Quase-mercado oculto: disputa por escolas “comuns” no Rio de Janeiro
Neste artigo, os professores da Faculdade de Educação/UFRJ e pesquisadores do Observatório das Metrópoles, Márcio da Costa e Mariane Koslinsk, analisam um fenômeno menos visível no sistema educacional público brasileiro: a disputa pelo acesso às melhores escolas da rede municipal ou estadual. Tomando por base o caso do Rio de Janeiro, a pesquisa mostra que no sistema de educação financiado pelo Estado prevalece, muitas vezes, a lógica de “quase-mercado oculto”, ou seja, na ausência de mecanismos formais para seleção dos alunos, algumas escolas atuam com procedimentos velados – critérios baseados em origem social e redes de contatos, operando assim ativamente no mercado.
A pesquisa faz parte do projeto “Segregação Residencial, Segmentação Territorial e Desigualdade Educativas”, financiado com recursos do programa Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT). Neste artigo, os pesquisadores procuraram conhecer, de forma exploratória, características de escolas públicas “comuns”, municipais, na cidade do Rio de Janeiro, consideradas muito boas tanto pela administração educacional quanto pela população. Trata-se de um estudo em seis escolas municipais, ordenadas em três pares em distintas regiões da cidade. Cada par contempla uma escola considerada muito boa e outra com imagem oposta. Durante a pesquisa de campo, o tema da seletividade das escolas se impôs. Passou-se então a se dedicar maior atenção ao que aqui se denominou quase-mercado oculto.
Segundo Koslinsk, é oculto porque não há mecanismos formais, explícitos, de seleção de alunos em cada estabelecimento. São procedimentos velados que permitem a algumas escolas operar ativamente no mercado, que, do ponto de vista legal e formal, não é e nem pode ser fechado. “A rede estudada, assim como outras redes públicas que conhecemos no país, não dispõe de procedimentos que permitam filtrar claramente seus alunos (testes de acesso ou mecanismos legais de exclusão e seleção). No entanto, há forte seletividade por parte de algumas escolas mais conceituadas, o que ocorre de forma velada. A existência de uma reduzida independência da gestão escolar – mesmo que esta não tenha sido estimulada por uma política deliberada – tem levado a artifícios como o de “esconder vagas”, ou à rejeição de alunos”.
O resultado é um sistema altamente hierarquizado com base em critérios um tanto fluidos, nitidamente associado a mecanismos de seleção por origem social e por redes de contatos. Entre esses contatos parecem desempenhar algum papel as relações estabelecidas na política paroquial e nos jogos partidários imbricados na gestão das redes públicas. Longe de ser algo simplesmente atomizado, restrito ao âmbito dos estabelecimentos escolares, há injunções de outras esferas que podem se beneficiar do poder discricionário de distribuição de vagas de alto valor social.
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