O poder público tem prometido uma “revolução nos transportes” no Rio de Janeiro, com a construção das vias Transcarioca, Transolímpica e Transoeste, e o metrô Lagoa-Barra (alongamento da Linha 1) – todos ligados à realização da Copa e dos Jogos Olímpicos. Apesar da propaganda oficial, o que se vê cotidianamente é um transporte coletivo caro, precário e insuficiente para a demanda existente. Na cidade que tem o metrô mais caro do Brasil, os cerca de R$ 6 bilhões de recursos para a mobilidade urbana no contexto dos megaeventos serão usados de forma desigual, com uma concentração maciça na Zona Sul e na Barra da Tijuca.
O artigo “Mobilidade urbana pra quem?” integra o dossiê “Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio”, produzido pela Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa e das Olimpíadas, em parceria com o Observatório das Metrópoles e outras entidades.
Segundo Orlando dos Santos Júnior, coordenador do projeto “Metropolização e Megaeventos” do Observatório das Metrópoles, essa segunda versão do dossiê reafirma um processo em curso de reestruturação urbana da cidade e de realocação dos pobres para as zonas mais periféricas. “No caso das remoções, esse processo continua sendo marcado pela completa invisibilidade e falta de transparência, pois, até agora, não se sabe quem será removido. Numa perspectiva mais ampla o que podemos afirmar é que os projetos relacionados aos megaeventos são estruturadores, já que apontam para este tríplice-vetor: com a revitalização do centro do Rio, o fortalecimento da centralidade da Zona Sul e a criação de uma centralidade na Barra da Tijuca”, afirma.
Revolução nos transportes?
Na cidade do Rio de Janeiro os recursos previstos para intervenções no campo da mobilidade urbana são da ordem de aproximadamente 6,2 bilhões de reais, incluindo os investimentos para a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Até o momento foi inaugurado apenas o BRT Transoeste, que é uma linha de ônibus em sistema BRT que liga o Bairro de Santa Cruz ao Bairro da Barra da Tijuca. Menos de um ano depois da inauguração da linha do BRT, sua infraestrutura já vem apresentando falhas, como mostrou a série de matérias jornalísticas que mostravam danificações no asfalto e queda de revestimento e infiltrações no Túnel da Grota Funda, na zona oeste, por onde passa o BRT.
É preciso lembrar que a rede de transporte e as opções de modais disponíveis (o grau de prioridade dado a cada modal, como ao automóvel, por exemplo) influenciam no padrão de mobilidade urbana que se tem em cada cidade. Também é preciso considerar como o sistema de transporte pode, ou não, promover justiça social. No caso do Rio de Janeiro, constata-se, primeiramente, uma forte concentração espacial dos investimentos em infraestrutura de transportes quando consideramos a escala metropolitana. Isto, por si só, coloca em dúvida se, apesar dos volumes de investimento envolvidos, as intervenções no campo da mobilidade estariam de fato provocando transformações na estrutura urbana extremamente desigual da cidade.
Os investimentos em mobilidade são os principais indutores de reestruturação das cidades, incidindo sobre a dinâmica urbana na perspectiva da (re)valorização de certas áreas (criação e revitalização de centralidades) e na capacidade de acesso da população aos equipamentos de mobilidade e acessibilidade. De fato, a simples provisão de infraestrutura não garante o bem-estar da população e o respeito aos direitos humanos.
A análise dos investimentos na cidade do Rio de Janeiro indica que estes não estão voltados para o atendimento das áreas mais necessitadas e que apresentam os piores indicadores de mobilidade. Mas, pior do que uma infraestrutura mal construída ou mal distribuída pelo território da cidade, constata-se que muitas comunidades têm sido removidas compulsoriamente ou sofrido ameaça de remoções por conta da construção da infraestrutura de transporte par a Copa e as Olimpíadas. Isto, por si só, constitui uma violação ao direito à moradia garantido em diversos tratados internacionais.
É preciso lembrar, ainda, que muitas das ações e projetos previstos correm o risco de não serem executados e pouca ou quase nenhuma infraestrutura para os deslocamentos não motorizados, como a pé ou de bicicleta, estão sendo previstos.
Os aumentos constantes, inadvertidos e abusivos nos preços das passagens
Nos últimos anos, percebe-se que tem ocorrido no Rio de Janeiro aumentos abusivos nos preços das passagens, que extrapolam qualquer índice de inflação. Além disso, como ocorreu com as passagens de ônibus no dia 1º de janeiro de 2012, esses aumentos não são previamente anunciados, configurando verdadeiras manobras por parte do poder público, quem sabe em acordo com as empresas prestadoras de serviço de transportes, para que qualquer tipo de manifestação fosse realizada. Neste caso específico, a passagem que custava R$ 2,50 passou a custar R$ 2,75, um aumento, portanto, de 10%. A previsão é que a passagem de ônibus no Rio passe a custar R$ 2,90, representando um reajuste de 5,4%. Esse último aumento só não se realizou ainda porque – a pedido do governo federal, preocupado com o impacto das tarifas na inflação – a prefeitura adiou o aumento, que aconteceria no dia 1º de janeiro de 2013.
A passagem do metrô já havia passado de R$ 2,80 para R$ 3,10 em 2012, e, atualmente, abril de 2013, custa R$ 3,50, o que mantém a cidade como a que tem a passagem de metrô mais cara do país. Neste caso, os usuários também convivem com os mesmos problemas dos outros sistemas de transportes. Em fevereiro de 2013, o Procon notificou o metrô, após uma visita conjunta com a Secretaria Estadual de Defesa do Consumidor na linha 2, em razão da identificação de várias irregularidades, entre elas vagões superlotados, ar-condicionado sem funcionamento, problemas com a ventilação de algumas estações, elevadores para deficientes enguiçados, escaldas rolantes em manutenção e poucos funcionários atendendo nas bilheterias.
Desde 2 de fevereiro de 2012, as passagens dos trens passaram R$ 2,80 para R$ 2,90. Neste mesmo dia, coincidentemente ou não, usuários tiveram que caminhar por centenas de metros sobre os trilhos após o trem que fazia o trajeto Central do Brasil-Campo Grande apresentar uma pane. Os usuários continuam convivendo com graves problemas neste serviço. Há reclamações de atrasos, superlotação e excesso de calor “desumano”, sendo constantes as denúncias de que o ar condicionado, nas composições que os têm, é constantemente desligado. A reclamações e as panes são diárias. A situação dos trens da Supervia colocam inclusive em risco a vida dos usuários. Nos últimos tempos, por dois dias seguidos, ocorreram dois descarrilamentos.
Os usuários do transporte aquaviário no Rio de Janeiro não ficaram livres dos aumentos abusivos e inadvertidos. Em março de 2012 ocorreram aumentos nas tarifas das linhas Rio de Janeiro -Niterói, Rio de Janeiro – Ilha de Paquetá, Mangaratiba – Ilha Grande e Angra dos Reis-Ilha Grande. No início de 2013, como era de se esperar, ocorreu outro aumento. O trajeto Rio – Niterói, que antes custava R$ 4,50, desde o dia 2 de abril de 2013, passou para R$ 4,80. Esse é, atualmente, o meio de transporte mais caro da cidade. É também um dos que mais apresenta problemas e que gera mais reclamações por parte dos usuários que há muitos anos vêm sofrendo com a precariedade do serviço, que inclui os atrasos, superlotação e, o mais grave, insegurança que coloca em risco a vida dos passageiros.
É preciso dizer que custos de deslocamento estão diretamente relacionados à garantia do direito, que toda pessoa tem, de um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar. Sendo assim, é preciso lembrar que os gastos das famílias com transporte no Brasil vêm aumentando gradativamente nas últimas décadas. Na década de 1970, segundo o IBGE, 11,2% das despesas das famílias eram despendidos com transporte. No início dos anos 2000, 18,4% do orçamento familiar já eram destinados às despesas com transporte. No final desta década, esse percentual chegou a 19,6%13, praticamente se igualando aos gastos com alimentação, que representavam 19,8% no mesmo período considerado.
Outra dimensão que ainda precisa ser considerada é a baixa integração intermodal. O Rio de Janeiro tem sido considerado por muitos como a cidade da bicicleta, por exemplo. Mas, das 35 estações do metrô, apenas 11 contam com bicicletários. Além disso, o número de vagas – apenas 206 nas 11 estações – parece insuficiente diante do potencial de uso da bicicleta como meio de transporte. Por fim, cabe registrar que o embarque das bicicletas nos vagões somente é permitido aos sábados, domingos e feriados.
Faça aqui o download da segunda versão do dossiê “Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio”.
Para mais informações, acesse o site do Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas.