O que são os Complexos Imobiliários, Residenciais e de Serviços (Cirs)? E qual papel têm assumido nas cidades brasileiras? Empreendimentos imobiliários e de desenvolvimento urbano capitaneados por empresários, os Cirs são resultantes da ação de distintos agentes e de uma eficiente articulação com o poder público. Neste artigo para Cadernos Metrópole, Adauto Gomes Barbosa analisa a concepção do Cirs Reserva do Paiva, na Região Metropolitana do Recife. E mostra que esses complexos imobiliários são concebidos e produzidos sob a tônica do exclusivismo socioespacial, constituindo uma resposta conservadora ao planejamento urbano, que nega a cidade como totalidade, não contribuindo para o enfrentamento de seus problemas estruturais.
O artigo Planejamento urbano empresarialista em complexos imobiliários, residenciais e de serviços: a Reserva do Paiva em análise é um dos destaques do Dossiê Especial “Planejamento Urbano e Regional: percursos e desafios”, presente na edição 37 da Revista Cadernos Metrópole.
Abstract
The Real Estate, Residential and Service Complexes (CIRS) are plurifunctional enterprises that require a long period of time to be completed and whose production involves inter-scaled actions. They are designed under a global-local logic in which the place adjusts itself to monetary requirements as a condition to fit new modernizing standards. Governance evidences the leading role of private capital, although the State is a fundamental agent that regulates and ensures the viability of the business. Based on this, this article analyzes the urban governance of this entrepreneurial type of urban planning that resulted in the design of the CIRS Reserva do Paiva, in the Metropolitan Region of Recife. The main criticism that arises is that these real estate complexes are a conservative response of urban planning to current urban problems and, when they are designed and produced under the keynote of socio-spatial exclusiveness, they deny the city as a whole and do not contribute to the overcoming of its problems.
INTRODUÇÃO
Por Adauto Gomes Barbosa
No atual período, são cada vez mais complexas as articulações entre o capital privado e o poder público no processo de planejamento urbano. Com base nisso, a implantação de megaprojetos imobiliários exige estratégias bastante arrojadas por parte dos agentes capitalistas, contando com o Estado como agente garantidor de certas condições para a realização do negócio. Esses megaempreendimentos são plurifuncionais e, via de regra, demandam algumas décadas para serem concluídos. Procurando melhor defini-los neste trabalho, utiliza-se a terminologia Complexos Imobiliários, Residenciais e de Serviços (Cirs), com base em empreendimentos de natureza e de composição semelhantes, na área metropolitana de Belo Horizonte, que foram estudados e assim denominados por Costa (2006). Os promotores imobiliários em geral os chamam de “bairros planejados” (ou ainda “cidades planejadas”), num evidente apelo mercadológico que busca vender a ideia de uma “nova” cidade ou de uma suposta “nova” realidade urbana em face dos diversos problemas urbanos brasileiros.
Isso posto, os Cirs são plurifuncionais na medida em que reúnem, no mesmo local, vários usos do solo e não devem ser confundidos com os loteamentos residenciais fechados (também conhecidos por condomínios residenciais fechados horizontais) nem com os condomínios industriais e de logística, os complexos de escritórios empresariais e os de equipamentos turísticos. Conquanto se notabilizem pela prevalecente função residencial de alto padrão, os Cirs também comportam centros empresariais, de compras, de gastronomia e de lazer ou, ainda, assumem a função turística, constituindo-se de campos de golfe, de complexo náutico e hoteleiro. Com essa diversidade de funções, busca-se contemplar uma gama de serviços e de atividades comerciais que em pouquíssimos casos é ofertada em bairros nobres, porém, nesses complexos, resguarda uma perspectiva socioespacial ainda mais exclusivista.
Em vários casos, a exemplo do que ocorre na Reserva do Paiva, no litoral sul da Região Metropolitana do Recife (RMR), objeto empírico desta reflexão, os Cirs são desprovidos dos tradicionais muros que caracterizam os loteamentos fechados, o que sugere, ao menos na aparência, que apresentam maior integração com a malha urbana circundante. Porém, frequentemente, os muros se impõem de forma imaterial, por meio de sistemas de monitoramentos e por seletividades espaciais que induzem restrições tanto explícitas quanto veladas a todos que sejam considerados indesejados ou taxados como socialmente incompatíveis com o perfil de morador predefinido.
Assemelhando-se à lógica dos shopping centers, não obstante sejam muito distintos deles, os Cirs também possuem investimentos-âncora que até certo ponto lhes conferem centralidade urbana em termos de oferta de comércio e de certos serviços especializados para os próprios moradores e usufrutuários, constituídos por clientes bem-segmentados, sejam eles empresários, sejam profissionais liberais com seus escritórios e consultórios. Entre as atividades contempladas pelos investimentos-âncora, destacam-se centros empresariais, escritórios, clínicas particulares, restaurantes, lanchonetes, casas noturnas, hotéis, resorts, marina, galerias de arte, supermercados, escolas e faculdades privadas, dentre outros equipamentos.
Buscando compreender melhor a lógica que perpassa a consolidação desses produtos imobiliários, é interessante frisar que, se a vida nas cidades brasileiras impõe inúmeras dificuldades relacionadas com o agravamento de problemas urbanos reais ou potenciais, como sensação de insegurança, congestionamentos frequentes, problemas ambientais e um sem-número de precariedades urbanísticas, os Cirs são planejados pelo capital como uma solução ainda que pontual para toda essa sorte de iniquidades. No plano da vida urbana, esses complexos se traduzem como uma resposta conservadora aos problemas urbanos e se tornam “a solução” sob o olhar do mercado. Nesse sentido, a cidade é encarada senão como um importante meio do processo de acumulação capitalista, pois não é vista na sua totalidade, constituída que é por realidades sociais multifacetadas.
Isso significa que, ao assumir o protagonismo do planejamento e da governança dos Cirs, o capital privado vai muito além de apenas construir empreendimentos segmentados para o mercado de alto padrão (residencial, comercial ou de serviços). Na verdade, ele cada vez mais passa a atuar no ramo que os promotores imobiliários denominam “desenvolvimento urbano”, ou seja, também assume a gestão condominial e planeja meticulosamente os serviços e os produtos que serão oferecidos nesses espaços, numa busca de estabelecer uma relativa autossuficiência diante do restante da cidade. Além disso, devido ao longo tempo que leva a implantação de um Cirs (que pode transcorrer 30 anos ou mais), há inúmeros riscos aos quais os capitalistas se expõem. Nesse caso, assegurar o controle urbano e ambiental, a gestão condominial e os serviços de alto nível que vão ser oferecidos na área interna do Cirs e atrair parceiros qualificados para assumirem os investimentos-âncora são condições essenciais para a perenidade do negócio.
Acesse o artigo completo Planejamento urbano empresarialista em complexos imobiliários, residenciais e de serviços: a Reserva do Paiva em análise no site da Revista Cadernos Metrópole.