Neste artigo da Revista e-metropolis nº 30, Felipe de Azevedo propõe uma reflexão sobre o cotidiano dos moradores do Projeto de Moradia Social Quilombo da Gamboa, um modelo autogestionário de produção de moradia, que visa à construção de casas populares mediante a legitimidade constitucional da moradia como direito. A análise busca investigar a materialização do projeto como uma alternativa real de autogestão habitacional no Rio de Janeiro, contrapondo uma lógica de cidade em que as relações de troca se sobrepõem aos valores de uso.
Felipe de Azevedo é professor e pesquisador. Possui graduação em Geografia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
O artigo “O Projeto Quilombo da Gamboa: ação colaborativa e resistência popular pelo Direito ao Centro do Rio de Janeiro” é um dos destaques da edição comemorativa nº 30 da Revista eletrônica e-metropolis.
ABSTRACT
This work propose one reflexion about everyday life of the residents in the social housing project Quilombo da Gamboa, a self-managed model of housing production, wich aims at the constrution of popular houses through constitutional legitimacy of housing as a right. The idea of the project is that the residents are responsible for all stages of the production of housing. We try to investigate the materialization of the Quilombo da Gamboa as a real alternative of self-managed housing in Rio de Janeiro, going in the opposite direction of a city logic in which exchange ratios override the values of use, neglecting basic rights of survival in metropolitan spaces, beyond the possibilite of analysing the specificities of the contribution of these people to the construction of a more horizontal and democratic downtown space.
INTRODUÇÃO
POR FELIPE DE AZEVEDO
Esta pesquisa surge a partir do nosso interesse pelo cotidiano da luta pela moradia. Não podemos começar este artigo sem esclarecer o que nos trouxe até aqui. Nosso trabalho é um desdobramento de uma pesquisa que se iniciou em 2013 sobre as resistências ao Porto Maravilha e reconheceu a presença de alguns sujeitos que foram diretamente afetados pela implementação do projeto de “refuncionalização” da Zona Portuária do Rio de Janeiro (MARTINS et al., 2015). Essas pessoas se organizavam em um movimento popular chamado “Quilombo das Guerreiras”, que não só revelava um grande problema habitacional na metrópole do Rio de Janeiro, mas também expunha a necessidade de morar na área central da cidade e clamava pelo fim das remoções, cada vez mais rotineiras desde que a cidade foi escolhida como sede de grandes eventos esportivos (RAMOS, 2012).
Infelizmente, a Ocupação Quilombo das Guerreiras sofreu uma severa remoção em 2013, o que provocou uma grande dispersão entre os moradores, quando alguns se realocaram em zonas periféricas do estado do Rio de Janeiro como a Zona Norte e a Baixada Fluminense, e outros se assentaram no Projeto de Moradia Social Quilombo da Gamboa, principal objeto deste texto.
O Quilombo da Gamboa é uma experiência autogestionária de produção de moradia,2 vinculado ao Minha Casa, Minha Vida – Entidades, um programa governamental que privilegia associações, cooperativas e ONG’s articuladas à problemática da habitação, ao visarem à construção de casas populares mediante a legitimidade constitucional da moradia como direito. A ideia do projeto é que os moradores sejam responsáveis por todas as etapas da produção das habitações. Sobre a autogestão habitacional:
É a própria comunidade gerindo o processo da produção da solução de sua habitação. Falamos do controle em todas as etapas, desde a definição do terreno, do projeto, da equipe técnica que os acompanhará, da forma de construção, compra de materiais, contratação de mão de obra, organização do mutirão, prestação de contas e organização da vida comunitária (MINEIRO e RODRIGUES, 2012, p. 21).
Os moradores do Quilombo da Gamboa foram contemplados com o benefício do Minha Casa, Minha Vida – Entidades e por isso conseguiram a documentação necessária para a construção de 116 moradias no bairro da Gamboa, próximo à Cidade do Samba, área central do Rio de Janeiro, o que para nós se configura como uma grande vitória para a luta pelo direito ao Centro da metrópole e pela habitação.
A conquista do direito à construção das moradias origina uma demanda ainda maior de organização popular e de responsabilidade com a agenda de lutas do grupo, já que a Caixa Econômica, agente financeiro do projeto, solicita aos futuros moradores algumas comprovações de que os sujeitos estão se organizando coletivamente, como uma lista de presença das reuniões mensais e fotografias, uma clara demonstração de que o Governo Federal ainda não acredita fielmente nos projetos de autogestão, como destaca a própria UMP – RJ, organização filiada à União Nacional Por Moradia Popular – UNMP, grupo parceiro do PMS Quilombo da Gamboa: “Ainda nos deparamos com o despreparo e preconceito com as formas autogestionárias de produção habitacional, como se não fosse o povo o maior construtor de nossas cidades” (UNMP apud RODRIGUES, 2012, p. 20).
Há uma grande importância em destacar a horizontalidade do grupo como elemento necessário para a produção das moradias. Existe, por exemplo, um princípio entre os indivíduos que demanda uma contribuição mensal de cinco reais para o fundo de finanças que ajuda a controlar os poucos recursos existentes no projeto. Muito embora, às vezes, algumas pessoas em situações financeiras precárias não possam cooperar com o dinheiro, como vimos em uma de nossas visitas ao Quilombo: quando uma senhora que estava desempregada não poderia efetuar a colaboração naquele mês, foi realizada, então, uma reunião entre todos os participantes, que decidiram, em votação, que ela não precisaria contribuir durante aquele período.
Acesse o artigo completo no site da Revista e-metropolis.