Está disponível o dossiê “Novas agendas urbanas: conexões internacionais e feixes de poder”, publicado pela Revista Cadernos Metrópole, que recebeu a qualificação máxima (A1) na nova avaliação quadrienal Qualis Periódicos da CAPES (2017-2020).
O dossiê é organizado por Vanessa Marx, professora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IFCH/UFRGS) e pesquisadora do Observatório das Metrópoles Núcleo Porto Alegre, e por Roberta Guimarães, professora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ).
Segundo as organizadoras, o novo número dos Cadernos Metrópole teve como forte motivação dar visibilidade a trabalhos que tratassem das novas agendas, das conexões internacionais e dos feixes de poder que atravessam as cidades. Nesse sentido, reúne artigos que, ao partirem de perspectivas teóricas e metodológicas diversas, tematizam o contexto mundial adverso de crescimento de desigualdades sociais e dos desafios e dificuldades de formulação de políticas locais, nacionais e internacionais.
O dossiê é composto por 14 artigos, além de 03 complementares, que abordam questões que dizem respeito tanto a problemas habitacionais, sanitários, ambientais, climáticos, tecnológicos e de mobilidade, quanto a demandas por reconhecimento, por participação nas decisões governamentais e por maior assistência diante do desmonte do modelo do Estado de bem-estar social.
Os artigos abordam particularmente três dimensões relacionadas às atuais questões da urbanização e da globalização:
- a) a criação de novas agendas urbanas pensadas no contexto do neoliberalismo e da internacionalização das cidades;
- b) o papel dos organismos internacionais como agentes de conexão entre diferentes nações e cidades;
- c) os conflitos, as disputas de poder e as demandas por políticas de reconhecimento e de distribuição de recursos nos territórios das urbes.
As organizadoras acreditam que, a partir de experiências descritas principalmente no contexto latino-americano e do Sul Global, os artigos que compõem o número poderão oferecer importantes contribuições para as reflexões das áreas de sociologia e antropologia urbanas, sociologia da globalização, ciência política, urbanismo, arquitetura e geografia, além de subsidiar a elaboração de políticas e programas governamentais no atual momento brasileiro.
A seguir, confira os artigos que compõem o dossiê:
A problemática do avanço do neoliberalismo nas cidades aparece no primeiro artigo, escrito por Marcelo Pérez Sánchez e Sebastián Aguiar. Em “Estado y promotores del neoliberalismo urbano: los barrios privados en Uruguay“, os autores descrevem o crescimento de bairros privados no Uruguai, criados através da aliança entre atração de capital, empresários internacionais e promoção de atividades turísticas. A ênfase analítica recai na gestão e na estratégia de governos locais, que passaram a conceder progressivamente incentivos fiscais para tais empreendimentos.
Na sequência, o estudo de Bruno Gontyjo do Couto, em “Cidades criativas e a agenda internacional das políticas turístico-culturais de renovação urbana“, aborda o surgimento e a disseminação de uma racionalidade político-discursiva em torno de categorias como “cidades criativas” e “distritos criativos”, que combina planejamento urbano, desenvolvimento, artes, cultura e turismo. Seu argumento é que, com base nessa nova semântica, a criatividade humana e a cultura estariam sendo percebidas cada vez menos como práticas ligadas a aspectos sublimes e transcendentais do humano e cada vez mais como recursos a serem instrumentalizados com vistas a razões econômicas e/ou sociais.
Na mesma chave de problematização, Marina Toneli Siqueira e Aleph Tonera Lucas, em “Nem tudo o que reluz é ouro: Florianópolis e o urbanismo competitivo“, discutem a inserção das cidades no mercado competitivo global e como isso tem alterado o planejamento urbano, que passa a ser inspirado em modelos empresariais afastados da realidade local. Para pensar essa questão, os autores focalizam Florianópolis, cidade onde setores do turismo, tecnologia e inovação vêm sendo utilizados para a promoção e a consolidação da imagem competitiva de cidade, deixando como resultados lacunas, contradições e desequilíbrios territoriais.
No sentido de compreender mais a fundo a população residente em regiões centrais das cidades históricas, Rogerio Proença Leite e Sandra Rafaela Magalhães Corrêa, em “Centros históricos no Brasil: um olhar a partir do censo demográfico“, analisam 45 áreas tombadas como patrimônio cultural pelo Iphan. A partir de dados do censo demográfico de diversas cidades brasileiras, os autores propõem que a formulação desse perfil socioeconômico pode subsidiar uma classificação dos centros históricos, tal qual um ranking, em que as localidades com predominância de rendas baixas possam vir a ser priorizadas nos investimentos públicos.
O artigo de Jess Reia e Luã Cruz, “Cidades inteligentes no Brasil: conexões entre poder corporativo, direitos e engajamento cívico“, problematiza a agenda das cidades inteligentes no Brasil, colocando em relevo as relações assimétricas entre atores estatais e não estatais e seus atravessamentos por conflitos de interesses entre empresas, governos e comunidades em nível transnacional, regional e local. Os autores mencionam a Nova Agenda Urbana de Quito (2016) e as abordagens corporativas de inteligência no espaço urbano, chamando a atenção para a necessidade de um olhar crítico desde o Sul Global.
Argumentando que as tecnologias digitais podem se relacionar com a mobilidade sustentável a partir de uma agenda baseada nos comuns urbanos, Anísio Brasileiro, Maurício Oliveira de Andrade e Debora Vasconcelos apresentam o artigo “Mobilidade sustentável e tecnologias digitais: uma agenda baseada nos comuns urbanos“. Os autores demonstram como a crise sanitária de 2020 colocou entre os mais atingidos os segmentos vulneráveis da população. Para superar as desigualdades e tornar as cidades sustentáveis, resilientes e inclusivas, eles apontam a necessidade de um novo modelo civilizacional, alternativo ao neoliberalismo, que incorpore o conceito dos comuns urbanos e um novo modelo de gestão participativa da mobilidade.
Com uma posição crítica ao uso generalizado das ferramentas digitais, Claudia Afonso, em “A dignidade humana impactada por ambientes criados através de ferramentas digitais“, centra sua reflexão na ideia de “dignidade humana”. A autora postula que as bases do método e das ferramentas digitais voltadas para a concepção de espaços construídos submergem individualidades e homogeneízam a estética urbana, contribuindo para a formação de uma sociedade massificada e manipulável. Com o apoio de pesquisas neurocientíficas relacionadas à capacidade humana de decidir, seu artigo problematiza a utilização de tais ferramentas no processo de criação arquitetônica, argumentando que escolhas feitas no âmbito estritamente racional tendem a tornar-se combinações aleatórias e sem relações realmente inovadoras.
Em busca de compreender formas alternativas de governança, Ricardo Caldas Cavalcanti Filho analisa, em “Os mecanismos de governança não estatal da violência em uma comunidade pobre do Recife/PE“, os mecanismos não estatais de regulação do uso da força em uma comunidade pobre de Recife. Ao constatar que lá não havia um regime armado estabelecido com enforcement capaz de impor um sistema de governança criminal, o autor procurou compreender como era operado um esquema de gestão informal da violência, protagonizado por atores que não faziam parte nem do mundo do crime, nem do Estado. Entre os resultados de seu trabalho de campo, ele observou que as intervenções desses atores não causavam um impacto significativo na redução do número de episódios violentos, mas conseguiam dissuadir o uso de força em certas situações, impedindo o aumento da criminalidade violenta.
Por fim, o dossiê apresenta pesquisas sobre infraestrutura urbana, uma pauta ampla que traz como questões associadas o direito à cidade, a inclusão social e a necessidade de contemplar, nas novas agendas, temas como mobilidade e moradia. Nesse sentido, o artigo “Deslocamento casa-trabalho: o uso dos modais e do tempo na cidade de Fortaleza“, de Irapuan Peixoto Lima Filho, Giovanna Freitas Rebouças e Sol Carolina L. Salgado, busca refletir sobre o deslocamento casa-trabalho e suas características socioespaciais, bem como sobre a relação entre modais de transporte e tempo na cidade de Fortaleza. Os autores problematizam a diferença existente entre as classes sociais no uso do transporte, demonstrando que a população mais pobre é penalizada com jornadas mais longas e demoradas no transporte público, enquanto as classes altas são beneficiadas com jornadas mais curtas e rápidas.
O tema da mobilidade e do movimento pendular também é abordado no artigo “Mover-se na metrópole: movimentos pendulares na Região Metropolitana do Rio de Janeiro“, de Ulisses Carlos Silva Ferreira, Paulo de Martino Jannuzzi e Letícia de Carvalho Giannella, a partir da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), entre as décadas de 1980 e 2010. O objetivo do artigo consiste em compreender a transformação decorrente da metropolização do espaço e das mudanças na estrutura sócio-ocupacional, tendo como base de análise os municípios da RMRJ entre 2000 e 2010.
Já os três últimos artigos do dossiê abordam diretamente as dinâmicas habitacionais. O estudo de Aline Ramos Esperidião, Beatrice Lorenz Fontolan e Alfredo Iarozinski Neto, “Proprietários estão mais satisfeitos que inquilinos? Uma análise discriminante no contexto urbano“, busca refletir sobre as diferentes percepções de proprietários e inquilinos no contexto urbano, com o intuito de formular uma melhor compreensão sobre a satisfação dos indivíduos. A partir do questionário aplicado e de análises estatísticas, os autores demonstram a importância da manutenção e da infraestrutura do contexto urbano para ambos os grupos. Itens como localização, serviços e recursos do bairro são também apresentados como discriminantes entre os grupos, com destaque para as características relevantes para cada público-alvo.
Por sua vez, o texto de Marina Sanders Paolinelli e André Tiné Gimenez, “Limites da locação social no Brasil: o caso de Belo Horizonte“, focaliza a experiência do processo de regulamentação do recém-implantado programa de Locação Social de Belo Horizonte (decreto n. 17.150/2019). O estudo parte da análise da inserção de políticas centradas na moradia por aluguel na agenda urbana internacional e nacional, diferenciando o surgimento histórico destas nos países centrais, no Welfare State, e a emergência recente nos países periféricos, em um cenário de neoliberalização. A fim de demonstrar o imbricamento entre diversas referências, perspectivas e agentes, os autores apresentam o processo de revisão da Política Municipal de Habitação de Belo Horizonte, procurando apontar limites e desafios para a inserção da locação social na agenda urbana municipal e brasileira.
Encerrando o dossiê, o artigo de Carolina Alvim de Oliveira Freitas, “Reestruturação imobiliária: um conceito da urbanização capitalista“, sistematiza a bibliografia que trata da noção de reestruturação para referir-se à produção imobiliária no capitalismo contemporâneo, vislumbrando a determinação singular dessa produção no conjunto mais amplo de características da acumulação capitalista desde a crise mundial do início da década de 1970. Seu argumento é que houve um deslocamento dos estudos sobre a reestruturação imobiliária centrada no problema do capital industrial, que passaram a enfatizar a dominância do capital financeiro nas tendências mais recentes da urbanização, inclusive no contexto latino-americano.
A Revista Cadernos Metrópole surgiu em 1999 como um dos principais produtos do Observatório das Metrópoles e tem como principal objetivo difundir os resultados da análise comparativa entre as metrópoles brasileiras. Na última avaliação Qualis Periódicos (2017-2020) da CAPES, recebeu classificação A1. A revista é produzida em parceria com a EDUC (Editora da PUC-SP). Conheça a história do nosso periódico nesse post da Scielo (clique aqui).