Neste artigo de Mariana Werneck e Orlando Alves dos Santos Junior são mostradas as experiências de locação social com base no direito à moradia em São Paulo e em outros países do mundo, assim como as perspectivas desse programa para o Plano de Habitação de Interesse Social do Porto Maravilha na cidade do Rio de Janeiro. O artigo é derivado da reunião temática que ocorreu em 9 de julho deste ano com a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (CDURP).
Plano de habitação de Interesse Social: desafios e perspectivas para um programa locação social
Mariana Werneck
Orlando Santos Junior
A última reunião temática para produção do Plano de Habitação de Interesse Social do Porto (PHIS Porto), ocorrida na última quinta-feira (09/07), foi reservada ao tema locação social. Para esta reunião, o Observatório das Metrópoles foi convidado a fazer uma pequena apresentação sobre locação social na perspectiva do direito à moradia, seguida pela fala do presidente da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (CDURP), Alberto Silva, que então expôs como o tema vem sendo trabalhado para o plano.
O programa de locação social do Porto Maravilha será voltado para estudantes de universidades públicas ou do sistema FIES, além de famílias com renda mensal de até oito salários mínimos. O programa ainda será estendido para a locação de espaços comerciais, atendendo agentes culturais da região e micro e pequenos empresários – uma iniciativa, de acordo com Alberto, coerente com os imóveis preservados pelo Projeto SAGAS, que são, em sua maioria, sobrados com comércio em seu pavimento térreo.
As fontes de recursos previstas para sua viabilização ainda estão em discussão, mas incluem, inicialmente, financiamento público, com participação do BNDES, e financiamento de organismos de cooperação internacional ou multilateral, tal como o Banco Interamericano. Também são estudados instrumentos que determinem contrapartidas do setor privado e a alienação de imóveis da Prefeitura localizados em outras partes do município, assim como rendimentos advindos de operações financeiras.
A reunião contou ainda com um anúncio importante: o compromisso da CDURP em organizar uma Conferência Municipal que tenha como objetivo debater a primeira versão do PHIS Porto. A organização da Conferência será pauta da próxima reunião do Conselho Gestor do Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social, a ser realizada no dia 24 de julho. Demanda colocada pelos movimentos sociais ao longo das reuniões temáticas do PHIS Porto, a ideia de uma Conferência Municipal não estava prevista inicialmente no processo de elaboração do plano, e é uma boa oportunidade de expandir os canais de participação popular.
Experiência ainda incipiente no Brasil
Enquanto forma de assegurar a provisão habitacional permanente, garantindo assim o direito à moradia, a locação social ainda é uma experiência insipiente no Brasil – reflexo da produção pública de habitação social baseada na propriedade privada e individual. Aqui, o aluguel social é utilizado majoritariamente como forma de acesso temporário à habitação, beneficiando famílias atingidas por catástrofes e desastres, ou removidas em decorrência de obras e políticas públicas.
Segundo a Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH) do governo estadual do Rio de Janeiro, o auxílio pode ser concedido por um prazo de até 12 meses, e seu valor varia de R$ 400 a R$ 500, desde que a renda familiar total não ultrapasse cinco salários mínimos. A SEASDH ainda determina que a provisão do aluguel social seja definida a partir da celebração de Termo de Cooperação Técnica, assinado entre o ente estadual e as municipalidades. Em âmbito municipal, o aluguel social, regulamentado por decretos e portarias municipais, segue os mesmos moldes.
Aqui, este modelo restrito e temporário de aluguel social é largamente utilizado. Em abril de 2015, mais de 12 mil famílias recebiam o benefício em todo o Estado, conforme dados da SEASDH[1]. Dentre elas, estão famílias atingidas pelas fortes chuvas de 2013 ou impactadas por obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em comunidades como Pavão-Pavãozinho, Manguinhos e Complexo do Alemão.
A locação social em outros países do mundo
Para além do aluguel social como política emergencial, outros países do mundo empregam de modo sistemático a locação social como política para assegurar o direito à moradia de sua população. São políticas com desenhos os mais variados, apresentando distinções tanto entre países como entre cidades de um mesmo país. Elas podem incluir um parque imobiliário de locação pertencente aos agentes públicos ou credenciados (em geral, sem fins lucrativos), como também a previsão de sistemas de subsídios para acesso ao parque privado de aluguel. Nesse último caso, muitas vezes a continuidade do benefício está vinculada à determinada situação social, como desemprego ou baixa renda.
Em toda União Europeia, o estoque de habitações de aluguel social chega a atender um quinto das famílias, enquanto o percentual de imóveis ocupados pelo próprio proprietário limita-se a pouco mais da metade do estoque total, atingindo 56%. Nestes países, a política de habitação social enfatiza, sinteticamente: a crescente elaboração de regulações que estabeleçam normas mínimas de habitabilidade; a imposição de limites aos alugueis do setor privado; a concessão de alugueis de habitação social (com exceção dos países do Mediterrâneo e Bélgica); e a oferta de subsídios individuais, a partir da adoção de políticas de cunho neoliberal.
Mas as características comuns não expressam a diversidade encontrada nos países europeus. No tocante à estrutura de suas políticas de habitação social, os países pertencentes à União Europeia podem ser divididos em quatro grupos[2]:
- Países Baixos, Suécia e Reino Unido caracterizam-se por uma grande intervenção estatal, detendo os maiores estoques de habitação social na Europa. Os respectivos governos gastam mais de 3% do PIB nas suas políticas de habitação, e a oferta de aluguel social é fundamentalmente pública;
- Áustria, Dinamarca, França e Alemanha combinam a atuação do setor público e do mercado, ou seja, a oferta de aluguel social é tanto pública quanto privada, neste caso subsidiada. As despesas públicas com habitação social se mantêm entre 1% e 2% do PIB;
- Irlanda, Bélgica, Itália, Finlândia e Luxemburgo contam com a participação majoritária do setor privado na oferta de aluguel social, enquanto a oferta pública é reduzida. Cerca de 1% do PIB destes países é empregado em habitação social;
- Portugal, Espanha e Grécia têm um setor particularmente grande de proprietários, enquanto o número de habitações destinadas para aluguel social é mínimo. Os recursos públicos destinados à política habitacional não chegam a 1% do PIB.
São arranjos diferenciados, que todavia apontam para novos horizontes. Isso porque, ao estruturar programas de locação social, é possível interferir no mercado de preços de aluguel, evitando que a população de baixa renda seja expulsa pela valorização imobiliária. A propriedade, quando pública ou privada sob a forma de cooperativas, ainda desestimula a revenda das unidades para famílias com maior poder aquisitivo, que acaba por promover a elitização. Nesse sentido, são de suma importância para a promoção de cidades mais justas, inclusivas e democráticas, e uma inspiração para o Porto Maravilha.
A experiência inovadora de São Paulo
Outra experiência capaz de fornecer lições valiosas para o PHIS Porto, encontra-se logo ao lado, em São Paulo. Primeira e única experiência brasileira a contar com um parque público de habitação social, o programa de locação social da capital paulista é ainda reduzido em tamanho, mas já apresenta gargalos a serem superados.
Iniciado na gestão de Marta Suplicy, em 2002, o programa contou inicialmente com cinco empreendimentos, totalizando 853 unidades habitacionais. Parque dos Gatos e Olarias foram entregues em 2004, e Vila dos Idosos foi concluído em 2007; outros dois conjuntos foram viabilizados por meio de reforma: Asdrúbal Nascimento e Senador Feijó, ambos inaugurados em 2009. Mais recentemente, o prefeito Fernando Haddad incorporou um novo empreendimento ao programa, o Palacete dos Artistas, o qual abriga 50 artistas acima dos 60 anos e com renda familiar de 1 a 3 salários mínimos[3]. De modo geral, esses empreendimentos podem ser divididos em dois grupos diferentes, no que se refere ao porte, ao público-alvo e ao seu grau de participação.
De um lado, Vila dos Idosos, Asdrúbal Nascimento e Senador Feijó podem ser consideradas experiências exitosas. “As modelagens em menor escala e o direcionamento para uma demanda específica, possuidora de renda mínima ou com alguma participação no processo de formação do empreendimento, possibilitou um melhor controle de gestão e bons resultados em relação à sustentabilidade dos conjuntos”, afirma Simone Gatti, em texto para o blog Observa SP.
De outro, encontram-se Parque dos Gatos e Olarias. Caracterizados como de média e grande escala e destinados a atender famílias de 0 a 3 salários mínimos, como moradores de favelas e população em situação de rua, os empreendimentos apresentam graves problemas de gestão. Sem renda mínima para arcar com os custos da nova moradia, que incluem as taxas condominiais, a grande maioria dos moradores é inadimplente – o que, pela regulamentação do programa os torna inaptos a continuar assistidos. Além disso, observa-se neles a ocupação irregular, muitas vezes por meio de operações de compra e venda ilegais junto às famílias que residiam originalmente nos apartamentos.
Recomendações para o Plano de Habitação Social do Porto Maravilha
As experiências internacionais, assim como a experiência da capital paulista, fornecem subsídios para o programa de locação social do PHIS Porto. Algumas já foram previstas pela CDURP, outras devem ser absorvidas e desenvolvidas. São elas:
- Adoção de uma política de aluguel social como provisão habitacional permanente por meio de um parque público de habitações, garantindo o direito à moradia e combatendo processos de especulação imobiliária e gentrificação;
- Construção de empreendimentos de pequena escala, voltados para demandas específicas, como estudantes, idosos, pessoas que trabalhem no centro etc.;
- Emprego de formas de gestão participativas com os beneficiários, englobando também a Prefeitura, o que facilita a fiscalização e a manutenção dos empreendimentos;
- Combinação de políticas de geração de renda, de modo a assegurar a capacidade de pagamento dos moradores, em especial aqueles com maior vulnerabilidade; e
- Instituição de um fundo, a partir dos alugueis recolhidos, que possa subsidiar os custos de manutenção dos imóveis.
[1] Cf. http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2015/04/19/mais-de-12-mil-familias-recebem-aluguel-social-no-rj-o-valor-e-suficiente.htm
[2] Cf. http://www.europarl.europa.eu/workingpapers/soci/w14/summary_pt.htm#top
[3] Cf. https://observasp.wordpress.com/2015/06/22/o-programa-de-locacao-social-em-sp-uma-revisao-necessaria/