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Neste artigo José Luiz Fiori mostra que para discutir novas estratégias de aceleração econômica não bastam comparações macroeconômicas simplórias e fora do contexto estrutural e geopolítico de cada país. Sétima maior economia do mundo, o Brasil não pode ser comparado economicamente a Uruguai, Bolívia e Equador, mas sim às grandes potências mundiais.

O artigo “A retórica da comparação”, do cientista político José Luiz Fiori, foi publicado no dia 31 de julho de 2014 no site da Carta Maior. O texto foi cedido ao Observatório das Metrópoles para ampliar o debate sobre a análise geopolítica internacional – além de ser um bom exemplo na problematização dos estudos comparativos.

Fiori é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e autor do livro “O Poder Global” (Editora Boitempo). Ele pesquisa e ensina há mais de 20 anos no campo das Relações Internacionais, e em particular, na área de Economia Política Internacional, com ênfase no estudo das relações entre a geopolítica e a economia política do “sistema inter-estatal capitalista”.

Até 2008, publicou 9 livros e organizou 5 coletâneas. Ganhou o Prêmio Jabuti de Economia, Administração, Negócios e Direito, na Bienal do Livro de São Paulo, em 1998, com o livro “Poder e Dinheiro. Uma economia Política da Globalização”, organizado com a professora M.C.Tavares; e recebeu Menção Honrosa, na Bienal do Livro de 2002, com o livro “Polarização Mundial e Crescimento”, organizado com o professor C. Medeiros. Desde 1990, publicou cerca de 230 artigos em jornais como Valor Econômico, Correio Braziliense, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, Jornal do Comercio, e em revistas como Carta Capital, Exame, Praga, Margem Esquerda, Carta Maior, SinPermisso e La Onda.

 

A retórica da comparação | José Luiz Fiori

Na década entre 2003 e 2012,  a taxa média de crescimento anual do PIB, do Uruguai, Bolívia e Equador, foi superior à taxa média de crescimento do Brasil. E o mesmo aconteceu com a taxa de crescimento das exportações destes três países, que também cresceu mais que o Brasil. Mais do que isto, o Uruguai obteve a segunda maior taxa de crescimento da América do Sul,  superior as taxas do Chile e da Colômbia. E todos estes países seguirão crescendo mais do que o Brasil, no ano de 2104. Diferente do Chile e da Colômbia e o Peru, o Uruguai pertence ao Mercosul, a Bolívia está ingressando, e o Equador está a caminho. Mas o que realmente pesa e interessa é que todos estes países são pequenas economias exportadoras de commodities com baixíssimo grau de industrialização e limitados mercados internos de consumo.

O uso da comparação como método de conhecimento e aprendizado social e político, começou na Grécia, e se generalizou depois de Maquiavel. Mas foi só na segunda metade do século XX, que os avanços quantitativos da Contabilidade Nacional permitiram fazer comparações macroeconômicas abstratas entre países. O problema é que estas comparações só tem sentido e permitem algum aprendizado, quando elas tomam em conta as bases materiais concretas sobre as quais se sustentam e constroem estas abstrações macroeconômicas. Por isto, tem pouca utilidade comparar o Brasil com estes pequenos países, e seria uma insensatez ainda maior propor que o Brasil seguisse o modelo de crescimento destas verdadeiras “ilhas mono-exportadoras”. A economia do Uruguai é do tamanho da de Santa Catarina, e as do Chile e Peru são mais ou menos do tamanho da economia do Rio de Janeiro. Comparar o Brasil com estes países seria como comparar um elefante com um coelho, e copiar seu modelo de crescimento seria como tentar dirigir um caminhão usando um manual de instruções de um patinete.

Segundo cálculos recentes do Banco Mundial, o Brasil passou a ser a sétima maior economia do mundo, na década entre 2004 e 2013. Além disto, segundo os dados do BIRD, o Brasil foi o país o que teve a 5º maior taxa média de crescimento anual do PIB, e da Renda per Capita, entre as dez maiores economias do mundo, neste mesmo período. Por último, e apesar de tudo, o Brasil obteve a 4º maior taxa de crescimento, entre as grandes potencias econômicas do mundo, em 2013, e está mantendo a 7º maior taxa, no ano de 2014.

A partir de agora – goste-se ou não se goste – , este é o novo “grupo de referência” do Brasil, e ao mesmo tempo, é o grupo dos países que disputam com o Brasil os mercados mundiais. Neste grupo das grandes potencias econômicas do mundo, cinco das seis economias que aparecem na frente do Brasil (se incluirmos aí, a Alemanha e o Japão, o que parece bastante adequado) seguem estratégias econômicas fortemente nacionalistas, e devem ser considerados casos típicos de “capitalismos de estado”. Além disto, todos são ou disputam hoje a condição de potencias geopolíticas regionais ou globais. Mesmo assim, seria uma ingenuidade querer copiar pura e simplesmente as políticas destes países. Até porque, entre os chamados “emergentes”, o Brasil já viveu seu ciclo de alto crescimento econômico, entre 1937 e 1980, aproveitando-se da oportunidade estratégica criada pela II Guerra Mundial e pela Guerra Fria. Ao contrário dos demais “emergentes” que começaram seu ciclo no final do século XX, o que faz uma enorme diferença.

Neste momento, para discutir novas estratégias de aceleração econômica não bastam comparações macroeconômicas simplórias e fora do contexto estrutural e geopolítico de cada país. Nestas primeiras décadas do século XXI, o mundo está atravessando uma imensa transformação geopolítica e econômica global, com a intensificação da competição e das disputas entre as suas grandes potencias militares. Nestas horas, se ampliam os espaços e as oportunidades estratégicas dos demais estados e economias que disponham de tamanho, população, recursos e densidade econômica suficiente, como é o caso do Brasil. E mesmo assim, o aproveitamento destas oportunidades estratégicas dependerá da existência de coalizões de poder, burocracias e lideranças, com capacidade de antecipar as brechas e desenhar as políticas econômicas adequadas para cada momento. E com capacidade de sustentar – por um período prolongado de tempo – o objetivo central de conquista agressiva de posições dentro da hierarquia internacional de poder e de riqueza. Nestes momentos não cabe olhar para trás ou para baixo, há que olhar para frente e pensar grande para não ser atropelado pela história.