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São Paulo Metrópole Insustentável – como superar esta realidade?

No artigo “São Paulo Metrópole Insustentável – como superar esta realidade?”, Pedro Roberto Jacobi discute o caso de São Paulo por meio de uma visão panorâmica das relações entre ambiente e sociedade lastreadas no processo de urbanização paulistano. E expõe a segregação associada à informalidade urbana, as fragilidades ambientais e os crescentes desafios em termos de planejamento e formulação de políticas públicas que se contrapõem à pujança econômica, demográfica, social e cultural da metrópole, num aparentemente incontornável paradoxo. O texto aponta ainda o despreparo da esfera pública para lidar com tal complexidade.

O artigo “São Paulo Metrópole Insustentável – como superar esta realidade?”, Pedro Roberto Jacobi, é um dos destaques do Dossiê: “Sustentabilidade e Justiça Socioambiental nas Metrópoles”, da Revista Cadernos Metrópole nº 29.

Resumo

A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), com 39 municípios e uma população de mais de 19 milhões de habitantes, é um ecossistema complexo e frágil. A “insustentabilidade” que caracteriza o padrão de urbanização metropolitano se caracteriza pela prevalência de um processo de expansão e ocupação dos espaços intraurbanos que, na maior parte dos casos, configura uma dramática realidade: baixa qualidade de vida para parcelas significativas da população. A dualidade das cidades é marcada exponencialmente pelo crescimento da ilegalidade urbana que a constitui, exacerba os problemas socioambientais que se concentram nos espaços urbanos em condições muito precárias de urbanização, com acesso diferenciado aos investimentos públicos. Caracteriza-se por uma ocupação desordenada resultante da falta de uma lógica de governança colaborativa e de despreparo das autoridades para enfrentar situações complexas, como é o caso de regiões muito populosas e conurbadas.

Abstract

The Metropolitan Region of São Paulo, composed of 39 municipalities and with a population of more than 19 million inhabitants, is a fragile and complex ecosystem. The “unsustainability” that characterizes the pattern of metropolitan urbanization features the prevalence of a process of expansion and occupation of intra-urban spaces that, in most cases, represents a dramatic reality: low quality of life for large sectors of the population. The duality of the cities is expressed by the growth of the urban illegality that constitutes it, exacerbating the socio-environmental problems that are concentrated in urban spaces with precarious urbanization and differentiated access to public investments. It is also characterized by a disorderly occupation resulting from the lack of a logic of collaborative governance and from the unpreparedness of public officials to face complex situations, as is the case in very populated and conurbated regions within the metropolis.

 

Dilemas socioambientais na RMSP – uma realidade emblemática

Por Pedro Roberto Jacobi

A RMSP está localizada na região Sudeste do Brasil e é o terceiro maior conglomerado urbano do mundo, com 39 municípios, totalizando uma área de 7.944 km2. Essa região abriga uma população de 19.667.558 de habitantes (IBGE, 2010), e mais de 11 milhões de pessoasvivem na cidade de São Paulo, em uma área de 1.530 km2. A taxa de crescimento na RMSP entre os anos de 2000 e 2010 foi de 0,96% ao ano, e, apesar da diminuição do crescimento populacional na última década, a elevada pressão demográfica e a urbanização acelerada desprovida de planejamento, avançando em direção aos mananciais, são fatores que contribuíram diretamente para a impermeabilização do solo e a consequente redução da recarga do aquífero, além de sua poluição e redução da disponibilidade dos mananciais superficiais (Silva, Mello Junior e Porto, 2011).

A dinâmica de expansão da metrópole tem provocado um processo de concentração de população de baixa renda em suas áreas periféricas, enquanto as áreas centrais são renovadas e adensadas, a um preço crescente da terra urbana. Esse padrão de ocupação promove a expansão da mancha urbana junto às áreas de proteção ambiental, em especial às áreas de proteção aos mananciais, definidas pela Lei 9866/97. A dificuldade para a implementação de mecanismos efetivos para a proteção dessas áreas faz com que estas sofram enorme pressão de ocupação. Esse processo de produção do espaço metropolitano concentra e articula em suasperiferias a vulnerabilidadeem suas dimensõesambiental e social.

A dinâmica da urbanização pela expansão de áreas periféricas produziu um ambiente urbano segregado e altamente degradado, com efeitos muito graves sobre a qualidade de vida de sua população. Não há como negar a estreita relação entre riscos urbanos e a questão do uso e ocupação do solo, que, entre as questões determinantes das condições ambientais da cidade, é aquela onde se delineiam os problemas ambientais de maior dificuldade de enfrentamento, notadamente os recursos hídricos.

A ausência de saneamento em muitos loteamentos e favelas, além de poluir diretamente as águas dos rios e córregos, constitui um problema de saúde e de baixa qualidade de vida para a população residente, assim como a perda do valor das águas.

Uma análise dos principais indicadores da qualidade ambiental no município indica o quadro atual e os impactos sobre a população da cidade. Inicialmente em relação à qualidade do ar, segundo a Cetesb na Região Metropolitana de São Paulo, o padrão foi ultrapassado em 96 dias ao longo de 2011, contra 61 dias em 2010. A poluição do ar é causada, principalmente, pela grande emissão proveniente dos 9,2 milhões de veículos automotores leves e pesados e, secundariamente, por emissões originadas em processos de cerca de 2000 indústrias com alto potencial poluidor (Cetesb, 2011). Essa frota gigantesca de veículos constitui a principal fonte de emissão dos poluentes que, em determinadas condições meteorológicas, formam o buraco na camada de ozônio, e cabe enfatizar que se trata principalmente dos automóveis particulares.

O resultado é o aumento de pessoas afetadas que demandam internação hospitalar por enfermidades associadas à poluição atmosférica; e as respostas públicas têm sido muito limitadas e demoradas. Cabe, portanto, enfatizar o déficit de transporte público na região e o aumento dos níveis de congestionamento, não apenas na cidade de São Paulo, mas na região como um todo. A RMSP vive uma profunda crise de mobilidade, e alguns indicadores permitem observar a verdadeira dimensão do problema. Segundo Pesquisa Origem e Destino (apud Rolnik e Klintowitz, 2011), o tempo médio de viagem em transporte coletivo é 2,13 vezes superior ao do transporte individual motorizado. E pelo fato de 74% das viagens motorizadas da população com renda de até quatro salários mínimos serem feitas por modo coletivo, e que, na renda até 15 salários mínimos, cai para 21%, a crise de mobilidade afeta muito mais a população de renda mais baixa, que só tem essa opção. A lógica prevalecente tem sido no geral a intervenção na ampliação física e modernização do sistema viário em detrimento da ampliação efetiva e modernização dos transportes coletivos (Rolnik e Klintowitz, 2011).

Em relação ao abastecimento de água, praticamente 100% da população que vive na área urbana da cidade é abastecida com um volume por habitante/ano de 65m3. Entretanto, o aumento do número de consumidores, assim como a escassez de novas fontes e a queda na qualidade das águas dos mananciais revelam uma crescente pressão sobre o abastecimento de água potável no município. A falta de coleta de esgoto para mais de 20% da população, somada à falta de rede coletora em áreas de mananciais, se constitui num fator de pressão sobre a qualidade das águas para abastecimento público. Além da falta de esgoto tratado, os problemas decorrentes de conexões cruzadas entre o sistema de esgoto e os sistemas de drenagem natural e de águas pluviais se refletem na grande quantidade de córregos e rios poluídos. Os principais problemas se verificam junto às populações que ocupam favelas e loteamentos irregulares, na medida em que muito frequentemente os cursos d´água são o local de lançamento de esgoto. A poluição hídrica na bacia hidrográfica está relacionada com o despejo de substâncias poluentes e resíduos sólidos diretamente nos corpos d’água e nas galerias de drenagem de águas pluviais ou sobre as áreas impermeabilizadas e desmatadas decorrentes das atividades urbanas.

Em São Paulo, no caso específico de áreas de proteção aos mananciais (36% do território municipal), a legislação de proteção ambiental, datada de 1977, impôs intensas restrições ao uso e ocupação do solo e gerou uma ocupação desordenada do solo, provocando uma desvalorização no preço da terra. Em 1997, é aprovada uma nova legislação estadual que busca compatibilizar as ações de proteção e preservação dos mananciais com a proteção ambiental, o uso e a ocupação do solo e o desenvolvimento socioeconômico das áreas protegidas, pelo estabelecimento de diretrizes gerais para as áreas de proteção e recuperação que devem ser regulamentadas em todas as áreas de mananciais. Cerca de 48% da população que habita as áreas de proteção aos mananciais nos dois maiores reservatórios residem em favelas e loteamentos. Isso dá uma dimensão do problema e do comprometimento e deterioração dessas fontes hídricas.

A problemática das inundações tem causado um quadro cada vez mais complexo de problemas que causam prejuízos de ordem econômica, assim como danos sociais e de saúde pública. As situações de risco e de pontos sujeitos a inundação e alagamentos aumentam, e o número de episódios é alarmante, ampliando a situação de vulnerabilidades urbanas. Em 2012, segundo o IPT, estimam-se mais de 500 pontos de inundação e alagamento que afetam a qualidade de vida urbana e outras 500 áreas sujeitas a deslizamentos.1 Outros componentes da vulnerabilidade urbana das populações de ocupações irregulares, na medida em que há riscos associados a processos hidrológicos, envolvem principalmente os moradores de assentamentos precários sujeitos ao impacto direto das águas ou a processos de erosão, o que reforça o perigo de pessoas serem levadas por enxurradas durante eventos de chuvas intensas, além de perdas materiais e danos às moradias.

Um aspecto que também não pode ser desconsiderado na metrópole é a perda de biodiversidade e cobertura vegetal, e a perda de cobertura vegetal tem provocado alterações microclimáticas associadas aos impactos pluviais, responsáveis diretas das inundações na área urbana.

A RMSP apresenta declínio de crescimento populacional anual desde a década de 1970, enquanto as áreas centrais perdem população, a periferia do município de São Paulo e os municípios periféricos da RMSP apresentam um expressivo crescimento demográfico. Entre 1986 e 2008, a área urbanizada da RMSP passou de 1.473,70 km² para 1.766,50, perdeu 113,10 km² de áreas vegetadas, especialmente nas porções territoriais situadas nas franjas da urbanização (Silva e Galvão, 2011). A ampliação da mancha urbana metropolitana tem provocado a perda de cobertura florestal na RMSP, notadamente nas áreas mais periféricas. Enquanto a cidade consolidada apresentava apenas 4% de seu território recoberto por áreasflorestadas no ano 2000, na fronteira urbana esse índice era de 50% (Torres et al., 2007).

A remoção da cobertura vegetal tem impactos ambientais: exposição de solos, produção de sedimentos, diminuição de áreas de infiltração de chuvas, aumento do escoamento superficial de água e da temperatura urbana. A ocupação de áreas vulneráveis do ponto de vista geológico e geotécnico com relevos de alta declividade provoca problemas ambientais cumulativos de grande magnitude, principalmente deslizamentos, desabamentos e inundações.

A problemática dos resíduos sólidos também se inclui devido à escala de geração e à sua disposição em virtude de saturação e de limitadas possibilidades de expansão, em virtude da forte pressão urbana no seu entorno. O principal efeito é a multiplicação de impactos ambientais negativos associados aos locais de disposição inadequada de resíduos, o que dificulta de forma significativa o avanço rumo a uma gestão sustentável.

Para ler o artigo completo “São Paulo Metrópole Insustentável – como superar esta realidade?”, acesse a  Revista Cadernos Metrópole nº 29.

http://cadernosmetropole.net/edicao/29