Por Paulo Roberto Soares e Vanessa Marx
(Pesquisadores do Núcleo Porto Alegre)
No dia 22 de janeiro, no âmbito do Fórum Social das Resistências (FSR 2020), o Núcleo Porto Alegre do Observatório das Metrópoles, em conjunto com o Coletivo AtuaPOA – Todxs Nós, o IAB-RS e o BrCidades, realizou o debate Revisão do Plano Diretor de Porto Alegre: resistir e participar. A atividade contou com a presença de 50 participantes, da comunidade, professores e estudantes da universidade, do poder executivo e do legislativo de Porto Alegre.
A atividade, em conjunto com outras convocadas por outros coletivos e movimentos sociais, fez parte do eixo “Estratégias de luta frente à nova agenda urbana” do Fórum Social das Resistências e foi concluída com uma reunião de convergência “Direito à cidade, cidade sem direitos”.
O Fórum Social das Resistências, processo de expansão do Fórum Social Mundial, ocorreu em Porto Alegre e algumas cidades da Região Metropolitana, entre os dias 21 e 25 de janeiro de 2020. O FSR 2020 soma-se as outras iniciativas que estão sendo articuladas tendo em vista o processo de mobilização e articulação do Fórum Social Mundial que será realizado em 2021 na Cidade do México.
Na convocatória do FSR 2020 podemos ler que “os Fóruns Sociais, apesar de seus limites, seguem sendo espaços abertos, plurais, de encontros horizontais e debate democrático que já produziram iniciativas comuns e podem contribuir na formulação de propostas e na articulação de ações capazes de se opor ao domínio do capital e de todas as formas de dominação”. O Núcleo Porto Alegre participou das reuniões preparatórias do evento através da geógrafa e pesquisadora Lucimar Siqueira.
Em nosso caso, propusemos uma atividade que tinha como objetivo debater o direito à cidade através de uma discussão ampliada com a comunidade sobre a Revisão do Plano Diretor de Porto Alegre, que ocorrerá em 2020, em uma conjuntura na qual a agenda ultraliberal impõe-se nos governos federal (Brasil), estadual (RS) e municipal (Porto Alegre). Esta conjuntura terá fortes impactos na produção de nossas metrópoles e cidades. Trata-se da imposição de uma lógica de mercado ao espaço urbano, a qual está contribuindo para a mercantilização das cidades, a privatização dos espaços e serviços públicos e para a reprodução de mais desigualdades.
Nesse sentido, o objetivo da mesa-redonda foi debater o atual processo de revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA) do município de Porto Alegre, o qual está sendo realizado pela atual gestão municipal sem abrir canais efetivos de participação da sociedade civil organizada, dos movimentos sociais e populares e coletivos comunitários e culturais. Trata-se de um processo que está sendo realizado por grupos “alinhados” com um projeto neoliberal de cidade, especialmente da representação empresarial e do mercado.
Diante disso, a discussão partiu da seguinte questão: no processo de revisão do PDDUA de Porto Alegre, que está sendo atropelado pela prefeitura e não está contando com a participação da sociedade civil, dos grupos e movimentos sociais organizados, como resistir e participar?
Participaram do debate Vanessa Marx (professora do programa de pós-graduação em sociologia da UFRGS, pesquisadora do Observatório das Metrópoles e representante do BrCidades), Clarice Misoczky de Oliveira (professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRGS e representante do IAB-RS) e Fernanda Pegorini (advogada, coordenadora estadual do Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas – MLB, representando o AtuaPOA).
As intervenções das debatedoras convergiram no sentido de que frente à atual conjuntura desfavorável para o campo popular e da avassaladora ofensiva dos setores neoliberais em termos de privatização, despontam três estratégias: mobilização, organização e participação.
A intervenção de Fernanda Pegorini (AtuaPOA) foi no sentido da mobilização da população frente as exclusões que estão sendo impostas em nossas cidades. Seu posicionamento parte do questionamento do atual lugar dos pobres na cidade, frente às diversas formas de exclusão, como o desemprego, a exclusão da moradia, dos direitos básicos e da própria cidadania. Na conjuntura atual, resistir significa organizar a população, realizar trabalho de base nas periferias e discutir a produção e a gestão da cidade. Problematizou sobre a necessidade de inclusão de agentes que não são visibilizados nas cidades.
A professora Vanessa Marx (Observatório das Metrópoles e BrCidades) discutiu que atualmente a produção da cidade se dá a partir do urbanismo de exceção, que está se tornando regra, por meio de aprovação dos projetos especiais. Relacionou a necessidade de ampliar os espaços de participação tanto na relação com o institucional, como na mobilização por uma nova agenda urbana. Neste ponto, relacionou alguns temas que poderão ser discutidos na revisão do Plano Diretor de Porto Alegre com os debates que estão ocorrendo no BrCidades sobre a agenda urbana para o Brasil. Destacou a necessidade de discutir as temáticas de gênero, LGBTQ+ , raça e classe nas cidades e relacionar com outras temáticas como o tema da habitação, mobilidade e segurança.
A professora Clarice Misoczky de Oliveira (IAB-RS) falou sobre o processo de discussão com as comunidades das regiões de planejamento de Porto Alegre para a elaboração dos Planos Populares de Ação para a cinco regiões de planejamento da cidade, que estão sendo sistematizados pelo IAB-RS. Explicou sobre a metodologia para a elaboração do plano e das oficinas (do presente, do passado e do futuro) realizadas durante o ano de 2019. Ressaltou a importância de que os conselheiros e a comunidade possuam um Plano para a sua região que seja propositivo para a cidade de Porto Alegre no momento de discussão de Revisão do Plano Diretor no ano de 2020.
Após os debates, com intensa participação dos assistentes, foram definidos como prioritários três eixos visando a resistência e a participação popular no processo de revisão do Plano Diretor de Porto Alegre:
- Mobilização: no sentido de envolver todos os movimentos, grupos, coletivos e territórios no processo de discussão e de revisão do plano diretor;
- Articulação: com diversos setores da sociedade civil, incorporando outros grupos que estão atentos à discussão como os movimentos ambientalistas, os movimentos em defesa do patrimônio histórico e cultural e a escola pública, uma referência em muitos territórios e comunidades;
- Conhecimento: visando a disseminação de informações e estudos realizados pelas universidades e grupos de pesquisa, ou seja, construir canais e sistemas de informação com o arcabouço levantado pelas universidades em sua produção científica e acadêmica, os quais produzem uma grande variedade de dados e informações sobre a cidade e seu espaço urbano, os quais podem qualificar a intervenção dos movimentos sociais nas discussões do Plano Diretor.
Entre as propostas concretas de mobilização foi colocada a necessidade de extrapolar a discussão para além dos grupos tradicionalmente envolvidos, visando demonstrar como o Plano Diretor influencia no cotidiano de cada cidadão; superar a dicotomia centro-periferia em termos de participação, levar a discussão para outros territórios; incorporar a juventude nos debates, arejando a militância urbana na cidade; evitar a fragmentação do campo popular em diferentes iniciativas, frentes e fóruns; disputar os espaços e canais de “participação” disponíveis e pensar em uma agenda de mobilização para 2020, ano eleitoral. Esta agenda pode incluir um “congresso popular da cidade” onde sejam debatidas e geradas propostas visando uma gestão urbana democrática, sustentável, socialmente justa e que incorpore a diversidade social e cultural da cidade.
Ao final, as diferentes considerações e propostas foram encaminhadas para a Assembleia de Convergência que ocorreu na tarde do dia 23/01, na Ocupação 20 de Novembro, e contou com a presença dos demais participantes do eixo e os movimentos sociais e populares. A reunião de convergência teve como título “Direito à cidade, cidade sem direitos”. Neste momento, falou-se em reforço das redes existentes na cidade e a relação da agenda local com o debate nacional, além da definição de uma agenda de lutas e resistências para o ano de 2020.
O Núcleo Porto Alegre do Observatório das Metrópoles cumpriu mais uma vez o seu papel de estar presente nos debates urbanos e metropolitanos ao lado da cidadania, dos movimentos sociais, construindo redes de colaboração e mobilização e contribuindo assim para a construção de metrópoles mais justas onde realmente se exerça o direito à cidade.
Notícias sobre os debates durante o Fórum social das Resistências: