Transporte fluvial na Amazônia (imagem ilustrativa) | Crédito: Cecy Procópio/Instagram
O INCT Observatório das Metrópoles divulga a nova edição da Revista eletrônica e-metropolis, voltada para a promoção de trabalhos filiados ao planejamento urbano e regional e áreas afins. Entre os destaques da edição nº 29 temos o artigo “A circulação dos ribeirinhos na Amazônia Oriental”, no qual Luis Eduardo Aragon Vaca e Regina Célia Brabo Ferreira descrevem e analisam a funcionalidade do sistema de transporte hidroviário de passageiros nas ilhas da RMB. Para tanto, realizaram uma pesquisa em 20 ilhas da RMB, utilizando como técnica a análise de agrupamento, a qual permitiu identificar circuitos de circulação, pautados pela relação que as ilhas têm com a cidade de Belém e outras ilhas próximas.
“O transporte dos ribeirinhos não costuma fazer parte das políticas de transportes da RMB, fazendo com que essa população busque seus próprios meios de deslocamentos para sua sobrevivência. Em nossa pesquisa, o deslocamento entre as ilhas foi entendido como circuito de subsistência, tomado aqui como uma estratégia usada pelos ribeirinhos para receber auxílios básicos de saúde, educação e transporte”, apontam os pesquisadores.
O artigo “O rio é a minha rua: a circulação e o agrupamento dos ribeirinhos na Amazônia Oriental” é o artigo de destaque da edição nº 29 da Revista eletrônica e-metropolis.
Luis Eduardo Aragón Vaca é professor titular da Universidade Federal do Pará. Possui graduação em Ciências Sociais, mestrado e doutorado em Geografia. E Regina Célia Brabo Ferreira é professora adjunta da Universidade Federal do Pará.
Abstract
River, boat and “trapiche” are the elements of the transportation system that the inha- bitants of the islands located in the Metropolitan Area of Belém (MAB), Brazilian northern region, use to get around. The purpose of this article is to describe and analyze the functionality of the waterborne passenger transport system on the MAB’s islands. Thus, a research was carried out in 20 islands there, using as technique cluster analysis, which allowed to identify circulation circuits based on the relationship that the islands have with the city of Belém and other nearby islands. The transport of the riverside population is not usually part of the transport policies in MAB, forcing this population to seek their own means of displacement for their survival. In our research, the displacement between the islands was understood as a subsistence circuit, taken here as a strategy used by the riverside people to receive basic aid for health, education and transportation.
EDIÇÃO Nº 29
INTRODUÇÃO
Por Luis Eduardo Aragón Vaca e Regina Célia Brabo Ferreira
Os rios têm forte influência no transporte na região amazônica, sendo um elemento de integração da vida ribeirinha. A importância do transporte fluvial para a região das ilhas da Região Metropolitana de Belém (RMB), no Estado do Pará, região norte do Brasil, é inquestionável. Ele cumpre importante e definitivo papel para o desenvolvimento e para a integração dessa população com a capital.
A RMB possui uma população de 2.422.481 habitantes, sendo composta pelos municípios de Belém, Ananindeua, Marituba, Benevides, Santa Bárbara e Santa Isabel. Possui uma área de aproximadamente 2.500 km2, dividida em uma região continental e outra insular (IBGE, 2016). Possui 47 ilhas, sendo 39 na área de Belém e 8 em Ananindeua, totalizando uma área de 41.482 km2 o que representa 65,64% da RMB, onde habitam 62.720 pessoas (3,16% da RMB).
O objetivo deste trabalho é descrever e analisar a funcionalidade do sistema de transporte hidroviário de passageiros nas ilhas da RMB. Buscou-se uma construção teórica que pressupõe que as condições de transporte hidroviário, em geral, estão relacionadas com teorias de divisão do espaço, o o poder de consumo e renda é o que determina a integração espacial do indivíduo, e que, portanto, o serviço de transporte nas ilhas da RMB, operado pela lógica do mercado, exclui, espacialmente, quem não tem esse poder.
A DESINTEGRAÇÃO DO ESPAÇO PARA O RIBEIRINHO
No Brasil, o modelo de desenvolvimento adotado na segunda metade do século XX privilegiou a modalidade rodoviária, utilizando esse sistema como fator de integração econômica e social. Esse fato acarretou o descaso do transporte hidroviário, que na Amazônia vem sofrendo grandes desafios. Primeiramente, a região foi, no passado, alvo de ousados projetos rodoviários e ferroviários que, além de terem provocado sérios danos ambientais, vêm modificando a matriz de transportes, especialmente em uma região dotada de leitos navegáveis. Em segundo lugar, a recuperação de sua importância esbarra na ainda escassa valorização, pela ação administrativa, dos atuais serviços fluviais que continuam a integrar a região, conservando um caráter artesanal e apresentando riscos de segurança de tráfego e sanitários.
A economia atual ainda necessita de áreas contínuas, dotadas de infraestruturas coletivas, unitárias, realmente indissociáveis quanto ao seu uso produtivo, mas esse equipamento chamado “coletivo” é, na verdade, destinado para uso e benefício empresariais. Construídas com o dinheiro público, essas infraestruturas aprofundam o uso seletivo do território, deixando excluída ou depreciada uma boa parte da economia e da população.
Bourdieu (1997) acrescenta que o espaço físico é hierarquizado por causa da hierarquia social. O espaço social se reflete no espaço físico, levando a diferentes distribuições de bens e serviços públicos e privados. Essa reflexão pode ser associada à realidade da população que vive na Região Metropolitana de Belém. As suas práticas socioespaciais apresentam uma diversidade, assim como uma complexidade, produto de uma dialética constante entre a ordem próxima e a ordem distante, ou melhor, em meio à lógica da reprodução da metrópole e a da reprodução da vida.
Belém apresenta uma característica que a distingue de outras capitais: quase dois terços de sua área são compostos de ilhas consideradas, em grande parte, áreas rurais. As relações com a cidade são marcadas pelas redes de sociabilidade e de trocas econômicas. As unidades familiares desenvolvem atividades extrativas, agrícolas, de pesca e artesanato, atendendo amplamente às feiras livres na cidade.
Porém, por muito tempo, Belém cresceu, segundo Araújo (1995), subordinada aos modelos europeus e americanos, e, por isso, atualmente apresenta uma exposta crise social, ignorando, pelas elites do planejamento, a sua natureza amazônica, que é ribeirinha. Em Belém vive-se de costas para o rio, rejeitando o vínculo aquático e tudo o que dele faz parte, complementam Acevedo Marin e Chaves (1997). Para Trindade Junior (1994), o espaço insular da capital paraense, especificamente a questão do transporte, é historicamente relegado a uma posição secundária na dinâmica da gestão municipal, implicando um trata- mento desigual, aleatório e frágil às populações ribeirinhas.
A literatura sobre o ordenamento do espaço urbano exclui as ilhas, mesmo quando reconhecido o seu papel na configuração do município. O último Plano Diretor de Transporte Urbano na RMB, realizado em 2001, e o anterior, em 1991, não contemplaram o transporte hidroviário, que foi ignorado de qualquer estudo proveniente do sistema proposto de transporte integrado para a região. Esse fato mostra que o transporte hidroviário, inserido no cotidiano da vida metropolitana, é, em grande parte, negligenciado na lógica das intervenções realizadas.
As ilhas pertencentes à RMB são lugares onde os modos de vida diferem significativamente do padrão caracterizado como urbano. São lugares espacialmente próximos da metrópole e ao mesmo tempo longe de seu estilo de vida, sendo esquecidos e excluídos de praticamente todo serviço oferecido na cidade (saúde, educação etc.). Por outro lado, a vida nas ilhas está diretamente relacionada às atividades na orla da Belém continental, marcada por um sem-número de portos de comercialização de produtos oriundos dessas regiões, bem como pela população que vai e vem, construindo itinerários e religando o continente a Belém insular.
A inexistência de um sistema de transporte estruturado entre ilhas vem relegando à subvida um expressivo contingente humano. Faz-se necessário, portanto, um conhecimento pleno dos problemas que geram a atrofia dessas regiões, de modo que se projete um sistema de transporte capaz de contemplar a necessidade de deslocamento existente, e que se estabeleçam condições de monitoramento efetivas, buscando atender de forma eficiente e segura às populações ribeirinhas dele dependentes. No geral, os problemas de transporte são tratados pela área técnica, implantando infraestrutura e sistemas que, muitas vezes, não condizem com a realidade local e são fadados ao fracasso.
Leia o artigo completo “A circulação dos ribeirinhos na Amazônia Oriental” no site da Revista e-metropolis.