este artigo tem como objetivo contribuir analiticamente com o debate acerca das desigualdades de renda nas regiões metropolitanas brasileiras, incorporando nos seus determinantes explicativos a importância da localização residencial na metrópole para uma compreensão mais ampla dessas desigualdades que, normalmente, tendem a considerar somente as características próprias dos indivíduos, sejam aquelas adscritas, como cor/raça e sexo, sejam as adquiridas, como a escolaridade.
No momento em que o Brasil passou por transformações significativas na sua estrutura econômica, como ocorreu nos anos 1990, o que colaborou para o aumento das desigualdades no país, a educação passou a ser reivindicada como o mecanismo por excelência para reverter esse quadro. Nesse contexto, o desemprego tornou-se o principal fenômeno social a ocupar as preocupações tanto dos formuladores das políticas públicas, quanto dos pesquisadores sociais que tratam de temas relativos ao mundo do trabalho. A focalização no fenômeno do desemprego decorreu do seu aumento generalizado, principalmente nas metrópoles brasileiras, onde se concentrava o setor industrial.
Nos últimos anos, porém, em decorrência da redução da taxa de desemprego e do aumento do emprego formal, o foco de discussão foi redirecionado para as desigualdades de renda do país. As análises, de modo geral, têm enfatizado a redução das desigualdades de renda entre os grupos sociais, medida tanto através de indicadores sintéticos – como o índice de Gini e de Theil –, quanto de outras formas, como as diferenças entre os estratos de renda. De qualquer modo, o que se consegue apreender das análises efetuadas é que o país precisa reduzir ainda mais as desigualdades que o caracterizam historicamente, para alcançar patamares dos países mais desenvolvidos.
Tanto no momento em que o desemprego tornou-se a tônica das discussões políticas e acadêmicas (Guimarães e Cardoso, 2008), quanto noutro, mais recente, em que as desigualdades de renda tornaram-se o principal tema de debate público, ocorreu a utilização mais explícita da teoria do capital humano (Barros, Franco e Mendonça, 2007; Barbosa Filho e Pessôa, 2009), seja para justificar o insucesso de boa parcela de indivíduos que procuravam uma inserção no mercado de trabalho e não conseguiam, seja para demonstrar o motivo das diferenças de renda entre os indivíduos.
A teoria do capital humano obtém muita relevância, sobretudo nas conjunturas que estamos mencionando, porque possui um pressuposto que é muito fácil de ser compreendido intuitivamente: indivíduos com maior nível de escolaridade apresentam maior nível de remuneração (Schultz, 1961; Mincer, 1974). De fato, quando se utiliza qualquer base de dados que possua informações relativas à renda e escolaridade, as análises vão sempre indicar que há uma correlação positiva entre essas duas variáveis, o que possibilita concluir que o nível de renda é, em grande medida, decorrente da escolaridade.
É claro que grau de correlação não implica, necessariamente, relação de causalidade. Porém, independente disso, é importante ressaltar que, se há alguma causalidade entre os dois fenômenos mencionados, torna-se importante compreender os mecanismos que operam no sentido de tornar os mais escolarizados os que também possuem, em média, as maiores rendas, já que se trata da relação entre dois fenômenos sociais.
Avanços nesse sentido já foram realizados ao procurar demonstrar que a seleção de mão de obra demandada pelo mercado de trabalho, baseada no critério de escolaridade, tem implícita a escolha referente à posição social dos indivíduos (Collins, 1971; Bourdieu, 2007), que, em situações de inflação de credenciais educacionais, o mercado de traba- lho, ao demandar mão de obra, seleciona os indivíduos que apresentam os melhores atributos adquiridos, mesmo em circunstâncias em que a escolaridade apresentada é maior que a exigência da ocupação. Nesse caso, ocorre a existência de filas ordenadas segundo os atributos dos indivíduos (Thurow, 1972).
Também foi desenvolvida, desde o começo dos anos 1980, uma importante contribuição analítica que procurou focalizar as exigências de escolaridade das ocupações em vez de tratar a escolaridade dos indiví- duos (Duncan e Hoffman, 1981). O pressuposto desse modelo analítico é de que a escolaridade requerida pela ocupação é mais importante que a escolaridade do indivíduo. E, ao haver inflação de credenciais educacionais, dado o aumento generalizado do nível educacional da população, passa a ocorrer o aumento de situações de overeducation (sobre-educação), situação na qual as pessoas apresentam maior nível de escolaridade que o exigido pela ocupação.
Observamos que houve importantes avanços nesse campo analítico, em que se procurou analisar a relação da escolaridade e o nível de renda, tanto referente à oferta de trabalho, quanto à demanda por trabalho. Tanto numa dimensão quanto em outra foram feitas análises buscando também compreender os mecanismos que tornam os mais escolarizados os que, em média, recebem as maiores remunerações do trabalho.
Assim, passou-se a destacar as condições sociais dos indiví- duos como justificativas para sua inserção no mercado de trabalho e, por conseguinte, determinantes para explicação do nível de renda que obtêm. Essas condições sociais foram compreendidas, sobretudo, pela posição ocupada pelos indivíduos na estrutura social. Mas poucos avanços foram feitos no sentido de considerar a inscrição dessa estrutura no espaço físico, para entender a relação entre escolaridade e nível de renda, principalmente quando consideramos os contextos urbano-metropolitanos.
Assim, se a estrutura social se retraduz no espaço físico (Bourdieu, 1997), sobretudo em contextos metropolitanos, torna-se importante inserir na análise a localização residencial dos indiví- duos na metrópole para ampliar a compreensão da relação entre escolaridade e nível de renda.
Por isso, na perspectiva de avançar nesse debate, pretendemos responder, aqui, as seguintes perguntas:
- A segmentação residencial do território metropolitano, referida pelo local de moradia dos indivíduos, é relevante na explicação das diferenças de renda obtida no mercado trabalho? Se sim, quais são os mecanismos territoriais que explicam essas desigualdades?
- O efeito território se dá do mesmo modo entre todas as regiões metropolitanas brasileiras? Ou há diferenças entre elas? Neste caso, o que explicaria essas diferenças?
Como hipóteses a essas questões, consideramos que a segmentação residencial tem efeito na explicação das desigualdades de renda. A explicação do território para obtenção de renda pessoal pode ser mediada pela estrutura educacional (segundo a escolaridade) existente em cada contexto territorial, ou pelo modo como a estrutura social se inscreve no espaço físico das metrópoles brasileiras. Os mecanismos explicativos da relação entre território e obtenção de renda podem estar associados aos modelos do efeito vizinhança (Wilson, 1987; Ellen e Turner, 1997; Small e Newman, 2001), que colabora para reforçar o padrão de segmentação residencial das metrópoles brasileiras compreendido na dupla escala da divisão social do território: por um lado, modelo centro-periferia, em que há correspondência entre distância física e distância social, e, por outro, modelo favela-não favela, onde há proximidade física e distância social (Ribeiro, 2008; Ribeiro e Koslinski, 2009).
Mas é preciso também considerar que os condicionamentos socioterritoriais podem se caracterizar de modo diferente dependendo do contexto regional em que cada metrópole está inserida. Isso é relevante porque a formação social de cada metrópole no Brasil, apesar de seguir o padrão característico das metrópoles latino-americanas, conforma estruturas sociais e econômicas diferentes entre si, o que pode contribuir para diversas formas de interpretação dos mecanismos do territó- rio metropolitano como fenômeno que ajuda a explicar as desigualdades de renda.
Este artigo está organizado em seis seções, incluída esta Introdução. Na segunda seção, discutimos as duas categorias representativas da segmentação residencial do território das metrópoles brasileiras: favela e periferia. Na terceira, apresentamos os pressupostos teóricos refe- rentes ao efeito território em contextos metropolitanos para análise das desigualdades observadas entre os diversos grupos sociais existentes.
Na quarta seção, apresentamos os modelos analíticos aqui utilizados com a finalidade de testar as hipóteses levantadas e os procedimentos metodológicos realizados. Na quinta, apresentamos a aplicação dos modelos analíticos utilizados e realizamos análise dos resultados encontrados à luz dos pressupostos teóricos utilizados. Por fim, nos comentários finais, discutimos a dimensão escalar da segmentação residencial para estudos sobre desigualdades sociais e territo- riais, na perspectiva de apontar desdobramentos possíveis nesse campo de estudo.
Acesse o artigo completo na plataforma da Revista Dados (disponível no Scielo)
Última modificação em 20-01-2016 13:08:11