No final de setembro, o prefeito de São Paulo João Doria convocou uma coletiva de imprensa para anunciar o projeto “Centro Novo”, um plano de intervenção para a região central de São Paulo elaborado pelo arquiteto Jaime Lerner. Porém, o anúncio, ao que parece, não passa de mera ação midiática do prefeito. É o que mostra a urbanista Raquel Rolnik. Segundo sua análise, o projeto Centro Novo não passa de um conjunto de imagens ilustrativas, já que para um projeto de grande intervenção, além de um modelo urbanístico detalhado, são necessários modelos econômicos, financeiros e jurídicos. E nada disso foi feito pelo Prefeitura de São Paulo.
O artigo “Projeto Centro Novo: mais do mesmo ou blefe midiático da Prefeitura de SP?” foi publicado originalmente no blog da Raquel Rolnik. A Rede Observatório das Metrópoles divulga a análise para ampliar o debate sobre a gestão pública urbana da maior cidade do país.
PROJETO CENTRO NOVO: MAIS DO MESMO OU BLEFE MIDIÁTICO DA PREFEITURA DE SP?
Por Raquel Rolnik (02 de outubro de 2017)
Na última terça-feira (26), o prefeito João Doria convocou uma coletiva de imprensa para anunciar o projeto “Centro Novo”, um plano de intervenção para a região central de São Paulo elaborado pelo arquiteto Jaime Lerner contratado pelo SECOVI, sindicato do mercado imobiliário, e doado ao prefeito.
Em nota publicada no site da Secretaria Municipal de Comunicação, portanto sem riscos de qualquer distorção, Doria afirma que Prefeitura irá executar o projeto com a participação da iniciativa privada. No mesmo texto, a secretária municipal de urbanismo e licenciamento, Heloísa Proença, afirma que a proposta de Lerner dará “ao trabalho em desenvolvimento pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento a grandiosidade e a qualidade compatíveis com a importância histórica, simbólica e afetiva que a região tem para todos nós”.
No dia seguinte, no entanto, Proença e outros representantes da prefeitura estiveram no Ministério Público Estadual (MPE) em reunião solicitada pelo jurídico da Prefeitura ao MPE e afirmaram, de acordo com a ata desta reunião anexada ao inquérito, que o projeto apresentado era apenas uma ideia, que sequer foi analisado ou passou por qualquer desenvolvimento e que, portanto, não era algo que seria realmente executado.
A visita se inseriu no contexto de duas ações públicas em andamento no MP relativas à região da Luz em função do anúncio anterior de várias propostas de intervenção, o que exigiria a constituição de Conselhos Gestores nas Zonas Especiais de Interesse Social demarcadas nas áreas objeto de planos e projetos urbanísticos, como determina a legislação.
Para o MP, a prefeitura insiste que não existem projetos para a Luz, apenas a PPP Habitacional, que, além das quadras onde esta já está em construção, abrange mais dois quarteirões. Para a grande imprensa, o prefeito afirma que o projeto Centro Novo, que teria ações localizadas também na Luz, estará totalmente implementado em 8 anos.
A prefeitura mente. Anuncia obras que não serão feitas, mas que ajudam a construir a ideia de um prefeito realizador, suficiente para alavancar sua candidatura em 2018. De fato, a apresentação do projeto Centro Novo não passa de um conjunto de imagens ilustrativas. Um projeto dessa magnitude exige não apenas – previamente – um modelo urbanístico detalhado, mas também modelos econômicos, financeiros e jurídicos que definam claramente a viabilidade do que se propõe. Por exemplo, na coletiva de imprensa, se fala de um financiamento do BNDES para um Veículo Leve sobre Pneus. Quando o BNDES recebeu e aprovou esta proposta? Se fala de financiamento de intervenções via venda de potencial construtivo. Ora, a Operação Urbana Centro, desde os anos 1990 oferece potencial construtivo para vender e nunca conseguiu atrair interessados. Porque, evidentemente, a questão central do Centro está longe de ser a falta de potencial construtivo disponível.
Aquela região é repleta de pré-existências que precisam ser levadas em consideração como os bens tombados e suas áreas envoltórias, que muito provavelmente impediriam a construção de “torres icônicas”, como sugere a apresentação do Centro Novo, grandes prédios que superam o gabarito existente na região e que destoam completamente da paisagem do entorno.
Evidentemente nada disso foi considerado até agora. O lançamento do projeto não passou de mais uma ação midiática do prefeito, como várias que ele vem fazendo desde que assumiu o cargo.
O detalhe é que esse blefe tem impactos para além do aumento da popularidade ou número de likes nas redes sociais de Doria. Em primeiro lugar, deixa os moradores e comerciantes daquela região, completamente ignorados durante o anúncio do suposto projeto, em situação de apreensão e vulnerabilidade. Segundo, alimenta a especulação no mercado de venda e locação de imóveis, já que o anúncio pode elevar preços ou travar negociações em curso.
Mas, ainda que não passe de uma ideia, é preciso ficar atento ao roteiro da ficção. A gestão Doria deixou claro acreditar que o desafio para a transformação que pretende para o centro seria atrair a classe média. Aliás, este tem sido o tom da chamada “revitalização” da área desde os anos 1990. Como bem lembrou o urbanista Kazuo Nakano em entrevista à Folha, esse público já está chegando por lá. O problema do Centro hoje não é a falta de moradores, mas a melhora das vidas que lá habitam. E a recuperação do enorme e significativo patrimônio histórico remanescente. Para projetos deste tipo, cuja pergunta central é “como podemos reconstruir este lugar com novos produtos imobiliários?” bens tombados e moradores em situação de vulnerabilidade não passam de obstáculos.
Está mais do que na hora de invertermos este roteiro.
Veja mais análises no blog da Raquel Rolnik.
Publicado em Artigos Semanais | Última modificação em 19-10-2017 04:37:54