Está disponível o dossiê “As ambivalências e contradições das redes digitais no social”, publicado pela Revista Cadernos Metrópole. A nova edição é organizada por Lucia Santaella, professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e traz 15 artigos que tratam dos multifacetados rebatimentos das redes digitais nas ciências sociais, “sempre alimentados pela capacidade crítica para enxergar e mesmo denunciar as contradições e ambivalências de que se fazem acompanhar”, afirma a organizadora.
Ainda segundo Santaella, a complexidade das redes precisa ser considerada, superando a perspectiva puramente negativa:
De fato, as redes entraram decididamente no universo da dataficação e da inteligência artificial. Tudo que é postado nas plataformas das grandes empresas de tecnologia é manipulado por algoritmos capazes de desenhar de modo capilar o perfil de cada usuário em um processo inédito de vigilância e invasão da privacidade. (…) Contudo, é preciso lembrar que as redes são muitíssimo mais complexas do que cabe em uma visão exclusivamente distópica. Hoje, nelas também convivem muitos outros benefícios, como games e plataformas educativas, e-comércio, contextos geoespaciais, etc.; elas convivem, ainda, com o incremento da conectividade (…) de modo que os mais variados serviços podem ser utilizados em todos os lugares.
A seguir, confira os artigos que compõem o dossiê:
“A relação público/privada na juventude mediada pelas plataformas de redes sociais digitais“, de autoria de Rodrigo Otávio dos Santos, trata explicitamente do papel multifacetado desempenhado pelas redes digitais na vida social e de suas interferências na dissolvência da demarcação das antigas fronteiras entre público e privado. Essa dissolvência se dá especialmente para os jovens que, sob efeito das grandes plataformas de infotenimento (informação e entretenimento), não encontram mais possíveis marcadores entre os campos da privacidade e dos espaços públicos.
De um ponto de vista distinto, mas também voltado para a questão hoje candente das relações entre o público e o privado, o artigo de Vinicius Nakama e Heloisa Macena, “Modelos institucionais de Parcerias Público-Privadas: habitação social no Brasil e nos Estados Unidos“, desenvolve um estudo comparativo de parceria público-privada, com atenção a um estudo de caso de habitação social no Brasil, revelando os obstáculos encontrados para a sua consolidação.
Preocupado com as imbricações das redes digitais na vida social, encontra-se o artigo “O sujeito, as coisas e a rede nas Jornadas de Junho“, assinado por Gustavo Souza Santos. Os novos movimentos sociais – de que as Jornadas de Junho, como ficaram nomeadas, são exemplares no Brasil – perderiam seu poder explicativo sem que se recorresse à emergência das redes como força mediadora de laços expandidos de uma sociabilidade contingencial reivindicatória.
Dentro desse mesmo teor, por afinidade, o artigo “Ativismos e insurgências no Largo da Batata em São Paulo“, de Cintia Elisa de Castro Marino e Eliana Rosa de Queiroz Barbosa, por meio de pesquisa exploratória, analisa os efeitos que os ativismos das redes colaborativas provocam na produção urbana transformadora. Também por afinidade no que diz respeito a ações de militância, Paulo Romano Reschilian, Fabiana Félix do Amaral e Silva e Lidiane Maria Maciel, no artigo sob o título de “O simulacro participativo: revisão do Plano Diretor de São José dos Campos“, analisam a resistência da sociedade civil contra a ação discricionária do poder público municipal.
O big data e os algoritmos são objetos de estudo de dois artigos: de um lado, “La utilidad del Big Data en las estadísticas públicas y empresas privadas“, de Fernando Ariel Manzano e Daniela Avalos; e, de outro lado, “Autonomia individual em risco? Governamentalidade algorítmica e a constituição do sujeito“, de Marco Antonio Souza Alves e Otávio Morato de Andrade. Ambos os artigos enfrentam as consequências contraditórias do universo datificado. É um tipo de contradição que recai especialmente sobre as estatísticas resultantes do tratamento algorítmico dos dados, questão trabalhada no primeiro artigo, assim como, no segundo artigo, sobre as formas de governabilidade, que, vistas à luz do pensamento foucaultiano, revelam o apagamento de quaisquer chances de autonomia para dar lugar a um coletivo despido de resistência ao poder.
As perversões do universo da imagem aparecem sob dois pontos de vista. “A percepção de conservadores e progressistas sobre memes desinformativos nas eleições 2020“, assinado por Rosemary Segurado, Tathiana Senne Chicarino e Desirèe Luíse Lopes Conceição, evidencia que a desinformação não viceja apenas no mundo discursivo, mas extrapola também para os memes, um fenômeno semiótico visual amplamente utilizado no Brasil, tanto para o humor quanto para a enganação. A comparação entre os modos de ver dos conservadores e progressistas faz avançar o conhecimento sobre os efeitos sociais dos memes. Sob outro ponto de vista, mas ainda dentro da análise da imagética digital, de autoria de Juliana de Godoy, Lucas Ponte Mesquita e Letícia Martins Nunes, o artigo “Metrópoles-coaches”: o valor da imagem como valor de troca, imaginativamente transpõe o fenômeno viral do coach para caracterizar as novas feições da metrópole na qual o valor de troca se apresenta agora transformado em valor de imagem, ou seja, vale o que prima facie se vê.
São vários os artigos voltados especificamente para questões relativas aos espaços urbanos. Plena de contradições é a “Apropriação e expropriação das terras indígenas na cidade de São Paulo“, denunciada no artigo de Robson Silva Oliveira, Valéria Regina Zanetti e Maria Aparecida Chaves Ribeiro Papali. Estudos de casos sobre a infraestrutura urbana e sobre a expansão urbana são tratados em “Índice de Requalificação da Infraestrutura Urbana: o viaduto central em Brasília“, assinado por Stefano Galimi, Márcio Augusto Roma Buzar e João da Costa Pantoja, assim como em “Expansão urbana e ambiente nas gestões municipais de Vila Velha-ES entre 2009-2016“, de autoria de Marcio Valério Effgen e Augusto Cesar Salomão Mozine.
A questão da mobilidade urbana, de fundamental relevância nas grandes metrópoles, é tratada por Livia Ferreira Velho Rodrigues, Alexandre Gori Maia e Cristiane Silva de Carvalho, sob o ponto de vista do poder público voltado para a sustentabilidade, no estudo sobre “Políticas públicas e mobilidade urbana sustentável: análise comparativa entre Groningen e Campinas“.
Também relacionado às ações do poder público sobre o território urbano, encontra-se o artigo “Coleta seletiva na cidade de São Paulo: serviços públicos urbanos sob a lógica neoliberal“, de Gustavo Setsuo Hidaka e Sylmara Lopes Francelino Gonçalves-Dias, contendo análise que evidencia a sobredeterminação do neoliberalismo sobre as ações de gestão pública.
Por fim, em “Um sonho à venda: a comercialização dos imóveis do PMCMV – faixa 1“, as autoras Sara Raquel Fernandes Q. Medeiros, Carina Chaves e Mariana Fernandes Freitas comparam três municípios com escalas habitacionais distintas, mas sob a agenda do poder público mobilizado pela ideologia da casa própria.
A Revista Cadernos Metrópole surgiu em 1999 como um dos principais produtos do Observatório das Metrópoles e tem como principal objetivo difundir os resultados da análise comparativa entre as metrópoles brasileiras. A revista é produzida em parceria com a EDUC (Editora da PUC-SP). Conheça a história do nosso periódico nesse post da Scielo (clique aqui).