Desde 2009 o Carnaval de Rua da Cidade do Rio de Janeiro ganhou contornos estruturais e institucionais de um megaevento cultural, baseado no aprofundamento da lógica privatizadora do espaço público. Neste artigo do INCT Observatório das Metrópoles, Fernanda Amim Sampaio Machado faz uma análise detalhada da consolidação da PPP do Carnaval do Rio, e aponta que os resultados desse processo foram o monopólio da AMBEV em relação à venda de cerveja; perseguição aos comerciantes informais; e a ressignificação dos poderes locais ligados aos setores culturais e turísticos. O artigo mostra ainda a privatização da segurança pública durante o carnaval de 2018, no caso da Prefeitura de Crivella, um ato ilegal e inconstitucional.
O artigo “Um megaevento chamado carnaval oficial” é mais um resultado do projeto “Planejamento Urbano e Direito à Cidade: conflitos urbanos e os desafios para a promoção da função social da propriedade no Brasil”, que por meio de uma pesquisa advocacy busca influenciar a definição de políticas urbanas na cidade do Rio de Janeiro. Desse modo, o projeto não apenas monitora a revitalização da região portuária, o Porto Maravilha, as transformações nas favelas da zona sul e os conflitos resultantes, como busca estratégias de incidência capazes de promover o direito à moradia e o direito à cidade.
Fernanda Amim Sampaio Machado é mestra em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da FND/UFRJ e pesquisadora da Rede INCT Observatório das Metrópoles. Trabalha nas áreas de sociologia e de teoria do direito. e urbanismo crítico, com os temas de: direitos humanos, direito à cidade, direito e arte, gênero e cultura.
De acordo com a pesquisadora, a análise sobre o carnaval carioca aponta para uma alteração na dinâmica da festa que, a partir de 2009, passa a ser entendido como commoditie, subordinado aos interesses de grupos privados ligados ao setor turístico e à indústria do entretenimento. Além disso, esse aspecto fez parte das ações do “projeto olímpico” do Rio de Janeiro cujo objetivo era transformar a cidade no maior polo turístico do hemisfério sul.
Fernanda Machado aponta ainda que os mecanismos adotados pelo Poder Público para organização e realização da festa seguiram o mesmo formato dos demais projetos de intervenção urbana deste novo modelo de cidade. Desta forma, envolveram não apenas a realização de parcerias com o setor privado (por meio de PPPs), com consequente desoneração fiscal ou diminuição da carga tributária das empresas envolvidas, como também a edição de legislação específica para regulamentação urbana.
“Apesar de serem apenas duas as contrapartidas expressamente previstas, atualmente existe um debate muito forte na cidade do Rio de Janeiro sobre o monopólio da AMBEV (por meio da sua cervejaria Antarctica) em relação à venda de cerveja, nos espaços públicos da cidade, durante o período do Pré-Carnaval e do Carnaval. Destaca-se que, apesar de não existir previsão expressa no Caderno de Encargos e Contrapartidas garantindo a venda exclusiva de cerveja, por parte do financiador do projeto, é possível concluir pela sua existência, com base em uma leitura integrada do seu Anexo”.
“Considerando que o vendedor ambulante é cadastrado para atuar exclusivamente para a marca habilitada (que corresponde na prática à marca do Financiador), e a Guarda Municipal está autorizada a apreender todo e qualquer material, estranho ao estabelecido, ou seja, o que não for fornecido pela empresa habilitada, é garantida a instituição de exclusividade de venda de determinados itens, com controle feito pelos próprios agentes de segurança do município, nos espaços públicos da cidade”.
O artigo também aponta que no Rio essa “parceria” tem sido construída, desde o ano de 2010, pela integração entre a Prefeitura do Rio (realizadora), a empresa Dream Factory Comunicações e Eventos Ltda. (produtora) e a Companhia de Bebidas das Américas – AMBEV (financiadora). Não obstante as licitações terem sido realizadas anualmente, a Dream Factory sempre foi a empresa vencedora. Cabe destacar que, com a exceção do Carnaval de 2010, no qual a Prefeitura do Rio teria recebido 31 propostas; em todos os outros anos (de 2011 até 2016) a escolha da empresa se deu em decorrência desta ter sido a única proponente.
“É importante percebermos que a permanência da Dream Factory na produção do Carnaval de Rua nos últimos sete anos, bem como a participação desta mesma empresa na organização de outros eventos de cunho turístico, tais como Maratona do Rio, Corrida da Ponte, Mano a Mano, Árvore Bradesco Seguros, Rio Gastronomia, Jornada Mundial da Juventude, Roda Skol e Rock in Rio, aponta para uma ressignificação dos poderes locais ligados aos setores culturais e turísticos”, explica Fernanda.
Com o fim do governo do Eduardo Paes e, consequentemente, a mudança de gestão do município, houve um acirramento dessa lógica privatizadora. Apesar dos discursos construídos de que as interferências do atual Prefeito Marcelo Crivella teriam um cunho religioso, o que se percebe é a intensificação dos processos de privatização dos recursos urbanos em diversos campos.
Leia o artigo completo “Um megaevento chamado carnaval oficial”.
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