Está disponível o dossiê “Precarização do trabalho, nova informalidade e território”, publicado pela Revista Cadernos Metrópole, que possui a qualificação máxima (A1) na avaliação quadrienal Qualis Periódicos da CAPES (2017-2020).
O dossiê foi organizado por Maria do Livramento Clementino, professora do Instituto de Políticas Públicas (IPP) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Juliana Bacelar de Araújo, professora do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Beatriz Tamaso Mioto, professora da Universidade Federal do ABC (UFABC), todas pesquisadoras do INCT Observatório das Metrópoles.
As organizadoras destacam que “a deterioração do mercado de trabalho é elemento central no tensionamento da questão urbana, seja pela piora das condições de vida, seja pela disputa em torno do espaço construído como base da oferta de bens e serviços de consumo coletivo ou como fundo de acumulação”. Nesse sentido, as questões que relacionam reestruturação do mercado de trabalho, novas formas de trabalho e mudanças na produção da cidade compõem os resultados deste dossiê, formado por um conjunto de nove artigos dentro da temática central. Foram também selecionados sete artigos sobre assuntos diversos da atualidade e que complementam ou mesmo ilustram o cenário sobre o qual a precarização do trabalho e a nova informalidade se instalam no território. Confira!
No primeiro artigo, “Estrutura sócio-ocupacional das metrópoles brasileiras: mudanças e permanências em 40 anos“, Marcelo Gomes Ribeiro analisa a estrutura sócio-ocupacional das principais metrópoles do Brasil, entre os anos de 1982 e 2021, focando em sua composição e no comportamento das desigualdades de renda. O autor utiliza dados da Pnad, de 1982, e da PnadC, de 2021, e constata uma redução na desigualdade de renda, mas, também, a manutenção de uma estrutura social representada pelo modelo piramidal, apesar de mudanças importantes ocorridas ao longo desses 40 anos.
Em “Trabalho precariado e plataformização: comércio no circuito inferior da economia“, Alexsandra Maria Vieira Muniz, Maria Clélia Lustosa da Costa e Emanuelton Antony Norberto de Queiroz analisam a precarização das relações de trabalho na dinâmica do circuito inferior da economia dos territórios do comércio popular de confecções do município de Maracanaú (Região Metropolitana de Fortaleza). Os autores verificam que esse comércio extrapola o território da metrópole, ao mesmo tempo que mantém estreitas ligações com ela, e se reinventa em meio a embates com o poder público.
O artigo intitulado “Plataformas digitais e fluxos urbanos: dispersão e controle do trabalho precário“, de autoria de Lívia Maschio Fioravanti, Felipe Rangel Martins e Cibele Saliba Rizek, trata dos fluxos urbanos dos entregadores de aplicativos na metrópole de São Paulo, para explorar empiricamente as condições em que esse trabalho é realizado na cidade. No texto, os autores argumentam que a dispersão de milhares de trabalhadores, ancorada por uma gestão algorítmica, somente é possível através de um controle incisivo do tempo, do território e do próprio trabalho.
Seguindo o tema da uberização, o artigo “Costurando a cidade: crise do capital, urbanização logística e entregadores de aplicativo“, escrito por Bruno Siqueira Fernandes, Alessandro Peregalli e Thiago Canettieri, também aprecia as recentes transformações no mundo do trabalho nas metrópoles brasileiras, pela ótica do trabalho precário e baseado primariamente na circulação de mercadorias. O texto apresenta uma interpretação transescalar para esse fenômeno, utilizando a noção lefebvriana de níveis (G, M, P). Nesse sentido, os autores exploram a relação existente entre a crise do capital, a urbanização logística e a dimensão cotidiana do trabalho de entregadores de aplicativo.
Também nesse sentido, a contribuição de Pedro Mendonça Castelo Branco e Sidney Jard da Silva, com o artigo “Precários, mas organizados: a estratégia de resistência dos uberizados“, passa por situar a uberização a partir das transformações do mundo do trabalho e de como ocorre o embate entre essas mudanças e a classe trabalhadora. Para os autores, a uberização do trabalho é mais uma etapa no processo de desconfiguração dos pactos sociais conformados no período fordista. São apresentadas, no artigo, várias iniciativas de organização dos uberizados, a partir de experiências internacionais e nacionais, à luz do conceito do sindicalismo de movimento social.
A dinâmica da sociedade de classes e seus enfrentamentos no contexto da precarização também podem ser vistos em outras dimensões. O trabalho de Ronaldo Gomes-Souza e Marcelo Claudio Tramontano, intitulado “Subjetivação e riscos psicossociais da uberização do trabalho nas dinâmicas territoriais“, reflete criticamente sobre os processos de novas subjetivações e riscos psicossociais da uberização do trabalho nas dinâmicas territoriais, destacando as empresas-aplicativo que oferecem serviços de táxi e entrega. Concluem que as práticas, a gestão e as contradições das empresas por aplicativo denotam a privação do direito à cidade e a captura da subjetividade dos trabalhadores.
Ainda enfrentando o tema da urberização, Eduardo Abramowicz Santos, no artigo “Moradia, trabalho e migração: uma ocupação sob ameaça de remoção“, analisa a relação entre deslocamento, moradia e trabalho numa ocupação localizada na região do Brás (São Paulo), organizada por migrantes latino-americanos e brasileiros. O autor ressalta que o entrelaçamento dessas dimensões constitui forma de produção do espaço e de organização territorial específicas e que há relação direta entre a informalidade do trabalho e da moradia.
Ainda no campo das alterações da dinâmica do trabalho e da subjetividade, o artigo “Espaços de ‘lazer’ em ambientes de trabalho na ‘Sociedade de desempenho’“, de Simone Jubert e Lúcia Leitão, observa como a adoção e proliferação dos espaços de lazer relacionam-se com a apropriação, por parte do empregador, do tempo de não trabalho de seus empregados, mesmo quando esses espaços são percebidos como elementos inspiradores e benéficos.
Fechando o dossiê, o artigo “Precarização do trabalho docente: plataformas de ensino no contexto da fábrica difusa“, escrito por André Luiz Moscaleski Cavazzani, Rodrigo Otávio dos Santos e Luís Fernando Lopes, discute questões relativas às iniciativas de plataformização do trabalho docente no contexto atual. A pesquisa realiza um esforço empírico de localização de plataformas digitais de ensino com a qual os autores mostram como é possível, por esse meio, aprofundar o uso de espaços domésticos, restringir o tempo de descanso e lazer e intensificar a precarização do trabalho docente.
Na parte dos textos complementares ao dossiê, o artigo “Outra face da interação: coletivos de comunicação das periferias e o Estado“, de autoria de Mariana Fonseca e Debora Rezende de Almeida, traz à visibilidade formas de ação coletiva nas periferias urbanas do Brasil, chamando a atenção ao fato de elas serem pouco presentes nos estudos sobre participação no país. Ao mesmo tempo, o texto sugere uma interpretação histórico-processual para a compreensão de quem são esses atores e por que são reticentes à interação com o Estado.
No artigo “A atuação estatal na produção da cidade informal: análise espacial em Florianópolis“, Pedro Jablinski Castelhano, Maíra Mesquita Maciorowski e Elisa de Oliveira Beck testam, através do estudo de caso de Florianópolis, a tese de que o estado brasileiro tolera e fomenta as ocupações urbanas irregulares como resposta à sua própria incapacidade de prover habitação popular e de garantir empregos que permitam a aquisição de habitação no mercado imobiliário.
O artigo “Violências do Estado na produção de territórios, informalidade e redes de proteção“, de autoria de Renato Abramowicz Santos, trata da produção do espaço urbano e do conflito a partir, sobretudo, da violência produzida pelo Estado. O texto tem como base empírica pesquisa etnográfica realizada no centro de São Paulo e toma as remoções como prisma descritivo e analítico.
O artigo escrito por Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, Igor Pouchain Matela e Nelson Diniz, intitulado “O urbano como antinação: para entender a crise das metrópoles brasileiras“, propõe uma reflexão sobre as relações entre a retomada do projeto de desenvolvimento nacional e a efetivação de um programa de reforma urbana na atual fase da dependência do capitalismo brasileiro. Os autores entendem ser necessária uma compreensão mais abrangente da crise urbana brasileira, que ultrapasse a descrição de suas manifestações fenomenológicas.
Por sua vez, o artigo “Dois tempos do neoliberalismo brasileiro como governo das cidades“, escrito por André Dal’Bó da Costa, discute duas diferentes fases de aclimatação do neoliberalismo no Brasil como prática de governo das cidades. A primeira, como progressismo neoliberal de centro-esquerda e, a segunda, como recente gestão autoritária, austera e militarizada do colapso social.
O artigo de Carlos Eduardo Martins, “Caos e nova temporalidade do sistema-mundo contemporâneo“, apresenta cinco grandes teses para entender a nova conjuntura mundial em que ingressam o capitalismo e a humanidade a partir de 2015-2020.
Finalizando este volume de Cadernos Metrópole, Elias Jabbour, Vítor Boa Nova e Javier Vadell, no artigo “‘O caminho chinês’: desenvolvimento desigual, projetamento e socialismo“, apresentam as categorias de “desenvolvimento desigual”, “projetamento” e “socialismo” como suportes fundamentais em uma análise de fundo sobre as reais razões explicativas do sucesso chinês.
A Revista Cadernos Metrópole surgiu em 1999 como um dos principais produtos do INCT Observatório das Metrópoles e tem como principal objetivo difundir os resultados da análise comparativa entre as metrópoles brasileiras. Na última avaliação Qualis Periódicos (2017-2020) da CAPES, recebeu classificação A1. A revista é produzida em parceria com a EDUC (Editora da PUC-SP). Conheça a história do nosso periódico nesse post da Scielo (clique aqui).