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Neste artigo destaque da Revista e-metropolis nº 25, Orlando Alves dos Santos Jr. e Patrícia Novaes discutem os impactos espaciais, ou o ajuste espacial nos termos propostos por Harvey, decorrentes da crescente adoção do empreendedorismo urbano e da urbanização neoliberal na cidade do Rio de Janeiro. Este ajuste espacial seria expresso pela reconfiguração urbana de certos espaços, notadamente a Barra da Tijuca, a Área Portuária e a Zona Sul, apontando na direção do aprofundamento das desigualdades socioespaciais da cidade do Rio de Janeiro e para possíveis processos de gentrificação.
Urbanização neoliberal e ajuste espacial na Cidade Olímpica
Por Orlando Alves dos Santos Jr. e Patrícia Ramos Novaes
Argumenta-se, neste artigo, que estão em curso diversas mudanças na cidade do Rio de Janeiro, que caminham na direção do que pode ser caracterizado como uma urbanização neoliberal, envolvendo um processo de destruição criativa de estruturas urbanas, de arranjos institucionais de gestão, e de regulações do espaço urbano.
Em especial, há que se considerar o contexto de preparação da cidade do Rio de Janeiro para receber dois megaeventos esportivos, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Parece haver fortes indícios de que estes dois megaeventos estão associados a profundas mudanças na reestruturação urbana da cidade e no seu padrão de governança urbana, sustentada por uma coalizão de interesses econômicos, políticos e sociais que conduz esse projeto.
Tomando como base a concepção de neoliberalização como processo, o objetivo deste artigo é discutir os impactos espaciais, ou o ajuste espacial nos termos propostos por Harvey (2005), decorrentes da crescente adoção do empreendedorismo urbano e da urbanização neoliberal na cidade do Rio de Janeiro. Este ajuste espacial seria expresso pela reconfiguração urbana de certos espaços, notadamente a Barra da Tijuca, a Área Portuária e a Zona Sul, apontando na direção do aprofundamento das desigualdades socioespaciais da cidade do Rio de Janeiro e para possíveis processos de gentrificação. As mudanças em curso parecem estar em grande medida legitimadas discursivamente pela realização desses megaeventos e do suposto legado social que os mesmos seriam capazes de proporcionar à cidade, o que permite interpretar essas mudanças como um projeto de modernização neoliberal.
Para alcançar o objetivo proposto, o artigo está estruturado em três partes. Na primeira, busca-se refletir sobre a emergência da governança empreendedorista e da urbanização neoliberal no contexto específico da cidade do Rio de Janeiro.
Dando sequência, na segunda parte, busca-se refletir sobre o papel exercido pelo poder público na promoção das transformações verificadas, que não se restringe a viabilizar os projetos de renovação urbana a serem promovidos pelo capital privado. De fato, a Prefeitura do Rio de Janeiro aparece como a principal promotora dos projetos de renovação urbana que estão sendo implementados, atuando de diversas formas, envolvendo a articulação ou elaboração dos projetos, o financiamento direto de diversas intervenções, a concessão de incentivos fiscais e isenções de impostos para a atração dos empreendimentos privados, a instituição de parcerias público-privadas e a adoção de novos arranjos institucionais de gestão do espaço urbano e de mudanças na legislação anteriormente vigente, em especial aquela relacionada aos parâmetros construtivos.
Na terceira parte, busca-se refletir sobre a relação entre as transformações nas configurações urbanas vinculadas à Barra da Tijuca, a Área Portuária e a Zona Sul e os processos de valorização imobiliária, envolvendo possíveis processos de gentrificação e elitização social na cidade do Rio de Janeiro.
Não se pode deixar de registrar, pelo fato de muitas dessas transformações ainda estarem em curso, que as análises delineadas neste ensaio se constituem simultaneamente em resultados parciais de pesquisa e hipóteses a serem desenvolvidas.
O ajuste espacial neoliberal no Rio de Janeiro
Como já demonstrado em diversas análises (Castro, et al., 2014; outras), é possível afirmar que nos últimos anos ocorreram reestruturações urbana na cidade e mudanças no seu padrão de governança urbana na direção daquilo que poderia se considerar uma nova rodada de mercantilização ou neoliberalização (Ribeiro e Santos Junior, 2013; Castro et al., 2015; Santos Junior, 2015). De acordos com as análises, este processo está diretamente associado ao contexto de preparação da cidade do Rio de Janeiro para receber dois megaeventos esportivos: a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Neste sentido, estes megaeventos se constituiriam em veículos por meio dos quais estaria ocorrendo esta nova rodada de mercantilização da cidade.
Com base em Polanyi (2000, p. 289), pode-se dizer que “o conflito entre o mercado e as exigências elementares de uma vida social” marca a história do capitalismo, se traduzindo em rodadas de mercantilização. Os fatores vinculados à reprodução social passaram a ser geridos com base nos preços autorregulados e em rodadas de desmercantilização, nas quais estes mesmos fatores são protegidos por meio de convenções e regulações que limitam o mercado, subordinando-o a mecanismos de proteção e garantia de direitos sociais. Assim, ao acionar a ideia de uma nova rodada de mercantilização na cidade pretende-se indicar exatamente o processo por meio do qual o acesso a certos bens e equipamentos necessários à reprodução social estaria sendo desregulado e subordinado à lógica mercantil de preços autorregulados.
Para este argumento, parte-se da concepção de que a progressiva substituição das ideias e políticas vinculadas ao liberalismo social , ou políticas keynesianas, pelas ideias e políticas neoliberais expressam o modelo que hoje denominamos de neoliberalização.
De início, é preciso considerar que o liberalismo social também se manifestou de forma diferenciada nos diversos países e contextos nacionais considerados. Mas pode-se, de uma forma muito sintética, caracterizá-lo como a combinação dos princípios do liberalismo clássico (sobretudo o foco no indivíduo e a ênfase no mercado) com o Estado-Nação redistributivo que teria o papel de intervir para garantir algumas das condições econômicas fundamentais para o exercício das liberdades individuais defendidas. Entre as intervenções aceitas e justificadas estavam as políticas de habitação pública e de zoneamento urbano, as leis antitruste, as políticas de segurança alimentar e de renda mínima. Em síntese, o argumento mais importante para justificar essas intervenções estava fundado na ideia da imperfeição dos mercados autorregulados, que poderiam colocar em risco o funcionamento da sociedade sem a intervenção promovida pelos governos (Hackworth, 2007).
Já o neoliberalismo, como Harvey afirma, poderia ser entendido como
uma teoria sobre práticas de política econômica que afirma que o bem-estar humano pode ser mais bem promovido por meio da maximização das liberdades empresariais dentro de um quadro institucional caracterizado por direitos de propriedade privada, liberdade individual, mercados livres e livre comércio. O papel do Estado é criar e preservar um quadro institucional apropriado a tais práticas (Harvey, 2008, p. 2).
Como diversos autores apontam, existe uma relação entre a ascensão do neoliberalismo nos países centrais e a emergência de um novo padrão de governança, caracterizada pelo empreendedorismo urbano (Harvey, 2005; Hackworth, 2007), entendendo por governança certo padrão de interação entre o governo, a sociedade e o mercado (Santos Junior , 2001).
Acesse a edição nº 25 da Revista e-metropolis para leitura do artigo completo.
Publicado em Artigos Científicos | Última modificação em 21-07-2016 20:52:55