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Ocupação Urbana em São Paulo

Ocupação Urbana em São Paulo (Crédito da Foto: blog Raquel Rolnik/Reprodução)

O INCT Observatório das Metrópoles divulga a nova edição da Revista eletrônica e-metropolis, voltada para a promoção de trabalhos filiados ao planejamento urbano e regional e áreas afins. Entre os destaques da edição nº 29 temos o artigo “O debate sobre as ocupações urbanas revisitado — entre o vício (da virtude) e a virtude (do vício), a contradição”, do pesquisador Thiago Canettieri, que traz uma contribuição teórica à discussão das consequências das ocupações urbanas a partir do confronto de dois ideários aparentemente divergentes sobre o tema. Segundo o autor, tal divergência estaria associada à maneira como é interpretado o fenômeno da produção habitacional autogestionária na academia, tida, por um lado, como reflexo da reprodução do capital, enquanto por outro, vista como a possibilidade de se pensar novas formas de se produzir a cidade.

REVISTA E-METROPOLIS

Vinculada à rede interinstitucional do Observatório das Metrópoles (UFRJ), a revista eletrônica de estudos urbanos e regionais e-metropolis é editada por uma equipe de professores e pesquisadores e tem por objetivo principal suscitar o debate e incentivar a divulgação de trabalhos filiados ao planejamento urbano e regional e áreas afins. A e-metropolis busca, portanto, se constituir como um meio ágil de acesso democrático ao conhecimento, que parte do ambiente acadêmico e almeja ir além deste, dirigindo-se a todas as pessoas que se interessam pela dinâmica da vida urbana contemporânea em seu caráter multidisciplinar.

Publicadas trimestralmente, as edições da e-metropolis mantêm, em geral, uma estrutura que se compõe em duas partes. Na primeira parte da revista encontram-se os artigos estrito senso, que iniciam com um artigo de capa, no qual um especialista convidado aborda um tema relativo ao planejamento urbano e regional e suas interfaces, seguido dos artigos submetidos ao corpo editorial da revista e aprovados por pareceristas, conforme o formato blind-review. A segunda parte é composta por uma entrevista, por resenhas de obras recém-lançadas (livros e filmes), pela seção especial – que traz a ideia de um texto mais livre e ensaístico sobre temas que tangenciem as questões urbanas – e, finalmente, pelo ensaio fotográfico, que faz pensar sobre as questões do presente da cidade por meio de imagens fotográficas.

Para submissão de trabalhos, o corpo editorial recebe artigos, ensaios fotográficos, resenhas e textos para a seção especial em fluxo contínuo, assim como sugestões e críticas no link.

EDIÇÃO Nº 29

O debate sobre as ocupações urbanas revisitado

Por Thiago Canettieri¹

A produção capitalista do espaço urbano tem gerado constante exclusão e segregação. Não há novidade nesse argumento, como já explorado por vários autores em várias oportunidades (SANTOS, 1978; HARVEY, 1980, 1985, 2012; MARICATO, 2003; CANETTIERI, 2014). Em especial, destaca-se a exclusão que ocorre no acesso à moradia em processos mediados pelo mercado, o que, segundo Maricato (2003), implica em restrições de acesso à parte da população. Dessa forma, na contramão da via do mercado, ocorre a produção de moradia por meio de autogestão e da autoconstrução através das ocupações de terrenos e imóveis abandonados, deixados, assim, pela especulação, enquanto milhares de famílias continuam sem lugar para morar.

Hoje, no Brasil, observa-se a explosão de várias ocupações urbanas das famílias pobres que, não tendo onde morar, buscam viabilizar o seu habitar na cidade. Nesse contexto, pesquisadores têm investi- do na compreensão desse fenômeno e divergem nas conclusões referente às ocupações urbanas. Mesmo dentro de uma tradição marxista da teoria crítica da urbanização, essa divergência é encontrada. Embora seja saudável para um debate acadêmico, é necessário ter o rigor teórico de cada contribuição analisado para o desenvolvimento da discussão, em especial com uma temática que ganha espaço de destaque na sociedade brasileira.

O presente trabalho é uma contribuição à discussão referente à questão das consequências das ocupações urbanas a partir da interpretação divergente que alguns autores realizam deste fenômeno. O debate pode ser sintetizado em dois grupos. Um primeiro, como Bonduki e Rolnik (1979), Kowarick (1979), Oliveira (2006), Maricato (2003) e Harvey (1985), destacam que as ocupações são reflexo da reprodução do capital e que, na verdade, contribuem para que a classe capitalista se aproprie dos lucros a partir da reprodução da classe trabalhadora a baixos custos. Outro grupo de autores, no qual podemos inserir Ferro (2006), Lopes (2006), Souza (2006), Benjamin (2008) e Swyngedouw (2014), considera as ocupações e seus processos próprios, como a organização dos mutirões autogestionários, formas essenciais que possibilitam pensar novos modos de produzir, organizar e viver a cidade.

Acreditamos ser uma necessidade urgente confrontar tais ideias para entender o que significa a produção das ocupações urbanas no atual espaço urbano brasileiro, permitindo refletir sobre a produção capitalista do espaço, bem como oferecer uma crítica a esse processo.

O artigo, portanto, a fim de construir esta argumentação, está organizado da seguinte maneira: em primeiro lugar apresenta-se a discussão sobre as ocupações urbanas, buscando entender por que e como elas ocorrem. Em seguida, é tratada a questão referente à apropriação que a lógica capitalista pode realizar sobre as ocupações urbanas; utilizamos aqui, para ilustrar essa dimensão, a expressão de Oliveira (2006) designada como o “vício da virtude” – ou seja, a apropriação indevida dessa prática popular de estar/habitar na cidade. No entanto, é necessário apresentar também as positividades que estão envolvidas no ato de ocupar destas famílias, sublinhando as virtudes que as ocupações oferecem não apenas àquelas famílias, mas também uma crítica anticapitalista da produção do espaço urbano. Dessa forma, buscamos destacar como as ocupações representam uma nova forma de organizar o cotidiano, não apenas das famílias ocupantes, mas da cidade como um todo. Por fim, expõem-se as considerações finais do texto.

AS OCUPAÇÕES URBANAS

No processo de produção capitalista do espaço urbano, o acesso da população a residências é determina- do pela capacidade de pagamento. Este fato se deve à inversão do valor de uso para a importância exagerada do valor de troca, movimento que se iniciou, segundo Harvey (2013), a partir do século XVIII na Europa. Trata-se de quando é possível identificar a construção de casas para a especulação imobiliária voltada para a realização do valor de troca, e não do seu valor de uso. Assim, a produção, comercialização e, até mesmo, a posse de moradia se tornam formas de se obter ganhos financeiros através da especulação. Moradia se tornou um investimento.

Dentro deste contexto, Abramo (2009) apresenta a existência de três grandes lógicas a partir das quais ocorrem o acesso à moradia nas cidades contemporâneas: 1) a lógica do Estado, em que o acesso ocorre por meios de políticas públicas; 2) a lógica do merca- do e, portanto, mediada pelas grandezas monetárias; 3) a lógica da necessidade, que representa a motivação e a instrumentalização da instalação dos indivíduos na cidade. Mas, deve ser destacado que todas as três possuem uma interseção, estando submetidas à lógica capitalista, colocada como hegemônica. O Estado cumpre a demanda de forma bem específica em locais não vantajosos para o capital privado ou, ainda, criando condições para que o capital priva- do possa especular e, assim, acumular. Também de maneira específica, mas no polo oposto, age a lógica do mercado, baseada na apropriação da maior parcela possível de lucro. Entre as duas, a lógica da necessidade apresenta a oportunidade de inserção, mesmo que precária, da força de trabalho no contexto da cidade (CANETTIERI, 2014).

Assim, com os mercados de moradia restritos e segregados, e sendo a população incapaz de acessar a moradia pela via do mercado e do Estado, o seu acesso é garantido através das ocupações. Como destacado em Canettieri (2014), as ocupações são a resposta da população precarizada ao mercado de moradia excludente. As ocupações são a estratégia central para a reivindicação de moradias e o acesso à infraestrutura urbana (MARTINS, 2013).

As ocupações, como a concebemos, acontecem quando determinado grupo de pessoas sem acesso à moradia passa a ocupar terrenos e construções dos quais não têm posse formal. Essas ocupações “representam uma oportunidade de acesso à moradia” (CA- NETTIERI, 2014, p. 23), sendo impulsionadas pela lógica da necessidade (ABRAMO, 2009) de moradia não satisfeita pelas duas outras lógicas (do Estado e do Mercado).

De tal forma, as ocupações passam a significar elemento central na reprodução cotidiana de grande parte da população das cidades que vivem à margem do acesso formal à moradia.

 

Acesse o artigo completo na edição 29 da Revista e-metropolis.

¹Thiago Canettieri ( thiago.canettieri@gmail.com) é doutorando em Geografia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em Geografia – Tratamento da Informação Espacial na PUC-Minas (2014). Possui graduação em Bacharelado e Licenciatura em Geografia pela PUC-Minas (2012). Pesquisador do Indisciplinar (UFMG/CNPq) e do Observatório das Metrópoles.