06 de maio de 2024
Primeiramente, queremos manifestar nossa solidariedade aos afetados e afetadas pela maior tragédia socioambiental do nosso estado, cidade e região metropolitana. Esperamos que os impactos sejam superados e que todos e todas possam reconstruir seus lares e seguir suas vidas adiante, em segurança e tranquilidade.
Nossa preocupação é que este momento difícil do Rio Grande do Sul ocorra após uma série de reestruturações político-administrativas que afetam nossa capacidade de conhecimento, prevenção e reação frente a eventos desta magnitude.
Em nível estadual, os sucessivos governos neoliberais, com apoio da maioria do parlamento, têm promovido a revisão (leia-se, afrouxamento) e a revogação da legislação de proteção ao meio-ambiente, além da extinção ou esvaziamento de órgãos de pesquisa e planejamento, tudo em nome de um pretenso “ajuste” das contas públicas, o qual, finalmente revela-se mais dispendioso do que a pretensa “economia” que dizem almejar. Trata-se de uma forma de incentivo ao modelo de crescimento e ocupação extrativista e predatório do território que está cobrando seu preço agora.
No âmbito municipal, na capital Porto Alegre e em muitas de nossas principais cidades, a fórmula se repete: privatizações, esvaziamento do corpo técnico, relaxamento ou revogação de normativas ambientais, permissividade com o setor da construção civil e da produção imobiliária. O INCT Observatório das Metrópoles Núcleo Porto Alegre vem alertando sobre os riscos gerados pelos grandes projetos urbanos na Orla do Guaíba e no Cais Mauá, dos projetos especiais no 4º Distrito, além da espoliação de populações tradicionais ameaçadas ou expulsas de seus territórios.
Muitas das cidades que estão sofrendo as perdas decorrentes desta devastação cresceram desordenadamente ao redor de rios, sem considerar os efeitos de uma enchente ou mesmo da necessidade de insumos para a população, como água potável e infraestrutura de esgotos. Desta feita, consideramos que o momento é de repensarmos nossas estruturas de planejamento e o modelo de urbanização e ocupação do território. O modelo histórico de ocupação do RS parece ter esgotado sua capacidade de convivência com a natureza e as atividades econômicas. Na Região Metropolitana, que concentra quase metade da população do estado e para onde demanda grande parte da nossa rede hídrica, é preciso repensar o modelo de urbanização, a dispersão urbana e a ocupação de reservas ambientais para a construção de novos condomínios.
É preciso planejar e redefinir as relações sociedade-natureza no RS e, para isso, necessitamos que o estado e os municípios priorizem as políticas ambientais com investimentos públicos, não somente para a redução de danos, mas pensando nas futuras gerações.
O estado do Rio Grande do Sul necessita reconstruir sua capacidade de planejamento e seu corpo técnico, historicamente um dos mais preparados do país, para que este repensar se dê em novas bases, coadunadas com o atual momento social, ambiental e climático que vivemos.
Finalmente, esperamos que o momento seja de aprendizado para a sociedade gaúcha, que nos últimos anos vem sendo influenciada por discursos extremistas anticiência, antiambiental e antiEstado, desprezando o conhecimento produzido em nossas universidades e rechaçando qualquer iniciativa estatal como espoliadora por natureza.
Neste momento difícil, é necessário valorizar a ciência, o conhecimento científico e a articulação entre os órgãos do Estado nos três níveis da federação, em parceria e cooperação com a sociedade civil, movimentos sociais, universidades e de empresas que manifestam sua solidariedade e capacidade de ação cívica para o socorro imediato. No futuro próximo, porém, será necessário refletir e implementar uma nova configuração territorial, social e ambiental de nosso estado, especialmente de seus espaços urbanos.