Diene Ghizzo¹
Nos dias atuais, muito se fala sobre reforma urbana e direito à cidade. Inclusive, este é um dos projetos desenvolvidos pelo Observatório das Metrópoles em 2022. A coletânea “Reforma Urbana e Direito à Cidade”, composta por 17 livros, será lançada até o final do ano, e trata de um amplo e diversificado conjunto de temas relacionados com a retomada do histórico projeto de reforma urbana e direito à cidade, referindo-se às metrópoles nas quais o Observatório está organizado como Núcleos Regionais. O primeiro livro, já lançado, tem como objetivo propor um olhar nacional sobre os desafios, impasses e caminhos para o avanço do projeto nas metrópoles brasileiras. Mas, apesar de muito se falar sobre reforma urbana a partir da década de 1980, esse movimento já existia desde a década de 1960 e era chamado “reformas de base”.
O Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), organiza verbetes em que organiza alguns conceitos, e tem em seu acervo um documento sistematizando o que eram as reformas de base da década de 1960. De acordo com o verbete escrito por Heloísa Menandro, “reformas de base são propostas de mudanças consideradas necessárias à renovação das instituições socioeconômicas e político-jurídicas brasileiras que tinham como objetivo remover os obstáculos à marcha do processo de desenvolvimento do país. Essas propostas foram a base do programa de governo do presidente João Goulart (1961-1964), assumindo o caráter de bandeira política durante a fase presidencialista daquela gestão. As reformas consideradas prioritárias eram a agrária, a administrativa, a constitucional, a eleitoral, a bancária, a tributária (ou fiscal) e a universitária (ou educacional)”.
Hoje, existe um projeto de reforma urbana e direito à cidade que está em discussão na sociedade brasileira. No entanto, enquanto projeto mais operacional, as discussões datam desde a década de 1980, correspondendo ao momento da redemocratização do país e a retomada da discussão sobre os novos caminhos do desenvolvimento brasileiro.
“Este projeto teve um momento de institucionalização quando da Constituição de 1988, onde se conseguiu, através de iniciativa popular, inserir na Constituição alguns dispositivos que têm a ver com os objetivos e instrumentos para garantir a reforma urbana e o direito à cidade”, pontua o coordenador nacional do Observatório das Metrópoles, Luiz Cesar Ribeiro.
Entretanto, esse é um debate mais antigo na sociedade e tem como referência os anos 1960, onde se discutia uma reforma da sociedade como um pressuposto para um desenvolvimento nacional que fosse redistributivo e inclusivo – quando o padrão de desenvolvimento dos anos 1950 começava a se esgotar. Então, isso foi traduzido nos anos 1960 pela ideia da chamada “reformas de base”, em que se discutiram vários temas que eram necessários para realizar reformas, de modo que se conseguisse entrar em um processo de desenvolvimento nacional que garantisse o crescimento, mas, também, a inclusão daqueles que sempre estiveram de fora dos benefícios do crescimento. “Esse tema da reforma distributiva orientou o debate naquele momento, das reformas de base”, esclarece Ribeiro.
Porém, entre as décadas de 1960 e 1980, o debate ficou silenciado em função do período da ditadura que se implantou na sociedade brasileira no ano de 1964. “Exatamente como uma reação conservadora das elites ao debate das reformas de base. Só com o processo do início da redemocratização é que esse debate retornou ao imaginário coletivo e a discussão sobre o Brasil e sobre o futuro”, aponta o coordenador do Observatório. Segundo ele, percebe-se que há uma relação de continuidade entre o tema da reforma urbana e direito à cidade e o momento dos anos 1960 em que se discutiram, também, temas que deveriam ser reformados, ou seja, questões que deveriam ser enfrentadas e que foram traduzidas na ideia das reformas de base.
Reformas de base: termo foi utilizado pela primeira vez em 1958
O documento do CPDOC ressalta, ainda, que a expressão “reformas de base” foi empregada pela primeira vez em março de 1958, no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), quando o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) apresentou um documento que discutia as reformas — incluindo a agrária, a urbana e a constitucional — e destacava também a disciplina do capital estrangeiro no país, o que implicava uma nova Lei de Remessa de Lucros. Este documento serviu de base para a pregação de João Goulart, vice-presidente da República e presidente nacional do PTB, em sua campanha para a reeleição à vice-presidência em 1960.
Sobre a Lei de Remessa de Lucros, o texto do CPDOC argumenta que foi um tema que provocou muita discussão no Congresso, na imprensa e na sociedade em geral à época. Embora tivesse sido aprovada em setembro de 1962 pelo Parlamento, ainda não havia sido regulamentada. Goulart determinou, então, a reativação dos debates sobre a lei, regulamentada, afinal, pelo presidente em janeiro de 1964 através do Decreto nº 53.451. Por esse decreto, foram aprovados os artigos mais polêmicos, como o 31, que limitava em 10% sobre o capital registrado as remessas de lucro para o exterior, e o 32, que considerava as remessas em excesso a esse limite como retorno de capital. O documento do CPDOC discorre, ainda, sobre os detalhes acerca das reformas agrária, administrativa, educacional/universitária, política/eleitoral, fiscal/tributária e constitucional.
Leia o verbete na íntegra em: www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/reformas-de-base