O Observatório das Metrópoles promove o lançamento do e-book “Transição regulatória no transporte por ônibus na cidade do Rio de Janeiro”, de Igor P. Matela. A obra toma como ponto de partida o ano de 2010 – quando a Prefeitura do Rio realizou, pela primeira vez, via licitação, a concessão privada de todo o sistema de transporte de ônibus da cidade – para mostrar que essa ação faz parte do processo de neoliberalização das cidades brasileiras, não representando uma ruptura, mas sim uma transição regulatória para um novo ciclo de acumulação do setor.
No ano de 2010, a prefeitura do Rio de Janeiro realizou, pela primeira vez, via licitação, a concessão privada de todo o sistema de transporte por ônibus na cidade. A contratualização das relações entre as empresas de ônibus e a prefeitura na prestação do serviço foi apresentada como um passo decisivo para a modernização e racionalização do sistema de transportes municipal.
O livro “Transição regulatória no transporte por ônibus na cidade do Rio de Janeiro”, de Igor Pouchain Matela, parte de uma análise histórica sobre a consolidação do sistema de transporte na cidade do Rio de Janeiro para mostrar quais as mudanças e permanências desse sistema a partir de 2010. A pergunta principal da investigação é se a concessão abrangente do sistema de transporte por ônibus sinalizou uma importante mudança na política de transportes na capital fluminense? Ou se a concessão faz parte de um processo mais amplo de neoliberação dos espaços urbanos do Brasil que estaria desestruturando/reestruturando as coerências regionais anteriores e que a reorganização do transporte por ônibus no Rio de Janeiro aponta para esta direção.
O sistema de transporte do Rio de Janeiro
No livro, Igor P. Matela mostra que o transporte público de passageiros na Região Metropolitana do Rio de Janeiro é realizado basicamente a partir de 5 modais: ônibus, metrô, trens, barcas e vans (legalizadas ou clandestinas). Apesar desta aparente diversidade de modos e opções de deslocamento, destaca-se a primazia do transporte rodoviário por ônibus com uma participação de cerca 77% no total dos deslocamentos feitos por transportes coletivos na metrópole. Enquanto que ao governo estadual cabe regular os transportes intermunicipais (inclusive dentro da RMRJ), as municipalidades são responsáveis pela regulação do transporte público nos limites de seus territórios.
Desta forma, o governo estadual regula os trens, metrô, barcas, vans e ônibus intermunicipais e cada prefeitura regula as vans e ônibus intramunicipais. Ressalte-se que enquanto os ônibus se originam e se desenvolvem até os dias atuais basicamente por meio de capitais privados; Metrô, trens e barcas eram operados por empresas estatais até passarem pelo processo de privatização nos anos 1990.
Os ônibus municipais têm uma participação de 60,5% dos deslocamentos totais na RMRJ. Este montante está distribuído entre seus 20 municípios integrantes, mas com um peso desproporcional em favor do município do Rio de Janeiro, núcleo da Região Metropolitana. O estudo aponta que 63,1% das viagens de transporte coletivo são originadas no município do Rio de Janeiro e, destas, 92% têm um destino interno, ou seja, são viagens realizadas nos limites da cidade do Rio de Janeiro.
“Se nos voltamos para verificar os deslocamentos internos ao município do Rio de Janeiro, concluímos que aí também o transporte por ônibus apresenta sua primazia em relação aos outros modos de transporte coletivo. Isto nos permite afirmar que o sistema de ônibus da cidade do Rio de Janeiro é o mais significativo em termos quantitativos na estrutura de transportes da metrópole”, argumenta Matela.
De acordo com o pesquisador, uma das principais mudanças com a licitação seria na relação do poder concedente (prefeitura municipal) com as empresas de ônibus, que deixariam de ser permissionárias para se tornarem concessionárias. “Até então, com o modelo de permissões, cada empresa projetava as linhas de acordo com seus interesses particulares de mercado e apresentava a proposta à Secretaria de Transportes, que decidia pela autorização de operação. No modelo de concessão, o poder público ‘teoricamente’ teria mais instrumentos de regulação, havendo um contrato formal e um planejamento abrangente do sistema de transporte”, explica e completa:
“Na concessão de 2010, os consórcios vencedores da licitação também viriam operar os futuros corredores expressos de ônibus (Bus Rapid Transit – BRT) entre Barra da Tijuca e o Aeroporto Internacional do Galeão (TransCa¬rioca); entre Barra da Tijuca e Santa Cruz (TransOeste); entre Recreio dos Bandeirantes e Deodoro (TransOlímpica) e entre Deodoro e o Aeroporto Santos Dumont (TransBrasil)”.
A Concessão do Sistema de Transporte Público por Ônibus: permanências e mudanças
No Capítulo 5: “A Concessão do Sistema de Transporte Público por Ônibus: permanências e mudanças”, Igor Matela aprofunda a análise sobre a reorganização do setor a partir da licitação abrangente do sistema em 2010 e pesquisa como se deu o processo de concessão. Para isso, apresenta os objetivos anunciados pela Prefeitura constantes do edital de licitação e dos contratos de concessão.
Então, a partir dos resultados, analisa as permanências e mudanças no desenrolar concreto do processo. Em que medida a mudança para uma relação contratual representa uma transformação efetiva com a lógica de privilégios? Como o setor de transporte por ônibus passa a funcionar após a licitação, seu posicionamento numa coalizão de interesses em redefinição e como os grupos empresariais se articulam dentro do modelo de consórcios. Há uma concentração do capital, do poder econômico e político? Que tendências e perspectivas podem ser identificadas?
Dentre as CONTINUIDADES, o pesquisador destaca: a) espaços de acumulação reservados – as mesmas empresas que já atuavam no transporte por ônibus na cidade saíram como vencedoras da licitação, que definiu um longo prazo de concessão (20 anos prorrogáveis por mais 20); b) acumulação por espoliação – as formas de espoliação são readaptadas, mas continuam baseadas na garantia estatal, via mecanismos “pervertidos”, de uma rentabilidade superior a que o setor poderia auferir exclusivamente da atividade econômica; c) controle das informações – as empresas de ônibus reforçam o controle sobre as informações do sistema de transporte, restringindo o acesso e a fiscalização da sociedade civil e do poder público em suas diferentes esferas; d) estrutura empresarial – a concentração do capital em poucos grupos empresariais dominantes é outro aspecto que permanece no novo modelo de operação por consórcios.
Já entre as principais TENDÊNCIAS DE MUDANÇA estão: a) o fortalecimento dos grupos dominantes – no sentido de uma maior centralização do poder de decisões e de controle da política e do sistema de transportes municipal, especificamente por meio da Fetranspor; b) a modernização do negócio – o BRT aparece como um novo modo de transporte, mais racionalizado, que permite uma modernização operacional e organizacional para o negócio do transporte por ônibus; c) a expansão para outros meios de transporte – a criação de holdings direcionadas aos negócios relacionados ao transporte (administração de terminais, publicidade, bilhetagem eletrônica) e participações acionárias em outras concessões (Barcas, VLT), indicam uma estratégia de expansão do capital destes grupos, que passam a atuar em uma série de negócios vinculados ao transporte coletivo de passageiros.