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O INCT Observatório das Metrópoles divulga o livro “Planejamento e conflitos urbanos — Experiências de luta”, organizado pela equipe do NEPLAC/ETTERN, vinculado ao IPPUR/UFRJ. Através de relatos e análises de diversos conflitos urbanos e experiências de planejamento contra-hegemônico, a publicação aborda três grandes temas, que podem ser sinteticamente enunciados como segue: os significados da cidade e da urbanidade na contemporaneidade; o lugar e papel do conflito na produção e reprodução da cidade contemporânea; os sentidos e apropriações possíveis das metodologias, técnicas e linguagens do planejamento. Segundo Carlos Vainer, o livro não traz modelos nem receitas, mas “experiências inspiradoras, que mostram ser possível reinventar nossas cidades e nosso planejamento através do conflito e da ação coletiva no espaço público, isto é, da política”.

O livro “Planejamento e conflitos urbanos — Experiências de luta” é mais um resultado do Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza (ETTERN/IPPUR/UFRJ), tendo sido publicado pela Editora Letra Capital.  A publicação é organizada por Fabricio Leal de Oliveira, Fernanda Sánchez, Giselle Tanaka e Poliana Monteiro, e analisa temas como conflito urbano, empresariamento urbano, o planejamento urbano competitivo, os grandes projetos urbanos, as parcerias público-privadas; remoções, resistências, e a utopia da cidade insurgente, conflituosa e rebelde.

Nome: Planejamento e conflitos urbanos – Experiência de luta

Autor: Fabricio Leal de Oliveira, Fernanda Sánchez, Giselle Tanaka, Poliana Monteiro (orgs.)

Editora: Letra Capital

ISBN: 978-85-7785-468-4

Páginas: 418

APRESENTAÇÃO

Por Carlos Vainer, Professor Titular do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Coordenador do Núcleo Experimental de Planejamento Conflitual/Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza (NEPLAC/ETTERN/IPPUR/UFRJ)

Através de relatos e análises de diversos conflitos urbanos e experiências de planejamento contra-hegemônico, este livro aborda três grandes temas, que podem ser sinteticamente enunciados como segue: os significados da cidade e da urbanidade na contemporaneidade; o lugar e papel do conflito na produção e reprodução da cidade contemporânea; os sentidos e apropriações possíveis das metodologias, técnicas e linguagens do planejamento. Examinemos cada um destas temas rapidamente.

Para falar do significado da cidade e da urbanidade, recorremos em primeiro lugar ao mito da fundação de Roma. Após ter cavado um fosso circular, o rei “lança neste o torrão de terra por ele trazido da cidade de Alba. Depois, aproximando-se, cada um dos seus companheiros lança, por sua vez, como Rômulo o fizera, um pouco da terra trazida do país de origem” (FUSTEL DE COULANGES, 1975, p. 107). Neste ato, todos abdicam de sua origens e firmam o pacto urbano: pacto de reunião do diverso.

Poderíamos também lançar mão da definição clássica fornecida pela Escola de Sociologia Urbana de Chicago: “para fins sociológicos, uma cidade pode ser definida como um núcleo relativamente grande, denso e permanente de indivíduos socialmente heterogêneos” (WIRTH, 1973, p. 108).

O que dizer da cidade em que se está destruindo a densidade heterogênea, ou, se se prefere, a heterogeneidade densa? Não é por isso que assistimos nos intensos e rápidos processos de aprofundamento das desigualdades urbanas? Não é este o resultado das dinâmicas que impulsionam de forma simultânea e necessariamente complementar a valorização simbólica (aburguesamento) e econômica (renda da terra) de certas áreas, decorrente de remoções/expulsões dos pobres — leia-se “limpeza social e étnica? No lugar de cidades, emergem cidadelas: ou condomínios fechados dos ricos, as “zonas perigosas” dos pobres.

Nestas circunstâncias, não seria exagero afirmar que a cidade contemporânea é vítima de urbanicídio, de que são responsáveis o empresariamento urbano, o planejamento urbano competitivo, os grandes projetos urbanos, as parcerias público-privadas. Esta é uma das narrativas que se pode extrair dos relatos reunidos neste livro.

No que concerne ao lugar e papel do conflito urbano, o que se impõe reconhecer é que os casos estudados mostram o permanente e inexorável fracasso das tentativas de banimento da política e do conflito do espaço urbano. A utopia da cidade “pacificada” porque submissa e acomodada às lógicas e dinâmicas do mercado, a utopia da cidade empresa e das parcerias público-privadas sucumbem, ambas, diante de resistência incessantes, mesmo quando fragmentadas e aparentemente condenadas a priori à derrota. A polis se insurge contra a city, o conflito se instaura nas frestas e margens de uma ordem sempre imperfeita e incompleta, por mais autoritária e totalitária que pareça e se pretenda.

Na contramão da utopia da cidade pacificada emerge (e às vezes submerge) a utopia da cidade insurgente, conflituoso, rebelde. Nas lutas contra remoções, nas resistências ativas ou passivas aos processos de expropriação e privatização de espaços urbanos e cerramentos dos comuns, a cidade reafirma sua vitalidade e urbanidade.

A amplitude, diversidade e persistência dos conflitos lançam luz sobre a natureza das novas retóricas e tecnologias que pretendem produzir e impor consensos através da chamada “prevenção e mediação” de conflitos. Trata-se de conquistar a adesão pela imposição de um cálculo suposto realista que demonstraria ser a relação custo/benefício do consenso (acordo) sempre mais favorável que a do confronto. Os grupos subalternos devem, em consequência, agir racionalmente, isto é, abdicar de se constituírem em sujeitos coletivos (políticos) e adotar o modelo negocial. Aqui, mais do que nunca, busca-se fazer com que a política ceda o lugar e seja colonizada pelo mercado — no caso, pelo modelo das relações mercantis.

Nosso terceiro e último grande tema é o do planejamento. Tema caro a um conjunto de pesquisadores, professores e estudantes reunidos no Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ. Interpelar o próprio campo acadêmico e profissional no qual estamos situados e com cujos integrantes queremos manter o diálogo nos impõe perguntar, a nós mesmos e aos nossos colegas: afinal de contas, a quem vem e a que serve o planejamento? estarão suas metodologias, técnicas e linguagens destinadas apenas a desenhar e impor um projeto que produz e reproduz a desigualdade urbana? Estarão ancoradas inexoravelmente à projeção territorial dos interesses das coalizões urbanas dominantes?

Os capítulos que seguem podem ser lidos como relatos de experiências em que diferentes movimentos e grupos sociais apostaram em que essas metodologias, técnicas e linguagens podem ser apropriadas, ressignificadas e, desta forma, servir ao agenciamento de projetos e ações que desafiam a ordem urbana dominante. Não se está falando de mera participação nos marcos do planejamento oficial, que impõe regras e limites, mas de construir alternativas. Planejamento insurgente, que surge de baixo para cima numa lógica e dinâmica que se constituem no processo mesmo da confrontação. Planejamento que constitui o sujeito coletivo (planejador) que o elabora.

Se isso faz sentido, a aponta caminhos a serem explorados, é porque afirma que não é apenas a cidade que é arena e objeto de conflito, mas também o planejamento. A disputa se estende, pois, ao campo acadêmico, teórico e técnico. O planejamento conflitual oferece um terreno em que a prática da crítica ao planejamento dominante se alia à crítica prática da cidade, promovida hoje sobretudo, em primeiro lugar, por aqueles movimentos que, de uma maneira ou de outro, perseveram na defesa da cidade e da urbanidade que a cidade empresa está destruindo.

Cidade, conflito e planejamento, é disto que trata este livro. Pode e deve ser lido por especialistas. Pode e deve ser lido por leigos. Mas deve ser lido sobretudo pelos que estão engajados nas lutas por uma cidade mais justa e igualitária, emancipada e emancipatória. Não traz modelos nem receitas, mas traz experiências inspiradoras, que mostram ser possível reinventar nossas cidades e nosso planejamento através do conflito e da ação coletiva no espaço público, isto é, da política.

Para mais informações sobre o livro, acesse o site da Editora Letra Capital.

 

Última modificação em 20-03-2017 22:42:48