Nas últimas duas décadas, as profundas e abrangentes transformações sociais, econômicas, políticas, institucionais, simbólicas e de modos de vida, nas diversas escalas espaciais, provocaram impactos marcantes na produção social do espaço. Novas dinâmicas urbanas e regionais ocorreram ou estão em processo. Que programas de pesquisas são requeridos para buscar responder a problemáticas tão complexas e mutantes? Que dimensões da realidade captar? Que múltiplos olhares são possíveis sobre o espaço? Essas questões estão no centro das análises da edição nº 37 da Revista Cadernos Metrópole, que traz o dossiê especial “Planejamento Urbano e Regional: percursos e desafios”. Para a Rede INCT Observatório das Metrópoles, o lançamento desta edição da CM busca refletir sobre os novos pontos de investigação no campo do planejamento urbano e regional, a partir da interface das transformações recentes nos espaços das cidades e regiões sob análise.
A Revista Cadernos Metrópoles começou o ano de 2016 com novidades. A publicação que, recebeu a qualificação A2 na Plataforma Periódica Qualis em 2015 e passou a ser indexada nas plataformas SciELO Brasil, Redalyc e Latindex – agora tem periodicidade quadrimestral. O objetivo é ampliar a sua difusão científica e se consolidar como uma das mais importantes publicações científicas na área dos estudos urbanos e metropolitanos.
A terceira edição de 2016 traz como destaque o Dossiê “Planejamento Urbano e Regional: percursos e desafios”, que joga luz sobre os rumos da pesquisa nesse campo de estudo, a partir das transformações sociais, econômicas, políticas, institucionais, simbólicas e de modos de vida, nas diversas escalas espaciais, provocaram impactos marcantes na produção social do espaço.
Segundo o professor Carlos Antônio Brandão (IPPUR/UFRJ), organizador da CM 37, regiões e cidades foram profundamente impactadas desde o início dos anos 2000 por velhos e novos processos. Transformações econômicas, grandes projetos de investimento, novas relações fundiárias e imobiliárias com o processo de financeirização, provisão de bens e serviços e de infraestrutura urbana, movimentações populacionais, lógicas em rede, aparecimento de novas formas de organizar a produção, mudanças na ação do Estado, metamorfoses culturais, renovadas modalidades de lutas socioespaciais, etc.
“Nesse contexto, são imensos os desafios de análise para buscar entender permanências, inércias e rupturas naqueles processos de transformação em variadas dimensões, com impactos socioespaciais marcantes”, aponta e completa:
“Que programas de pesquisas são requeridos para buscar responder a problemáticas tão complexas e mutantes? Que dimensões da realidade captar? Que múltiplos olhares são possíveis sobre o espaço?”
Nesse contexto de intensas alterações da realidade, o novo número da Revista Cadernos Metrópole convidou pesquisadoras e pesquisadores das diversas áreas de conhecimento que abordam a questão urbana e regional para trazerem suas contribuições para esse importante debate sobre os pontos imprescindíveis da agenda renovada de investigações e reflexões acerca das transformações recentes nos espaços das cidades e regiões sob análise.
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Acesse no link a edição completa da Revista Cadernos Metrópoles nº 37.
A seguir uma parte da apresentação da nova edição assinada pelo professor Carlos Antônio Brandão (IPPUR/UFRJ).
CADERNOS METRÓPOLE Nº 37
Abrindo a coletânea da Cadernos Metrópole 37, o artigo A centralidade das aglomerações metropolitanas na economia globalizada: fundamentos econômicos e possibilidades políticas, de Daniel Sanfelici, propõe uma discussão teórica sobre as forças econômicas que reiteram a centralidade da metrópole no processo de globalização e sobre as possibilidades e limites da ação política local. Afirma que, em que pese a infinidade de previsões sobre o iminente declínio da importância das grandes cidades, estas últimas se mantêm como nós privilegiados do desenvolvimento econômico. Examina os fundamentos econômicos da aglomeração espacial e discute como essas mesmas forças econômicas, mediadas pela ação pública local, estruturam o espaço intraurbano. Arremata, vislumbrando as possibilidades abertas à ação pública local, ressaltando que, para ser eficaz, deve ser concebida, ao mesmo tempo, como transescalar e multidimensional.
Em seguida em Governance in an emerging suburban world, Pierre Hamel e Roger Keil partem da afirmação de que as cidades são crescentemente definidas pelas suas periferias. A produção dos espaços suburbanos, através de diversas modalidades de governança (Estado, acumulação de capital e autoritarismo privado), vem transformando cidades-região de maneiras inesperadas. A diversidade de formas espaciais que moldam o desenvolvimento suburbano traz novas escalas para a compreensão das questões urbanas. Os autores tratam dessas questões emergentes a partir do caso canadense, abrindo importante perspectiva para estudos comparados.
Ao problematizar a organização territorial ancorada em eixos de infraestrutura propostos pelo poder público e demonstrar as relações entre reestruturação produtiva e configuração do território, o artigo Eixos: novo paradigma do planejamento regional? Os eixos de infraestrutura nos PPA’s nacionais, na Iirsa e na macrometrópole paulista, de Jeferson Cristiano Tavares, procura analisar, em diferentes escalas e com recortes espaciais, o papel dos eixos: nos PPA’s, no âmbito federal; no programa Iirsa, no âmbito continental; e o Plano de Ação da Macrometrópole Paulista (PAM 2013- 2040), no âmbito estadual. O artigo afirma a consolidação de um protagonismo em curso do eixo como elemento estruturador da organização territorial nessas diferentes escalas.
Por meio de análise bibliométrica, o artigo La gentrificación en los estudios urbanos: una exploración sobre la producción académica de las ciudades, de Félix Rojo Mendoza, procura analisar a recente produção científica sobre o processo de gentrificação. O autor ressalta a utilização, por vezes, livre, imprecisa e generalizada do termo que ganhou crescente relevância nos últimos anos. A gentrificação, que implica reestruturação urbana com deslocamento e substituição de classes sociais no espaço, vem sendo utilizada para também caracterizar processos às vezes muito distintos. Entre outras contribuições do autor para o debate, está o questionamento sobre se é possível seguir utilizando esse termo ou se seria necessário renomear tais processos de transformação urbana nos diversos contextos socioespaciais.
O artigo Revendo o uso de dados do IBGE para pesquisa e planejamento territorial: reflexões quanto à classificação da situação urbana e rural, de Caroline Krobath Luz Pera e Laura Machado de Mello Bueno, por meio de uma discussão sobre as transformações relativas ao uso da terra no processo de expansão urbana da Região Metropolitana de Campinas, observa a relevância das informações coletadas e as dificuldades de classificação colocadas pela dicotomia urbano-rural quanto à situação dos setores censitários propostos pelo IBGE e apresenta os limites e as possibilidades desses dados para o mapeamento de tendências de crescimento metropolitano. Aponta as possibilidades para reorganização da classificação, para caracterizar as desigualdades do espaço urbano, sugerindo que o uso desses dados poderá ser mais efetivo para construção e avaliação de políticas públicas municipais e metropolitanas.
O artigo Planeamiento territorial sostenible: un reto para el futuro de nuestras sociedades: criterios aplicados, de Adrián Ferrandis Martínez e Joan Noguera Tur, assevera a necessidade de planejar adequadamente o desenvolvimento territorial, ante o modelo socioprodutivo dominante, como a única maneira de ter territórios mais sustentáveis e de alcançar e manter o bem-estar da população. Ao refletir sobre essa premência, destaca a importância do planejamento territorial como um instrumento fundamental para a evolução sustentável dos territórios, avançando na definição de critérios de sustentabilidade fundamentais para a execução de ações consequentes.
O artigo O fim das favelas? Planejamento, participação e remoção de famílias em Belo Horizonte, de Clarice de Assis Libânio, analisa as políticas públicas e o planejamento para as áreas de favelas em Belo Horizonte nos últimos anos e os seus resultados paradoxais. Demonstra que houve um processo de desfavelização, com avanços na consolidação urbanística das favelas e na provisão de serviços públicos, porém observa que tais ações não encontraram correspondência no que diz respeito à apropriação e ao uso do espaço urbano como direito fundamental. Defende que houve uma inflexão nas práticas governamentais nesses espaços com, de um lado, a garantia do direito de permanência das famílias no local e, de outro, o aumento do direito de participação cidadã nas decisões a elas afetas, mas sem o enfrentamento de questões substantivas do direito mais amplo à cidade.
A partir de uma análise crítica dos Cirs – Complexos Imobiliários, Residenciais e de Serviços, o artigo Planejamento urbano empresarialista em complexos imobiliários, residenciais e de serviços: a Reserva do Paiva em análise, de Adauto Gomes Barbosa, aborda as características e as consequências desses empreendimentos plurifuncionais e a governança urbana desse planejamento urbano empresarialista que resultou na concepção do Cirs Reserva do Paiva, na Região Metropolitana do Recife. Frutos de uma interescalaridade das ações, os Cirs resultam da ação de distintos agentes e de uma eficiente articulação com o poder público. Evidencia-se o protagonismo privado, ainda que o Estado seja fundamental como agente regulador e viabilizador do negócio. Ao serem concebidos e produzidos sob a tônica do exclusivismo socioespacial, constituem-se em resposta conservadora ao planejamento urbano, que nega a cidade como totalidade, não contribuindo para o enfrentamento de seus problemas estruturais.
Com o objetivo de procurar estabelecer algumas distinções epistemológicas entre os corpos disciplinares da geografia e da arquitetura, que têm como objeto o espaço, o artigo O espaço na geografia e o espaço da arquitetura: reflexões epistemológicas, de Lucia Leitão e Norma Lacerda, ressalta que nas últimas quatro décadas o conceito de espaço se tornou alvo de análises críticas explícitas por parte dos geógrafos, com possíveis diferenciações desse conceito quando confrontado com a formulação teórica dos arquitetos. As autoras procuram indicar e discutir as especificidades teórico-metodológicas de ambos os campos do conhecimento espacial, ressaltando a necessidade das aproximações disciplinares e da explicitação das premissas conceituais que emergem do urgente diálogo entre essas disciplinas.
A reforma do Ver-o-Peso, principal símbolo do Centro Histórico de Belém, é analisada em Quando o projeto disfarça o plano: concepções de planejamento e suas metamorfoses em Belém (PA), de autoria de Ana Cláudia Duarte Cardoso, Taynara do Vale Gomes, Ana Carolina Campos de Melo e Luna Barros Bibas. O artigo busca dialogar com as concepções de cidade, as intervenções conduzidas pelos grupos políticos locais, as coalizões com o setor privado e a mídia local. Aponta tensões e disjuntivas entre as várias concepções em disputa: de apropriação da paisagem e dos espaços públicos com melhoria da vida cotidiana das pessoas do lugar versus a mercadificação das orlas e dos espaços verdes e a produção do espaço artificial e espetacularizado de deleite do visitante, etc. Demonstra como a esfera política pouco considera, atualmente, o ambiente urbano amazônico em sua complexidade, não abrindo espaço para uma abordagem da modernização de Belém atenta à participação popular, à festa inclusiva e à sociobiodiversidade local.
A partir do estudos dos casos das cidades de Salvador, no Brasil, e do Porto, em Portugal, discutindo os condicionantes que permitiram estruturar programas ou políticas públicas continuadas, com significativos resultados nos processos de reabilitação e preservação, o artigo Habitação em centros históricos: um desafio à integração das políticas públicas, de Lucia Maria Machado Bógus e António Miguel Lopes de Sousa, contextualiza as formulações programáticas e os fundamentos conceituais a elas associados da habitação, entendida como política pública integrada, de forma a compreender a relevância das práticas de planejamento urbano que integram a questão habitacional, suas formas de articulação e impactos nos processos de sociabilidade e de revitalização funcional daqueles centros históricos sob análise.
A ideia de paisagem relaciona-se diretamente com a era moderna. Entre aproximações e distanciamentos, o sentimento da paisagem (stimmung) resulta de um longo debate que coloca em questão a racionalidade definitiva do mundo. A conflitualidade latente entre razão e emoção leva Kant a admitir a possibilidade da apreensão suprassensível da natureza. Sulzer e Herder alinham-se com ressalvas nessa direção, reconhecendo a existência de prazer ou de excitação, provocados a partir da interação exterior. Carus, a partir de então, refere-se diretamente ao sentimento da paisagem, apoiado em influências cruzadas de Goethe e Humboldt. O artigo Em busca do sentimento da paisagem, de Margareth Afeche Pimenta, reflete sobre a trajetória que poderia ter conduzido à elaboração do sentimento da paisagem, acompanhando essa trajetória de elaboração conceitual, reconhecendo à pintura a capacidade de suscitar, em Carus, o estímulo para a apreensão sensível do mundo.
O artigo Artistas de rua: trabalhadores ou pedintes?, de Bruno Buscariolli, Adele de Toledo Carneiro e Eliane Santos, em uma criativa pesquisa de etnografia urbana, apresenta as principais características da interação entre artistas de rua e o público em diferentes horários, localizações e tipos de arte, utilizando-se do método da observação. A pesquisa evidenciou que a performance dos artistas de rua é um fenômeno democrático, porém, de modo geral, esses profissionais são ainda vistos pela população como pedintes, e não como pessoas de carreira artística em construção. Foram também verificados o perfil social dos espectadores, o tipo de arte que apreciam e a localização geográfica da atuação.
Por fim, o Grupo de Pesquisa Modernidade e Cultura – GPMC, coordenado pelo professor Frederico Araujo, apresenta o artigo Caosgrafias cidade, um modo de construção coletiva de discursos que navega entre ciência, arte e filosofia. Aciona a prática cartográfica como trama de afectos, associada à noção de caos como possibilidade do devir. Como modo “caótico” de composição de grafias enquanto potência para criação de discursos, como uma aventura corpóreo-palavreira, que busca instaurar tensionamentos no processo de instituição e narrativa do objeto experienciado. As caosgrafias são, assim, inventadas como “acontecimentos desconstrução”, exercitando esse modo caosgráfico de construção de discursos com o tema “cidade”.
A chamada do presente número de Cadernos Metrópole contou com 68 trabalhos submetidos, o que exigiu mais de 140 pareceres. Gostaria de agradecer aos pesquisadores que atenderam à chamada e aos pareceristas que realizaram um trabalho de alta qualidade, o que possibilitou apresentar um abrangente balanço das temáticas emergentes no campo dos estudos urbanos e regionais, que deixa aqui essas importantes reflexões para nossa agenda de investigações, futura e coletiva.
Carlos Antônio Brandão Organizador