Quais os impactos territoriais que o Programa MCMV tem gerado nas cidades brasileiras? Neste artigo Raquel Rolnik e pesquisadores do LabCidade (FAU/USP) analisam os padrões de inserção urbana dos empreendimentos produzidos no âmbito do PMCMV, entre 2009 e 2012, nas RMs de São Paulo e Campinas. E mostram o predomínio de um modelo de urbanização excludente e precário na maior parte das cidades do país, especialmente nas metrópoles brasileiras.
O artigo “O Programa Minha Casa Minha Vida nas regiões metropolitanas de São Paulo e Campinas: aspectos socioespaciais e segregação” é um dos destaques do Dossiê “Águas urbanas”, da Revista Cadernos Metrópole nº 33.
O estudo apresenta resultados preliminares da pesquisa “Ferramentas para avaliação da inserção urbana dos empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV)” desenvolvida pelo Laboratório Direito à Cidade e Espaço Público da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (LabCidade–FAU/USP). A pesquisa insere-se num projeto coletivo desenvolvido pela Rede Cidade e Moradia da qual o INCT Observatório das Metrópoles também participa.
Abstract
Launched in 2009, the Program Minha Casa Minha Vida (PMCMV – My House My Life), the current housing policy of the Federal Government, has promoted significant territorial impacts on Brazilian cities. Although the program has increased the importance of the housing issue within the Federal Government’s agenda, including large amounts of subsidies, the urban integration pattern of its enterprises reaffirms the predominance of an exclusionary and precarious urbanization model in most cities of the country, especially in the main metropolitan areas. This is what this article aims to demonstrate, based on an analysis of the urban integration patterns of the enterprises produced under the PMCMV between 2009 and 2012 in the metropolitan regions of São Paulo and Campinas.
Keywords: housing policy; Minha Casa Minha Vida; urban integration; urban segregation.
Introdução
Este artigo apresenta resultados preliminares da pesquisa “Ferramentas para avaliação da inserção urbana dos empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV)” desenvolvida pelo Laboratório Direito à Cidade e Espaço Público da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (LabCidade–FAU/USP). A pesquisa insere-se num projeto coletivo desenvolvido pela Rede Cidade e Moradia.1 O artigo analisa o padrão de inserção urbana dos conjuntos habitacionais que foram produzidos no âmbito do PMCMV nas regiões metropolitanas de São Paulo e de Campinas até 2012,2 trazendo uma reflexão sobre seus impactos nas respectivas configurações territoriais e padrões de segregação socioespacial.
Para isso, serão apresentadas: (1) explicações sobre o funcionamento do programa em suas diferentes modalidades; (2) uma breve caracterização da estrutura das regiões metropolitanas abordadas; e (3) análises da relação entre a inserção dos conjuntos e os padrões de segregação socioespacial vigentes nos respectivos territórios.
Nossa hipótese é a de que, embora seja inovador na concessão de um volume significativo de subsídios para o atendimento das necessidades habitacionais dos setores de renda mais baixa da população e na ampliação e barateamento do crédito para a compra de imóveis por setores de renda intermediária, o programa não levou em conta a dimensão territorial como um aspecto relevante de uma política habitacional orientada para a universalização do acesso à moradia em condições adequadas, tendo negligenciado o enfrentamento do problema da segregação socioespacial em função da renda nas cidades brasileiras.
Pelo contrário, verificou-se que a sistemática do programa, atribuindo um protagonismo na concepção das operações às construtoras privadas, que geralmente se incumbem da elaboração de projetos e da escolha de terrenos, incentivou a proliferação de grandes conjuntos em lugares onde o custo da terra é o mais baixo possível – uma condição fundamental para a rentabilidade das operações –, reiterando um padrão histórico de ocupação do território onde o assentamento da população pobre é feito prioritariamente em periferias precárias e mal equipadas.
Embora tenha-se constatado que o PMCMV venha exercendo um papel ativo na reprodução da segregação em função da renda e na reafirmação da periferia como lugar dos pobres nas cidades brasileiras, identificaram-se mudanças importantes no que é essa periferia e no papel desempenhado pelas políticas públicas de habitação em sua expansão nos dias de hoje. A periferia das cidades estudadas passou por um processo de urbanização cumulativo, o que atenuou sua precariedade em comparação com contextos anteriores.
Além disso, essas cidades têm hoje uma estrutura mais multipolar do que tinham há décadas, o que altera as condições de inserção urbana de áreas que, embora ainda sejam periféricas, não estão sujeitos ao mesmo nível de isolamento de um passado não muito distante. Diferentemente do que ocorria em experiências anteriores como a do BNH, os empreendimentos do PMCMV vêm sendo implantados em áreas periféricas, porém contíguas à malha urbana pré-existente, não exercendo a mesma pressão no sentido da abertura de novos focos de urbanização em áreas rurais.
Embora o PMCMV reforce o padrão periférico da moradia dos segmentos de baixa renda, as desigualdades socioespaciais nas cidades de hoje e a expansão de suas periferias não são as mesmas das décadas de crescimento urbano explosivo da segunda metade do século XX.
Apesar das tendências gerais apontadas acima, constatou-se a predominância de padrões um pouco distintos nos empreendimentos das duas regiões metropolitanas estudadas.
Na RMSP, identificou-se grande incidência de empreendimentos de pequeno e médio porte em interstícios de periferias razoavelmente consolidadas, sendo grande parte delas áreas remanescentes de antigos projetos produzidos por companhias habitacionais. Já em Campinas, constatou-se uma predominância de conjuntos de grande porte produzidos em terrenos privados nas bordas da mancha urbana.
Essas características decorrem em parte da estrutura dessas duas regiões metropolitanas e em parte da ação de agentes locais, levando a impactos territoriais de intensidade bem diferentes. No entanto, a despeito dessas especificidades locais e da diferença do padrão periférico de hoje em relação a contextos anteriores, identificou-se o programa como um vetor de reprodução da segregação socioespacial nas cidades brasileiras, o que é uma consequência inevitável do modelo que orientou sua formulação, permeado por objetivos que vão além da promoção do direito à moradia.
Para leitura do artigo completo, acesso a Revista Cadernos Metrópole nº 33.