No último dia 16, foi sancionada lei complementar que reorganiza a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), aglomeração com 39 municípios e que concentra metade da população do Estado e 18,9% do seu PIB. A iniciativa cria, pela primeira vez no Brasil, um novo sistema de gestão ancorado no planejamento metropolitano. Para a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/USP, Suzana Pasternak, a ação representa um passo fundamental para as políticas públicas nas grandes cidades.
Dentre os objetivos da lei de reorganização da RMSP estão a cooperação articulada e integrada entre diferentes níveis de governo para garantir melhor aproveitamento dos recursos públicos, a utilização racional do território, dos recursos naturais, culturais, a proteção do meio ambiente e a redução das desigualdades regionais. Além disso, com a reestruturação questões como o combate às enchentes, a recuperação do Rio Tietê, o tratamento e destinação de resíduos sólidos, a expansão da rede de Metrô e CPTM, entre outras, terão a partir de agora um novo encaminhamento e disponibilidade de recursos.
RMSP
A Região Metropolitana de São Paulo é o maior pólo de riqueza nacional, com um Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 572,2 bilhões (57% do total estadual e 18,9% do PIB brasileiro). A região é responsável pelo recolhimento de um quarto dos impostos no País e está subdividida em 39 municípios, 5 sub-regiões, 127 distritos, abrigando 19,7 milhões de habitantes. Um em cada 10 brasileiros reside na Grande São Paulo. Cinco dos nove municípios do Estado de São Paulo com mais de 500 mil habitantes se localizam na região metropolitana: São Paulo, Guarulhos, São Bernardo do Campo, Santo André e Osasco.
O novo sistema de gestão da RMSP será formado de:
Conselho de Desenvolvimento: composto, de forma paritária, pelos prefeitos dos 39 municípios da região e representantes do Governo do Estado. O Conselho será a principal entidade de deliberação sobre planos, projetos, programas, serviços e obras a serem executados na RMSP com recursos do Fundo de Desenvolvimento. Entre as áreas de atuação do colegiado estão o planejamento e uso do solo, transporte e sistema viário regional, habitação, saneamento ambiental, meio ambiente, desenvolvimento econômico e atendimento social.
Conselho Consultivo: serão instituídos em cada sub-região, compostos por membros da sociedade civil organizada, do Poder Legislativo dos municípios que integram a região, pelos deputados estaduais e pela Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano, representando o Governo do Estado. Entre as atribuições do Conselho Consultivo, merece destaque a elaboração de propostas a serem submetidas ao Conselho de Desenvolvimento, a criação de Câmaras Temáticas e o encaminhamento de propostas de iniciativa popular.
Fundo de Desenvolvimento: será criado após definição de suas diretrizes pelo Conselho de Desenvolvimento por meio de um novo projeto de lei a ser enviado pelo governo à Assembleia Legislativa de São Paulo. Ele será o responsável por dar suporte financeiro ao planejamento e as ações na região metropolitana com financiamentos e investimentos em planos, projetos, programas, serviços e obras. Os recursos do Fundo serão provenientes do orçamento do Estado, dos municípios, transferências da União, doações de pessoas físicas ou de empresas e empréstimos de organismos internos e externos, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Agência de Desenvolvimento Metropolitano: será uma autarquia, a ser criada por meio de uma lei específica, vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano, responsável pela elaboração de projetos de interesse comum e estratégicos para a região.
Vice-coordenadora nacional do INCT Observatório das Metrópoles e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/USP, Suzana Pasternak destaca a iniciativa do governo paulista ao propor, pela primeira vez no País, uma política metropolitana compartilhada. Um passo importante para as políticas públicas com foco nas grandes cidades.
Qual a importância da criação de um sistema de gestão para a RMSP? O que essa iniciativa pode representar para o Brasil e para a gestão pública das metrópoles brasileiras?
Trata-se de uma tentativa de gestão inovadora no Brasil. Pode servir de exemplo para outras RMs. A estrutura parece competente, já que o Conselho de Desenvolvimento é paritário, composto pelos prefeitos dos 39 municípios e representantes do Estado (a lei não define quantos representantes). É uma estrutura do tipo Senado, já que não conserva a proporcionalidade nem dos impostos recolhidos, nem da população. Com isso, garante a representatividade dos pequenos municípios. Numa área urbanizada contínua, estes problemas são comunicantes e ultrapassam o alcance das intervenções municipais. O preço da terra na capital impacta a moradia de municípios próximos; o ar e a poluição não reconhecem limites municipais; a localização de empregos impacta o sistema viário e os transportes; as fontes de abastecimento de água não podem ser conflitantes; dejetos de esgoto doméstico e industrial em Guarulhos poluem o rio Tietê, que passa pela capital por exemplo; já o lixo recolhido na capital tem como destino aterros em outros municípios, entre outros casos. O Conselho Consultivo, em cada uma das seis sub-regiões (as cinco mais a capital) incentivam a participação popular. O Fundo de Desenvolvimento conseguirá dar suporte financeiro, através de repasses do orçamento do Estado, municípios, União e empréstimos. Também na lei não fica claro a obrigatoriedade de algum repasse, apenas é dito que no caso de municípios o critério a ser seguido poderá ser a da arrecadação per capita.
Ou seja, a Lei é promissora, mas ainda sugere uma intenção, pouco mais que isso. Dados sobre a composição do Conselho de Desenvolvimento – como a do Consultivo – e os recursos do Fundo de Desenvolvimento ainda estão nebulosos.
Quais os principais desafios para este sistema de gestão e para o governo de São Paulo como mediador?
A iniciativa é inovadora, mas muita coisa precisa ser negociada; mesmo no caso do Conselho de Desenvolvimento, que se coloca como paritário: qual será o peso do Estado neste Conselho? Como as resoluções deste Conselho poderão colidir com a autonomia municipal? No que esta estrutura poderá se mostrar mais adequada para a gestão metropolitana? Como os municípios irão reagir se sentirem que alguma medida metropolitana os prejudica? Como as resoluções do Conselho serão compatíveis com a Constituição de 1988, que garante o município como instância de gestão? Enfim, os desafios são inúmeros e as soluções não são triviais.
Em sua opinião, quais temas devem ser priorizados neste novo sistema de gestão?
Creio que a destinação de resíduos sólidos, destino de dejetos, abastecimento de água e mobilidade urbana são prioritários, sem desdenhar outros aspectos, como a implantação de indústrias e serviços, áreas verdes, habitação etc.