Pesquisadores do INCT Observatório das Metrópoles e convidados se reuniram na última segunda-feira, dia 29, no Auditório do IPPUR/UFRJ, para o segundo encontro do “RMRJ em Debate”. Sob o tema “Ilegalismos e serviços urbanos”, o objetivo foi refletir sobre o impacto do tráfico e da milícia em questões como a exploração das atividades imobiliárias, os serviços urbanos – mobilidade, gás, internet, entre outros – e seus efeitos sobre a gestão da cidade. O evento é uma iniciativa do Núcleo Rio de Janeiro e será realizado uma vez ao mês até julho, com o intuito de discutir questões fundamentais para a Região Metropolitana, no contexto das Eleições Municipais de 2024. Foram convidados Leandro Marinho, do Observatório de Favelas; Jaqueline Gomes, do Fórum Grita Baixada; Cintia Frazão e Adauto Cardoso, ambos do INCT Observatório das Metrópoles. O próximo encontro ocorrerá dia 27 de maio, e terá como temática a questão da moradia e política habitacional.
“É importante estarmos aqui para pensarmos em alternativas que passem por todos os níveis de governos, inclusive o municipal. São várias as atuações desses grupos armados que tem a ver com políticas locais e municipais, pois eles estão dentro das Prefeituras e Câmaras de Vereadores”, comentou Cardoso, responsável pela mediação do debate. A primeira convidada a fazer seus apontamentos foi Cintia Frazão. Ela relatou sobre a dissertação de sua autoria, que fala sobre a influência do “Programa Cidade Integrada”, na milícia da comunidade da Muzema (localizada junto ao Itanhangá, uma área nobre da Barra da Tijuca) e no Jacarezinho (Zona Norte), ambos no Rio de Janeiro. Lançado pelo governador do estado do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, o objetivo seria retomar territórios em áreas sob domínio do tráfico e da milícia, além de ser um modelo de segurança pública e uma reformulação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).
Frazão comentou que há uma enorme complexidade de interação entre a população nas áreas ocupadas por grupos armados. Isso porque o controle territorial da milícia impede a autonomia dos moradores. Ela buscou destrinchar os caminhos percorridos pela segurança pública no Rio de Janeiro e realizou um balanço crítico das ações. “Um grande consenso foi o uso da estratégia de tática de guerra, homicídios, tiroteios e controle social dos territórios nas áreas de UPPs e denúncias de abusos de poder e corrupção”, enfatizou. A escolha da comunidade da Muzema teve relação com os desabamentos que ocorreram em 2019, quando dois prédios residenciais, com obras incompletas, desabaram no dia 12 de abril daquele ano. Já a comunidade de Jacarezinho foi escolhida pela chacina que ocorreu em 6 de maio de 2021, durante uma operação da Polícia Civil que resultou em pelo menos 29 pessoas mortas.
Segundo Frazão, o “Programa Cidade Integrada” não combateu a milícia na Muzema. “Não bateram a meta do que se propunham, visto que gastaram R$ 300 milhões e teve pouco retorno para a população”, afirmou. A dissertação levantou questões para refletir sobre como é reproduzido o controle armado nos territórios, a exemplo da união de milícias com algumas facções para se fortalecerem. “As disputas intensas são para controle do território e todos os programas do estado não conseguem dar conta de retomar o território. Muitos equipamentos são tomados pela milícia, os moradores não têm liberdade e autonomia de se organizar. A própria Associação de Moradores da Muzema não tem material crítico ou reclamação efetiva em relação ao governo do estado”, salientou.
Violência letal, atores políticos e atuação dos grupos armados
A segunda apresentação do “RMRJ em Debate” foi realizada por Leandro Marinho, do Observatório de Favelas. Ele investigou a relação entre a violência letal, atores políticos e atuação dos grupos armados. De acordo com ele, um levantamento de dados feito entre 2015 e 2023 mostrou um total de 58 assassinatos políticos na Baixada Fluminense, em geral por armas de fogo. Este levantamento foi feito a partir de notícias jornalísticas, publicadas nos veículos O Globo, Extra, Meia Hora e O Dia. “A dinâmica da violência na Baixada Fluminense é feita de uma forma muito descarada. Nem sempre um assassinato vai dar repercussão midiática, é um problema metodológico, mas é também como os canais midiáticos abordam a Baixada, a cobertura é aquém daquilo que deveria existir”, pontuou. Conforme Marinho, as mortes dizem respeito ao perfil das elites políticas da Baixada. “Em geral são homens, brancos, a partir de 40 anos, com grande participação no empresariado e que vêm das forças de segurança. Constroem a carreira deles através do poder de matar e muitos constituem grupos milicianos locais. Vira uma briga de elite política”, ressaltou.
Mapeamento sobre desaparecidos e desaparecimentos forçados na Baixada Fluminense
A terceira convidada do debate, Jaqueline Gomes, do Fórum Grita Baixada, apresentou a pesquisa “Mapeamento exploratório sobre desaparecidos e desaparecimentos forçados em municípios da Baixada Fluminense – Rio de Janeiro – Brasil”. Ela vem desenvolvendo o estudo desde 2021, como resultado de um projeto de extensão da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). O objetivo é fazer uma análise exploratória de desaparecimentos forçados no período entre 2016 e 2020. Segundo Gomes, foram contabilizados 162 casos de desaparecimentos por dia. “Destaco o grupo de mães que perderam seus filhos. Fizemos o mapeamento desses agrupamentos e começamos a realizar atividades com elas, como a arteterapia.”, observou. Um dos produtos da pesquisa foi o curta-metragem “Desova”, falando sobre aspectos da luta dessas mães e buscando compreender as dinâmicas do desaparecimento forçado de pessoas.
Gomes explicou que o conceito de desaparecimento forçado é a privação de liberdade de uma pessoa, juntamente com a violência física, psicológica e a ocultação da materialidade do crime. De acordo com ela, a hipótese é que exista uma relação entre o número de desaparecidos e de homicídios dolosos na Baixada Fluminense. “Foi feita uma análise descritiva, detalhamos as condições dos desaparecidos, e, também, os cemitérios clandestinos, corpos em putrefação, locais de desova, aspectos geográficos, e em que condições se encontravam os corpos”, esclareceu. Conforme a pesquisadora, as denúncias falavam sobre o desinteresse e a morosidade por parte da polícia, de modo que as narrativas fazem parte de um universo que apresenta um conjunto para pensar técnicas para fazer desaparecer corpos. “A pesquisa vai ter continuidade, inclusive com uma emenda do Deputado Federal Henrique Vieira. Faremos, ainda, uma audiência pública e a articulação local com municípios da Baixada Fluminense para entender a gramática da violência territorial”, destacou.
O registro do debate está disponível no canal do INCT Observatório das Metrópoles no Youtube, confira: