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O Batman é Bruce Wayne e o Super-Homem é Clark Kent ou seria o caso de Clark Kent ser o Super-Homem e Bruce Wayne ser o Batman? Neste artigo da nova edição da Revista eletrônica e-metropolis, Marina Vieira analisa a questão da dupla identidade nas histórias em quadrinhos a partir de uma reflexão sociológica sobre cidades, modernidade e individualismo, utilizando as narrativas de super-heróis como expressões que traduzem conflitos vividos pelas mulheres e homens modernos. Trabalha-se a questão da dupla identidade a partir da teoria sociológica sobre individualismo e anonimato em Georg Simmel, e todas as discussões aqui travadas dizem respeito aos primeiros quadrinhos do Batman e Super-Homem, criados em finais da década de 1930.

As reflexões feitas por Marina Veira são resultado de um dos capítulos da Dissertação de Mestrado, intitulada “Visões da Modernidade nas Histórias em Quadrinhos”, desenvolvida no quadro Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que teve como objetivo analisar as representações das cidades do Batman e Super-Homem em seus contextos de criação.

O artigo “Super-heróis e anonimato nas grandes cidades: o blasé, o homem da multidão e a dupla identidade nas histórias em quadrinhos” é um dos destaques da Revista e-metropolis nº 32.

Abstract

The Batman is Bruce Wayne and the Superman is Clark Kent or would it be the case of Clark Kent being Superman and Bruce Wayne being Batman? This article analyzes the question of double identity in comic books from a sociological reflection on cities, modernity and individualism, using the narratives of superheroes as expressions that reflects conflicts experienced by modern women and men. The question of the double identity is worked out from the sociological theory on individualism and anonymity in Georg Simmel, and all the discussions here dealt with the first Batman and Superman comics created in the late 1930s.

 

INTRODUÇÃO

Por Marina Vieira

O presente artigo discute a superaventura como representativa e expressiva do individualismo moderno. Pretende-se analisar o surgimento do gênero superaventura à luz da discussão simmeliana sobre individualismo, demonstrando em que medida os personagens Batman e Super-Homem vivem os conflitos de sua época, dando ênfase às noções de liberdade, igualdade e anonimato nas grandes cidades. Convido o leitor a retornar à Modernidade a partir da imersão na discussão do surgimento do conceito moderno de individualismo, construindo pontes e interfaces com a década de 1930 e o gênero de superaventura nos quadrinhos.

Parte-se da discussão sobre o embate entre liberdade e igualdade no espaço urbano, tomando os super-heróis e a questão da identidade secreta como expressão desse embate. Para Georg Simmel, valores como liberdade/igualdade e individualismo/anonimato seriam paradoxos modernos. A questão que este artigo tenta responder é como a identidade secreta ou dupla identidade dos super-heróis pode revelar a tensão entre esses valores. Mas antes de chegarmos à análise de como o Batman e o Super-Homem lidam com a questão da dupla identidade, discutiremos as noções de individualismo e principalmente a questão do antagonismo entre liberdade e igualdade em Georg Simmel.

No nível mais óbvio, a identidade secreta tem o caráter de resolver as implicações legais das ações dos super-heróis, uma vez que nem sempre o senso de justiça do personagem coincide com a justiça formal, assim como tem o papel de proteger suas vidas privadas para que não sofram atentados logo cedo em seu café da manhã, resguardando também os seus familiares e amigos próximos. Motivo pelo qual a maioria dos super-heróis abdica de sua vida amorosa.

Por outro lado, os super-heróis têm o papel de superar os complexos e realizar os desejos de seus leitores em serem mais que pessoas comuns, indivíduos oprimidos pelas estruturas sociais que vislumbram a possibilidade de serem super-humanos: homens e mulheres que se destacam. Segundo Marny (1988), a criação do Super-Homem foi antes de tudo uma tentativa de superar o complexo de seus próprios criadores, dois jovens franzinos de Cleveland que eram constantemente sovados por outros garotos.

Os super-heróis são salvadores de sua sociedade, protetores da ordem que atendem à pergunta “quem poderá nos defender?” – mesmo que esse bordão tenha sido criado em uma crítica latino-americana através do super-herói cômico e anti-herói Chapolin. Além de serem os que nos salvam de nossas mazelas sociais e urbanas, eles realizam o desejo dos homens comuns de identificarem-se com seu próprio salvador, na medida em que os super-heróis são homens comuns como o Clark Kent. Afirma-se, inclusive, que o sucesso da fórmula dos super-heróis é em muito devedora da dupla identidade, uma vez que aproxima o universo de seres superpoderosos à realidade do leitor comum.

O mito do super-herói, e mais particularmente o do Super-Homem, é o mito da classe-média americana em busca da autoafirmação, identificando-se com a possibilidade de usufruir de uma dupla identidade (CIRNE, 1971, p. 48).

Em um outro nível, à luz de Simmel, pode-se afirmar que a dupla identidade do super-herói é uma tentativa de superar o conflito moderno entre anonimato e distinção ou entre liberdade e igualdade. Uma fórmula para lidar com a sociedade moderna que ao mesmo tempo em que exige igualdade entre os homens tende a diferenciá-los. Veremos melhor o desenvolvimento dessa questão a partir de Simmel e da noção de incompatibilidade entre liberdade e igualdade. Será preciso retornar às concepções de liberdade e igualdade dos séculos XVIII e XIX para entender o conflito entre esses valores.

Leia o artigo completo “Super-heróis e anonimato nas grandes cidades: o blasé, o homem da multidão e a dupla identidade nas histórias em quadrinhos” no site da Revista e-metropolis.