GT sobre Moradia – visita à Vila Santo André, Porto Alegre (crédito Lucimar Siqueira)
O Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) realizou visita, nos dias 25 e 26 de setembro, em Porto Alegre com o propósito de receber e monitorar denúncias de violações de Direito Humano à Moradia por conta das obras vinculadas à Copa de 2014. Durante visita a comunidades envolvidas em processos de remoção como Vila Santo André, Vila Dique, Vila Nazaré e Morro Santa Teresa, o grupo de trabalho recebeu relatório o qual aponta que Porto Alegre, assim como outras cidades-sedes, reafirma o modelo de “cidade-mercadoria” baseado numa matriz de projetos que visam a “qualificação urbana”, mas que sob o discurso do desenvolvimento violam direitos humanos e ferem princípios constitucionais.
GT sobre Moradia
O Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, criou o GT sobre Moradia Adequada após denúncias de supostas violações de Direitos Humanos no País. Desde então, o grupo de trabalho tem promovido visitas às cidades-sedes da Copa do Mundo de 2014 com o objetivo de levantar dados e informações pertinentes à moradia adequada para serem levadas ao conhecimento de autoridades competentes para providências.
Nos dias 25 e 26 de setembro, foi realizada missão em Porto Alegre com o propósito de receber e monitorar denúncias de violações, além de elaborar e propor diretrizes para efetiva garantia do direito à moradia. O Grupo de Trabalho foi composto por Clarissa Rihl, coordenadora-geral do CDDPH; Nelson Saule, POLIS/FNRU; André Sousa, Fórum de Entidades de Direitos Humanos/Comitê Copa; Maria Cristina, Defesa Civil; Mirna Quinderé, Secretaria Nacional de Habitação/MCidades; Regina Silva, Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República; Bartiria Costa, Conselho das Cidades; Júlia Shirmer, Secretaria de Direitos Humanos; Neuza Gomes, Ministério do Meio Ambiente, entre outros.
GT sobre Moradia (Secretaria Direitos Humanos) visitando a Vila Santo André, Porto Alegre
Denúncias de violações
Durante a visita, a Comissão Porto Alegre – formada pelo Comitê Popular da Copa Cristal, Fórum Estadual de Reforma Urbana/RS e Observatório das Metrópoles-Núcleo Porto Alegre –, entregou ao GT o “Relatório sobre a situação do Direito à Moradia e à Moradia na Cidade de Porto Alegre: contexto no marco da Copa do Mundo de 2014” no qual denuncia as várias violações na capital do Rio Grande do Sul e a consolidação de um modelo de cidade-mercadoria.
“O Brasil avançou muito nas últimas décadas na conquista de direitos sociais, como o Estatuto da Cidade, entre outros mecanismos. E, apesar de existirem recursos via projetos federais como o MCMV e o PAC, o que se vê ainda são comunidades sendo excluídas. Isso ocorre porque o projeto de cidade que prevalece no País é o da cidade-mercadoria. Nele, o poder público busca qualificar o urbano para que todos lucrem mais, por isso busca o diálogo primeiro com o empresariado, construtoras, comerciantes. E daí busca conformar os espaços da cidade para que esses atores possam atuar”, explica a pesquisadora Lucimar Siqueira, integrante do Observatório das Metrópoles.
Lucimar argumenta ainda que, no caso de Porto Alegre, as comunidades removidas têm criticado os locais de reassentamento que estão cada vez mais distantes, mais periféricos no território da cidade, enquanto que os espaços que são liberados têm sido usados para a especulação imobiliária. “Outro problema em Porto Alegre é o da informação. Muitas famílias reassentadas não sabem direito como será o processo e argumentam que antes de receber as chaves da nova moradia precisam assinar um contrato com a Prefeitura. Depois, são obrigadas a pagar um valor mensal pela habitação. No entanto, isso não é transparente, e muitas vezes a família acaba se endividando e perdendo a sua casa”, argumenta.
A seguir, os principais pontos do Relatório da Comissão Porto Alegre, com a descrição das comunidades envolvidas em processos de remoção.
Os casos relatados abarcam investimentos e ações das três esferas de governo, mas mais especificamente da esfera municipal, visto que é dela a responsabilidade pela gestão do território. Neste sentido, chama-se a atenção para a forma de conduzir a implementação dos projetos de qualificação urbana, que sob o discurso do desenvolvimento violam direitos humanos e ferem princípios constitucionais.
EMPREENDIMENTOS E IMPACTOS SOBRE MORADIA
1) ARENA DO GRÊMIO: VILA SANTO ANDRÉ E OUTRAS COMUNIDADES
VILA SANTO ANDRÉ – Localizada Av. dos Estados – Bairro Humaitá – ao lado da Empresa Zamprogna, muito próximo a Arena do Grêmio, na Vila Santo André residem aproximadamente 700 famílias há mais de 40 anos. Neste tempo a demanda da comunidade sempre foi por infraestrutura, garantia das posses e equipamentos públicos. As moradias, também são bastante precárias. Mesmo diante desta demanda reprimida há décadas, a principal intervenção que se faz presente na região e que não tem caráter de utilidade pública é a da construção da Arena do Grêmio Futebol Portoalegrense. O Empreendimento, da OAS, engloba, além do Estádio, torres residenciais, área de exposição com mais de 15.000m², estacionamento para 3.000 veículos, Shopping Center e hotel. O empreendimento chaga a Porto Alegre como um novo bairro, planejado e em local estratégico próximo à Rodovia do Parque (BR 448), da ponte estaiada sobre o Rio Guaíba, aeroporto, trensurb, além da conexão direta com a região metropolitana via BR 116.
A área foi doada pelo Governo do Rio Grande do Sul para a Federação dos Círculos Operários do Rio Grande do Sul que, por sua vez, incluiu no negócio com a OAS. Por outro lado, o município de Porto Alegre oficializou a doação da área onde hoje está o estádio do Grêmio, Bairro Azenha, e este também incluiu nas negociações a Construtora OAS. Neste local já foi lançado pela construtora outro empreendimento de porte e caráter imobiliário, denominado “Residencial Azenha”. Este empreendimento, como o anterior, demandou alteração normativa (índices e zoneamento) no Plano Diretor de Porto Alegre.
Neste contexto, observa-se o Bairro Humaitá como um dos focos do mercado imobiliário de Porto Alegre. Essa região, que além da Vila Santo André, apresenta outras comunidades de baixa renda como a Vila Liberdade, Beco X e Vila Esperança que há muitas décadas lutam pelo direito à moradia através da qualificação das suas casas, da qualificação urbana de suas comunidades e da garantia das suas posses. No entanto, essas comunidades estão ameaçadas de expulsão – a já conhecida “expulsão branca” –, visto que não se observa políticas públicas traduzidas em ações e investimentos em moradia, regularização fundiária e qualificação urbana direcionada à garantir “cidade” para essas famílias. Os recursos disponibilizados estão focados nas grandes obras, cabendo para moradia somente aqueles que servem para “limpar o espaço para o capital”, ou seja, quando se trata de reassentamento.
Apesar da Arena do Grêmio não fazer parte das obras para a Copa, é o desencadeador do processo de valorização imobiliária cuja infraestrutura viária está sendo provida através dos financiamentos para a Copa. A obra presente na Matriz de Responsabilidade é a implementação do Corredor Av. Voluntários da Pátria e Terminal São Pedro (RS-A.07/Ad-02). O projeto (RS-A.07/Ad-02) previa somente a duplicação da avenida, mas com a aprovação de novos recursos ocorreu a inclusão de outros itens que qualificam o entorno da Arena e levam infraestrutura até os empreendimentos projetados e em construção.
AEROPORTO: VILA DIQUE, VILA NAZARÉ E FLORESTA
As obras do aeroporto constam das obras para a Copa financiadas pelo Governo Federal. As obras do Aeroporto Internacional Salgado Filho, no entanto, incluem ações relacionadas entre Governo Federal (INFRAERO), o Município de Porto Alegre e o Estado do Rio Grande do Sul.
As comunidades atingidas pelas obras correspondem a projetos distintos da ampliação do aeroporto, conforme segue abaixo.
VILA DIQUE E LOTEAMENTO BERNARDINO DA SILVEIRA (REASSENTAMENTO):
Envolvidos Governo Federal (INFRAERO) e município de Porto Alegre. Ao município coube a retirada das famílias das áreas de incidência direta das obras. São atingidas diretamente 1.479 famílias. O projeto de reassentamento foi apresentado em conjunto com a Vila Nazaré. Ao todo serão transferidas 2.770 famílias considerando as duas comunidades. O projeto registrado junto à Caixa Econômica Federal chama-se “Produção habitacional para viabilizar urbanização Vila Nazaré e área de Intervenção Vila Dique e Vila Nazaré” cujo contrato de repasses é o de nº218814-40/2007. O projeto foi ajustado duas vezes até 26/02/2010 e adaptado ao Programa MCMV Urbanização de Assentamentos Precários.
Para a Vila Dique foi definido o empreendimento denominado Loteamento Bernardino da Silveira. O loteamento localiza-se na Av. Bernardino da Silveira, 1915, no Bairro Rubem Berta. A transferência iniciou-se em outubro de 2009. Em janeiro de 2010 a obra já sofria auditoria do Tribunal de Contas da União na qual foram identificadas várias irregularidades. Até julho de 2012 foram transferidas 798 famílias. Em setembro do mesmo ano ainda faltam ser transferidas mais de 600 famílias. Ou seja, transcorridos quase 3 anos foram transferidas praticamente 50% das famílias.
Exemplos de problemas no reassentamento:
– Ausência de escola e creche. O posto de saúde foi inaugurado, porém atende de forma precária a população.
– Baixa qualidade das construções.
– Portadores de necessidades especiais instalados em casas não adaptadas.
– A distribuição de algumas casas adaptadas encontram-se isoladas dos demais moradores. Dada a necessidade do afastamento dos cuidadores, moradores cadeirantes permanecem distantes de seus vizinhos e sem assistência.
– Moradores acumulam dívidas referentes aos custos com a nova casa e já ocorrem despejos – O DEMHAB não repassa os contratos para os moradores.
– Aproximadamente 150 famílias viviam da coleta de material reciclável e utilizavam carrinho ou carroça para tal atividade. Aguardam até agora a instalação de um estábulo prometido pelo DEMHAB para que consiga retomar as atividades.
– Mais de 600 famílias permanecem no local de origem (Vila Dique) onde muitos serviços foram retirados deixando a população com mais dificuldades de acesso à energia elétrica, água, coleta de lixo e atendimento no posto de saúde.
– Permanecem problemas relacionados ao sistema de esgoto. Em junho de 2012 crianças do Loteamento Bernardino da Silveira continuavam brincando em meio ao esgoto a céu aberto. A Vila Dique foi, também, atingida pelas obras de prolongamento da Av. Severo Dullius registrada na Matriz de Responsabilidades RS-A.08.
VILA FLORESTA: O grupo de famílias de inquilinos da Vila Floresta, situada na cabeceira leste do aeroporto Salgado Filho, está sendo mantido no local de forma precária até agora, apenas em virtude de um acordo provisório celebrado com a Infraero, no CEJUSCOM da Justiça Federal. As 42 famílias, que estavam resistindo, conseguiram negociar com a Infraero para a transferência da maioria delas para um condomínio no bairro Camaquã – via MCMV. Isso se deve a uma intervenção oportuna do Cejuscon da Justiça Federal, que conseguiu negociar essa transferência com a Infraero, a Secretaria de Habitação do Estado, o Demhab e – note-se bem – a participação ativa da comunidade em todo o processo de discussão das alternativas.
Essas famílias nunca foram ouvidas durante o processo de desapropriação da área onde vivem, apenas os proprietários dos imóveis onde moravam. Desde 2009 tentavam buscar alguma solução e recentemente foi apresentado pelo o Estado e Município uma proposta formal de realocação para o Residencial Camaquã (MCMV), inclusive sendo organizado ônibus para as famílias da Vila Floresta conhecerem seu novo local de moradia prometido. Assim, as famílias concordaram com a realocação.
Ocorre que, recentemente o Diretor Geral Jorge Dusso, DEMHAB/município, novamente coloca em estado de insegurança o direito à moradia daquelas famílias, alegando que o assentamento Residencial Camaquã foi prometido para a Vila Carandiru (antiga ocupação do prédio IPE), não há espaço para as duas, atentando assim novamente pela segurança das famílias de baixa renda da cidade.
ENTORNO DO ESTÁDIO BEIRA RIO
MORRO SANTA TERESA: Morro Santa Teresa – Quatro Vilas (Gaúcha, Ecológica, Padre Cacique, União- Prisma) abrigam cerca de 1.600 famílias, há mais de 30 anos, na área que é propriedade da FASE, do Governo do Estado. Em 2010, o PL388 visava privatizar a área de 74 ha. Os moradores, aliados à sociedade civil organizada, montou uma mobilização, que fez o Governo recuar, e mantém-se num Movimento que defende a regularização fundiária das vilas, a defesa da preservação ambiental e a reestruturação da FASE ali. O atual governo assumiu essas demandas, através do Decreto nº 48.029, de 17 de maio de 2011, e criou pelo Decreto nº 49.256, de 21 de junho de 2012, um GT para a sua gestão, que não avança. Embora sem definição de diretrizes, a SEHABS licitou recentemente os levantamentos topográficos e cadastramento socioeconômico e outros, visando a regularização fundiária. Mas, ao mesmo tempo, é anunciada para o local a construção de um Centro de Eventos, com grandes ambientes e estacionamento, inconcebível sem devastar a natureza, o que é incompatível com aqueles decretos. O temor é que a Prefeitura possa remover expressa ou paulatinamente os moradores. Hoje, as comunidades já protocolaram pedido de Concessão de Uso Especial para fins de moradia junto à FASE e requerem a demarcação em suas comunidades como ZEIS/AEIS. Vivem ainda em condições precárias quanto ao saneamento básico, energia elétrica, água e recolhimento de lixo. Sofrem dificuldade de acesso e situações de risco.