Prédios em São Paulo (Crédito: Reprodução/web)
A sintonia entre a crise econômica do estado brasileiro e a crise do mercado imobiliário leva à hipótese de estar havendo uma retração do processo de acumulação urbana nas cidades brasileiras. Ambas se situam no contexto da crise econômica mundial que têm afetado os países capitalistas desenvolvidos e periféricos desde 2008. No Brasil, essa crise tem se associado a uma crise de governabilidade política, que vem tendo impactos nos arranjos de governança pautados nas parcerias público-privadas e em modelos de empreendedorismo que deram sustentação aos grandes projetos urbanos veiculados pelas políticas de planejamento estratégico em estados e municípios metropolitanos nos anos recentes. Neste artigo da Revista Cadernos Metrópole, Suely Ribeiro Leal avalia a capacidade de sustentação da dinâmica da acumulação urbana diante da retração da produção imobiliária.
O artigo “A retração da acumulação urbana nas cidades brasileiras: a crise do Estado diante da crise do mercado” integra o Dossiê “Financeirização, mercantilização e urbanismo neoliberal” da Revista Cadernos Metrópole nº 39. Esse dossiê especial traz várias reflexões com o objetivo de contribuir com as bases teóricas e empíricas necessárias à compreensão de como, no Brasil e na América Latina, estão se constituindo as conexões entre financeirização e a difusão do urbanismo liberal. Dentre os temas analisados nessa edição estão as novas modalidades de circulação do capital no meio ambiente construído; as novas ondas de privatização dos serviços urbanos; a relação entre a financeirização e as finanças públicas municipais; e a proliferação das operações urbanas baseadas nas parcerias público-privadas como padrão de planejamento da cidade.
De acordo com Luiz César de Queiroz Ribeiro e Orlando Alves dos Santos Jr., organizadores da edição nº 39 da Cadernos Metrópole, o traço distintivo central que emerge do professo de financeirização na América Latina é, de um lado, processos de destruição criativa espacial e institucional que anteriormente embebiam a cidade em mecanismos de proteção anexos ao mercado; e, de outro lado, a constituição de novos marcos regulatórios e formas de governança urbana que buscam colocar no centro da política urbana a “disciplina de mercado”.
A Rede INCT Observatório das Metrópoles vem mostrando, nos últimos anos, o processo de financeirização urbana caracterizada por um ciclo global de financeirização dos padrões de acumulação do capital e a sua tradução em pressões mercantilizadoras das cidades orientadas pela busca de rentabilidade, liquidez e segurança dos investimentos. Esse processo vem ocorrendo em vários circuitos da produção do espaço urbano construído, sendo o mais visível o mercado imobiliário, mas vem penetrando também nos espaços relativos à realização de obras públicas e concessão de serviços coletivos.
O dossiê “Financeirização, mercantilização e urbanismo neoliberal” é mais uma contribuição da Cadernos Metrópole e da Rede INCT Observatório das Metrópoles para esse debate. Agradecemos aos autores de várias partes do país que contribuíram com reflexões valiosas sobre esse processo.
Acesse no link a edição completa da Revista Cadernos Metrópoles nº 39.
Abstract
The simultaneity between the economic crisis of the Brazilian state and the crisis of the real estate market raises the hypothesis that there has been a downturn in the urban accumulation process in Brazilian cities. Both crises are situated in the broader context of the global economic crisis that has been affecting developed and peripheral capitalist countries since 2008. In Brazil, it has been associated with a political governability crisis that has had implications for governance arrangements based on public-private partnerships, and also for entrepreneurship models that have supported large urban projects conducted by strategic planning policies in states and metropolitan municipalities in recent years. This article evaluates the sustainability capacity of the urban accumulation dynamics in view of the downturn in real estate production.
INTRODUÇÃO
Por Suely Ribeiro Leal
As reflexões que norteiam este artigo se situam no âmago das mudanças que vêm ocorrendo no espaço das cidades no contexto da dinâmica do Estado, da economia e da sociedade brasileira contemporânea, no qual são identificados novos atores globais que exercem o papel de agenciadores e interlocutores dos interesses do capital na esfera da produção do espaço urbano. A importância dos estudos sobre as tendências da ação do mercado imobiliário se deve ao papel, cada vez mais vigoroso, que esses atores vêm desempenhando como principais indutores da reconfiguração e produção do espaço e do processo de acumulação urbana das cidades brasileiras.
Os impactos causados pela globalização e mundialização do capital sobre as cidades não são novos, particularmente em países em desenvolvimento, onde a segregação socioespacial sempre foi um marco da urbanização. A acumulação do capital, conforme especifica Harvey (2004, p. 88), é um evento histórico e geográfico que tem como função construir, destruir e reconstruir a cidade à sua semelhança. Nesses termos, a transformação da cidade passa a ser um fator implícito à reprodução do capital em épocas do ciclo de sobre-acumulação, representando uma destruição criativa na paisagem da acumulação do capital (Chesnais, 1996; Sassen, 1998; Harvey, 2004, 2005 e 2009).
O foco de nossa indagação reporta-se ao comportamento dos atores que comandam a dinâmica do mercado imobiliário no sentido de provimento da oferta de megaprojetos urbanos e das demandas por eles geradas, levando em conta que há um emaranhado de redes de agentes econômicos globais que se imiscuem nos circuitos financeiros dos mercados locais monopolizados, no provimento desses tipos de empreendimentos. Nesse contexto, intervenções físicas de grande impacto, sustentadas por vultosos investimentos públicos e privados e associadas à construção de uma imagem atrativa da cidade para o mercado global, caracterizam um modelo de desenvolvimento apoiado no que Harvey denomina empreendedorismo urbano.
Os interesses econômicos, voltados para a disputa pelos investimentos dos mercados imobiliário e financeiro articulados entre si na nova ordem mundial, têm o Estado como forte mediador que atua oferecendo as condições requeridas à sustentação da acumulação urbana capitalista e, em paralelo, instaurando canais de participação voltados para o atendimento pontual de demandas de caráter emergencial dos segmentos populares. Se, conforme Harvey, é na governança urbana, isto é, na coalizão de forças mobilizadas por diversos agentes sociais, que se origina o poder de organizar o espaço, cabe questionar: que tipo de governança tem conduzido prioritariamente a política urbana nas metrópoles brasileiras? Trata-se de uma postura estratégica adotada pelo Estado para legitimar-se como poder ordenador da sociedade?
PARADIGMAS DO NEOLIBERALISMO: MENOS ESTADO, MAIS MERCADO
O avanço nas duas últimas décadas dos paradigmas que orientam o neoliberalismo – menos Estado (menos regulação, menos planejamento) e mais Mercado – veio a fortalecer a ação empresarial e empreendedora nas cidades brasileiras pela via dos governos locais e estaduais. As novas formas de governança urbana no exercício do poder e o fortalecimento da relação entre o público e o privado daí derivado intensificaram a dinâmica da acumulação urbana.
Um marco desse tipo de governança foi a associação entre atores privados e administrações públicas na implantação ou gestão de grandes projetos urbanos. É fato, também, que esse modelo de gestão exige que o mercado e seus atores se aliem em formatos de governança corporativa, de modo a tornar seus negócios mais seguros e expostos a menores riscos, além de propiciar a harmonização dos interesses corporativos, fator decisivo para a ampliação da confiança dos investidores.
Para o bom funcionamento desses formatos de governança, é de fundamental importância a presença do Estado, como elo de equilíbrio na regulação dos recursos e no provimento das infraestruturas que estimulem a presença dos grandes grupos na produção do solo urbano. Distintamente dos meios tradicionais de regulação de políticas públicas, o papel do Estado no estabelecimento de parcerias voltadas para viabilizar os grandes projetos surgidos nos anos recentes, pauta-se por promover intervenções que envolvem mudanças significativas no espaço urbano.
Para leitura do artigo completa, acesse a edição nº 39 da Revista Cadernos Metrópole.