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Privações habitacionais e desigualdades escolares: o caso do Rio de Janeiro

By 09/02/2014janeiro 20th, 2018Teses e Dissertações

Privações habitacionais e desigualdades escolares: o caso do Rio de Janeiro

Paula Hernandez Heredia apresenta mais uma contribuição para os estudos do Observatório Educação e Cidade. Tomando como recorte a região metropolitana do Rio de Janeiro, a pesquisadora analisa a família e sua relação com a escola; o domicílio e suas condições materiais; e o território como esfera que exerce impacto sobre a distribuição de oportunidades, em especial oportunidades educacionais. A conclusão é que as condições habitacionais também influenciam o desempenho escolar de jovens brasileiros, representando mais um fator gerador de desigualdades educacionais.

A dissertação de mestrado de Paula Hernandez Heredia se desenvolveu dentro da linha de pesquisa do Observatório das Metrópoles, que deu origem ao Observatório Educação e Cidade, no âmbito do projeto Desigualdades de oportunidades e dimensões da alfabetização da educação básica no Estado do Rio de Janeiro (CAPES/INEP).

O projeto, orientado pelos profesores Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro e Marianne Koslinski, traz como primeiro objetivo o mapeamento da geografia de oportunidades educacionais e a investigação do efeito vizinhança sobre o desempenho escolar na cidade e na região metropolitana do Rio de Janeiro. Em sua origem, a principal questão da pesquisa era “avaliar como o contexto social da vida nas grandes cidades pode influenciar o desempenho do sistema escolar” (RIBEIRO; KOSLINSKI, 2009, p. 103). Nos estudos desenvolvidos no âmbito dessa pesquisa foram trabalhados os conceitos de efeito vizinhança, estratégias familiares de escolarização, segregação residencial, geografia de oportunidades, capital social, isolamento social, entre outros.

Com base nas pesquisas Infancia en América Latina: privaciones habitacionales y desarrollo de capital humano (KAZTMAN, 2011) e Desigualdades de oportunidades e dimensões da alfabetização da educação básica no Estado do Rio de Janeiro (CAPES/INEP), realizada pelo Observatório Educação e Cidade, Paula Hernandez buscou entender e aprofundar certos aspectos da influência da cidade nas oportunidades educacionais de crianças e adolescentes. Nesse sentido, a ideia do trabalho foi entender o território não somente como recipiente de processos sociais, mas também como esfera que produz efeitos nesses processos. “O território é aqui entendido como espaço social, e as condições materiais de vida para a habitação são uma das possíveis formas de materialização deste conceito, uma vez que a criança é também socializada em um espaço que gera certas predisposições para a aquisição do capital escolar oferecido nas instituições de ensino”, explica.

A pesquisa Infancia en América Latina: privaciones habitacionales y desarrollo de capital humano (KAZTMAN, 2011) é a base dos delineamentos metodológicos para a elaboração desta dissertação de mestrado. Na primeira parte do relatório é feita uma análise dos direitos das crianças presentes em diferentes convenções de organismos internacionais, e como esses direitos estão sendo postos em prática por meio de políticas públicas voltadas para a infância e habitação na região. A partir disso, Kaztman avalia indicadores em alguns países sobre saneamento, água, esgoto e o rendimento escolar, e faz um balanço sobre a situação de 17 países da América Latina.

“Na última parte do relatório se apresenta uma parte fundamental para esta pesquisa de mestrado, já que o autor estabelece uma relação direta entre carências habitacionais e educação. Além de apontar a importância do capital social e o valor da família, ele mostra como a qualidade da moradia se associa ao lugar onde está localizada a pobreza territorialmente, e como esta traz diferentes dificuldades para as crianças que habitam nesses lugares, como, por exemplo, problemas de saúde, de autoestima, entre outras questões que têm consequências sobre o rendimento escolar”, afirma Paula.

Assim, o trabalho se propõe a entender as condições sociais no plano da família como um fator essencial na aquisição de capital escolar, bem como o domicílio e o bairro como peças-chave articuladas ao aprendizado das crianças. Pretende contribuir para a compreensão sobre como condições de habitação e, indiretamente, políticas de habitação têm impacto nos resultados escolares.

Os objetivos do trabalho são:

– Analisar a relação entre três fatores: condições sociais no plano da família, condições do domicílio e bairro e aprendizagem das crianças.

– Entender a importância da habitação como condição material de vida e como componente importante do espaço social em que a criança é socializada nas predisposições necessárias à aquisição da escolaridade que se realiza no âmbito da escola.

– Estudar a situação da região metropolitana do Rio de Janeiro, além do padrão de segregação carioca e sua relação com as carências habitacionais.

– Gerar uma contribuição em termos da implantação do modelo de análise desenvolvido por Kaztman (2011) para o Brasil, com foco específico na região metropolitana do Rio de Janeiro.

A respeito da metodologia, o estudo parte do modelo de Ruben Kaztman utilizado na pesquisa Infancia en América Latina: privaciones habitacionales y desarrollo de capital humano (2011), da CEPAL. Foram utilizados aqui dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A amostra do censo contém dados sobre as condições de habitação, características dos chefes do domicílio, além de permitir a associação do domicílio a uma vizinhança, ou seja, permite conjugar o domicílio com a distribuição espacial ‒ o que é fundamental para esta pesquisa.

Kaztman (2011) usa como variável principal o atraso escolar (extra edad), que é um indicador que não está disponível de forma explícita no censo. No entanto, foi possível criar a partir do censo a variável independente “atraso escolar” e “abandono escolar”, que são as variáveis dependentes de desfechos escolares. Isso permitiu observar como as características da moradia, expressas por indicadores de precariedade, afetam as oportunidades escolares, controlando por características da origem racial e socioeconômica dos alunos.

Paula Hernadez explica que o trabalho foi organizado em três capítulos. O capítulo 1 apresenta uma exposição teórica sobre os principais conceitos que dão sustento à pesquisa. Discute os conceitos e processos da relação família/escola, da segregação urbana, do efeito vizinhança e das condições de moradia e seus possíveis impactos sobre desfechos educacionais e, consequentemente, sobre desigualdades educacionais. No decorrer deste capítulo serão aprofundados conceitos como capital cultural, capital social, segregação, carências habitacionais, entre outros.

O capítulo 2 apresenta as particularidades da região metropolitana do Rio de Janeiro, a descrição das condições de carências habitacionais e indicadores por meio de mapas, permitindo enxergar a importância do desenvolvimento da pesquisa para a região metropolitana.

Por fim, o capítulo 3 traz análises utilizando a base de dados do Censo 2010, mapeando as relações entre precariedade habitacional, características da vizinhança e oportunidades educacionais na região metropolitana do Rio de Janeiro. O objetivo da ordem dos capítulos é fazer uma ligação teórica entre a família e a escolaridade do responsável, o domicílio e suas privações materiais, e a segregação socioterritorial da região metropolitana. E, como resultado, analisar as predisposições à aquisição do capital escolar medidas pelo atraso e abandono escolar.

Os resultados obtidos nas análises são coerentes com as hipóteses colocadas, já que há uma relação entre a existência de carências habitacionais e o atraso escolar. Esta relação se apresenta de forma diferente nos dois casos de análise, que são crianças de 4ª série e crianças de 8ª série. No primeiro caso, no atraso de um e de dois anos as variáveis relativas às carências habitacionais foram quase sempre significativas e, em comparação com o segundo caso (alunos de 8ª série), representam percentualmente maior risco. Para os jovens de 8ª série, as carências perdem significância e têm percentuais menores. O fato de essas carências perderem peso frente a outras variáveis pode ser causado pelo abandono escolar dos jovens entre estas duas fases de escolaridade.

As carências habitacionais parecem afetar mais as crianças pequenas, que também são mais dependentes das estratégias familiares. Isso reforça a necessidade de observar o comportamento da variável adensamento, que no caso da 4ª série é sempre significativa e percentualmente maior do que na 8ª série. Entre as carências habitacionais, esta variável tem maior impacto no risco de atraso escolar de crianças pequenas.

No decorrer do trabalho foi destacado que as estratégias familiares e o espaço da moradia são fatores que têm relação com o atraso escolar. Assim, seria possível dizer que o fato de não haver na moradia espaços separados para estudo, para lazer, para intimidade, entre outros, afeta o rendimento escolar das crianças pequenas, pois impede certas estratégias.

Neste sentido, no caso do abandono escolar o adensamento também acaba sendo a carência mais importante percentualmente, e nunca perde a significância, o que também pode estar relacionado com a impossibilidade de gerar estratégias ou com a falta de interesse em permanecer dentro do sistema educativo.

Este estudo permitiu observar as condições de moradia e utilizar uma variável de vizinhança relacionada não tanto com características de socialização, mas com características de distribuição do bem-estar na cidade. Em todos os casos em que a variável foi significativa, apresentou-se um aumento da chance de atraso escolar em relação à diminuição das condições de bem-estar urbano (a dimensão três do IBEU). Desse modo, se reforça a ideia da existência de associação entre o lugar de moradia e a segregação territorial e o desempenho da criança.

 

Resultados: carências habitacionais e desigualdades escolares

Segundo Paula Hernandez Heredia, os resultados obtidos nas análises são coerentes com as hipóteses colocadas, já que há uma relação entre a existência de carências habitacionais e o atraso escolar. Esta relação se apresenta de forma diferente nos dois casos de análise, que são crianças de 4ª série e crianças de 8ª série. No primeiro caso, no atraso de um e de dois anos as variáveis relativas às carências habitacionais foram quase sempre significativas e, em comparação com o segundo caso (alunos de 8ª série), representam percentualmente maior risco. Para os jovens de 8ª série, as carências perdem significância e têm percentuais menores. O fato de essas carências perderem peso frente a outras variáveis pode ser causado pelo abandono escolar dos jovens entre estas duas fases de escolaridade.

“As carências habitacionais parecem afetar mais as crianças pequenas, que também são mais dependentes das estratégias familiares. Isso reforça a necessidade de observar o comportamento da variável adensamento, que no caso da 4ª série é sempre significativa e percentualmente maior do que na 8ª série. Entre as carências habitacionais, esta variável tem maior impacto no risco de atraso escolar de crianças pequenas”, argumenta.

No decorrer do trabalho foi destacado que as estratégias familiares e o espaço da moradia são fatores que têm relação com o atraso escolar. Assim, seria possível dizer que o fato de não haver na moradia espaços separados para estudo, para lazer, para intimidade, entre outros, afeta o rendimento escolar das crianças pequenas, pois impede certas estratégias. Neste sentido, no caso do abandono escolar o adensamento também acaba sendo a carência mais importante percentualmente, e nunca perde a significância, o que também pode estar relacionado com a impossibilidade de gerar estratégias ou com a falta de interesse em permanecer dentro do sistema educativo.

“Esta pesquisa permitiu observar as condições de moradia e utilizar uma variável de vizinhança relacionada não tanto com características de socialização, mas com características de distribuição do bem-estar na cidade. Em todos os casos em que a variável foi significativa, apresentou-se um aumento da chance de atraso escolar em relação à diminuição das condições de bem-estar urbano. Desse modo, se reforça a ideia da existência de associação entre o lugar de moradia e a segregação territorial e o desempenho da criança”.

 

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