Com a proximidade da Conferência Rio+20, da Copa do Mundo/2014 e das Olimpíadas/2016, o Rio de Janeiro está prestes a receber o maior volume de recursos de sua história para investir em políticas de mobilidade urbana. No projeto da cidade estão previstas um conjunto de intervenções, denominadas pelas autoridades de “Revolução nos Transportes”, que inclui a implantação de BRT’s, alongamento da Linha 1 do Metrô e a implantação dos sistemas BRS’s. Diante do discurso de modernização e do seu aparente consenso, caberia perguntar quem são os efetivos beneficiados e que preço a sociedade está disposta a pagar por esses supostos benefícios.
O INCT Observatório das Metrópoles, em parceria com o Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas, tem divulgado semanalmente por meio do seu boletim os eixos temáticos do dossiê “Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro”. Nesta edição, o destaque é o tema da mobilidade urbana. Da realidade do sistema de transporte público da capital fluminense – nos aspectos relacionados a preço, qualidade e transparência de gestão – ao projeto de revolução do sistema de mobilidade proposto pela Prefeitura Municipal e o Governo do estado, o qual exclui a região metropolitana do Rio de Janeiro e toda a sua população de um transporte público de qualidade, democrático e seguro.
DOSSIÊ: “Megaeventos e Violação dos Direitos Humanos no Rio”
Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas
Tema: Mobilidade
Podemos afirmar que a mobilidade urbana enquanto direito humano enquadra-se, segundo os tratados internacionais, vinculada ao direito à moradia, visto que este não compreende apenas um teto e quatro paredes, mas o direito de toda pessoa ter acesso a um lar e uma comunidade seguros para viver em paz, com dignidade e saúde física e mental. Sendo assim, o direito à moradia adequada deve incluir, entre outros requisitos, uma localização adequada. É neste item, especificamente, que entra a mobilidade, pois para ser adequada, a moradia deve estar em local que ofereça oportunidades de desenvolvimento econômico, cultural e social. Isso quer dizer que nas proximidades do local da moradia deve haver oferta de empregos e fontes de renda, meios de sobrevivência, rede de transporte público, supermercados, farmácias, correios, e outras fontes básicas de abastecimento14. Por exemplo, como nos é lembrado por Raquel Rolnik, relatora especial da Organização das Nações Unidas para o tema, “a moradia adequada de um pescador é na beira do mar. Assim como a moradia para o trabalhador na indústria é no lugar onde o emprego existe ou que ele tem transporte rápido e acessível de acordo com seu bolso para poder acessar as oportunidades de trabalho e emprego”.
O acesso à mobilidade não se restringe absolutamente à localização. Nestes termos, deve-se considerar também itens como o preço das passagens, oferta de modais diversificados, possibilidade de integração intermodal e, sobretudo, as opções de mobilidade devem ser seguras e minimamente confortáveis.
Revolução nos Transportes?
Com a proximidade da Conferência Rio+20, da Copa do Mundo/2014 e das Olimpíadas/2016, vive-se uma onda de otimismo sobre as novas perspectivas de mobilidade urbana, mais eficientes, seguras, confortáveis e sustentáveis. As cidades brasileiras estão prestes a receber o maior volume de recursos de sua história para investir em políticas de mobilidade. No Rio de Janeiro, estão previstas diversas obras de infraestrutura, alterações no trânsito e no sistema de circulação dos ônibus e investimento na infraestrutura cicloviária.
Esse conjunto de intervenções, que tem sido denominado pelas autoridades de “Revolução nos Transportes”, inclui a implantação de BRT’s (Bus Rapid Transit), alongamento da Linha 1 do Metrô e a implantação dos sistemas BRS’s (Bus Rapid System). Seriam os grandes projetos, a reestruturação das linhas de ônibus e o incentivo ao uso da bicicleta, as soluções definitivas para os graves problemas com os quais se defrontam diariamente os moradores das grandes cidades? As obras de infraestrutura de transporte, que implicam em grandes intervenções no espaço urbano, poderiam implicar na violação de outros direitos humanos, como no caso das comunidades removidas? Neste contexto, cabe se perguntar também se o Rio de Janeiro estaria prestes a experimentar de fato uma revolução no sistema de mobilidade urbana que alteraria para sempre a história da cidade e a vida de seus moradores. Diante do discurso da modernização, de ampliação e de toda a propaganda que agora impera em torno do futuro dos transportes na cidade e que caminha para um aparente consenso, caberia questionar quem são os efetivos beneficiados e que “preço” a sociedade está disposta a pagar por esses supostos benefícios.
Aumentos abusivos no preço das passagens x Qualidade do transporte público
Nos últimos anos, pode-se afirmar que os preços das passagens no Rio de Janeiro não vêm sofrendo apenas reajustes, ou correções tarifárias. Têm ocorrido, na verdade, aumentos abusivos acima de qualquer índice de inflação. Além disso, como ocorreu com as passagens de ônibus no dia 1º de janeiro de 2012, esses aumentos não são previamente anunciados, configurando verdadeiras manobras por parte do poder público em conluio com as empresas de transportes para evitar que qualquer tipo de manifestação fosse previamente realizada. Neste caso específico, a passagem que custava R$ 2,50 passou a custar R$ 2,75, um aumento, portanto, de 10%. A passagem do metrô já havia passado de R$ 2,80 para R$ 3,10, que é como aponta recente levantamento realizado pelo site de notícias G1 – a passagem de metrô mais cara do país. No dia 2 de fevereiro de 2012, chegou a hora dos trens. O usuário que antes pagava R$ 2,80 passa a desembolsar R$ 2,90 por viagem. Parece pouco, mas R$ 0,10 representa uma grande quantia mensal, sobretudo quando se leva em consideração o péssimo serviço prestado.
São diários os problemas com os trens operados pela empresa Supervia Trens Urbanos, que também opera o transporte de passageiros no Teleférico do Alemão. No dia do aumento, coincidentemente ou não, usuários tiveram que caminhar por centenas de metros sobre os trilhos, após o trem que fazia o trajeto Central do Brasil-Campo Grande apresentar uma pane. Além disso, usuários reclamam de atrasos, superlotação e do calor desumano, sendo constantes as denúncias de que o ar condicionado, nas poucas composições que são equipadas com este artefato, é 19 constantemente desligado. O calor nos trens, mais acentuado agora no verão, está sendo inclusive objeto de uma campanha dos usuários nas redes sociais.
Os usuários do transporte aquaviário no Rio de Janeiro não ficariam livres dos aumentos abusivos e inadvertidos. Foram previstos aumentos, a partir do dia 1º de março de 2012, nas tarifas das linhas Rio de Janeiro-Niterói, Rio de Janeiro-Ilha de Paquetá, Mangaratiba-Ilha Grande e Angra dos Reis-Ilha Grande. Neste caso, os usuários vêm sofrendo com a precariedade do serviço, que inclui os atrasos, superlotação e, o mais grave, a insegurança que coloca em risco a vida dos 20 passageiros.
No que diz respeito ainda aos custos da mobilidade, estes estão diretamente relacionados à garantia do direito que toda pessoa tem de um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar. Sendo assim, é preciso lembrar que os gastos das famílias com transporte no Brasil vêm aumentando gradativamente nas 21 últimas décadas. Na década de 1970, segundo o IBGE , 11,2% das despesas das 22 famílias eram despendidos com transporte. No início dos anos 2000, 18,4% do orçamento familiar já eram destinados às despesas com transporte. No final desta 23 década, esse percentual chega a 19,6%, praticamente se igualando aos gastos com alimentação, que são de 19,8%.
Outra dimensão que ainda precisa ser considerada é a baixa integração intermodal. O Rio de Janeiro tem sido colocado como a cidade da bicicleta, por exemplo. Mas, das 35 estações do metrô, apenas 11 contam com bicicletários. Além disso, o número de vagas (apenas 206 nas 11 estações) parece insuficiente diante do potencial de uso da bicicleta como meio de transporte e o embarque das bicicletas nos vagões é permitido somente aos sábados, domingos e feriados.
O Poder Público promete a “revolução nos transportes”, construindo as vias Transcarioca, Transolímpica e Transoeste (todas BRTs), e o metrô Lagoa-Barra (alongamento da Linha 1) todos ligados à realização da Copa e dos Jogos Olímpicos.
Por outro lado, a população clama por serviços de transporte de massa em outras direções e para outras regiões da cidade (ver Box). Ou seja, enquanto hoje o serviço de transporte coletivo oferecido à população se configura como caro, precário e insuficiente para a demanda existente, o cenário que se desenha para o futuro é o de investimentos em transporte no Rio de Janeiro que, ao invés de atenderem à demanda existente, tornam possível a ocupação de áreas vazias ou pouco densas, visando e 24 promovendo a valorização imobiliária e a expansão irracional da malha urbana.
Nesse contexto, os investimentos em transportes para a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 estão majoritariamente concentrados territorialmente. Primeiro, há uma forte concentração no município do Rio de Janeiro, lembrando que a região metropolitana tem 20 municípios. E, em segundo lugar, há uma desigualdade na distribuição desses investimentos no interior do município do Rio de Janeiro, com uma concentração maciça na Zona Sul e na Barra da Tijuca.
Os números oficiais apontam que 63% da população da cidade do Rio de Janeiro será usuária do Transporte de Alta Capacidade (Trens, Metrô e BRT). Por outro lado, é preciso considerar que as soluções para problemas das grandes cidades também não poderão se dar no âmbito das esferas municipais, pois são questões de natureza metropolitana, inclusive no caso dos megaeventos. A chamada “revolução nos transportes” propagandeada pelo Poder Público no contexto dos megaeventos não é, portanto, solução para a crise da mobilidade, um problema que decorre das enormes dificuldades de deslocamento diário das pessoas para trabalhar em um mercado de trabalho cada vez mais organizado na escala metropolitana. Por último, é preciso destacar que, no contexto das intervenções no sistema de mobilidade para a Copa de 2014 e Jogos Olímpicos de 2016, não há um plano integrado que considere o Rio de Janeiro como “cidade metropolitana”, sendo que o último Plano Diretor de Transporte Urbano da região metropolitana é de 2003.
Leia “O metrô que o Rio precisa” aqui.