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Encontro histórico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), abriu um debate sobre as favelas e comunidades urbanas do Brasil. O evento ocorreu entre 25 e 29 de setembro, em Brasília (DF), e contou com intervenções das pesquisadoras do Observatório das Metrópoles, Betânia Alfonsin e Camila D’Ottaviano. O “I Encontro Nacional de Produção, Análise e Disseminação de Informações acerca das Favelas e Comunidades Urbanas do Brasil”, teve como discussão principal a possibilidade de suprimir o uso da nomenclatura “aglomerado subnormal” (para se referir às favelas) nas bases e materiais de divulgação do Censo 2022. Para Alfonsin, o IBGE teve muita coragem para enfrentar um tema chave e, ao mesmo tempo, um tema tabu. “Apesar de o IBGE ter utilizado tais critérios na coleta de dados do Censo 2022, convocou o encontro para debater o tema com especialistas de todo o Brasil, a fim de divulgar os dados já adotando um novo termo”, explicou.

Segundo a pesquisadora do Núcleo São Paulo, Camila D’Ottaviano, o encontro partiu do consenso que o termo “aglomerados subnormais” é inadequado e precisa ser substituído. “Acredito que a importância do seminário está na disposição da equipe técnica do IBGE em discutir de forma coletiva e colaborativa a potência e, ao mesmo tempo, os desafios na definição de um novo conceito que represente efetivamente esse território presente em 734 municípios brasileiros”, pontuou. De acordo com o IBGE, o objetivo foi promover o diálogo entre diferentes atores envolvidos com a temática, para que sejam pensadas novas abordagens, com debates sobre os desafios, limites e possibilidades envolvendo essa agenda de trabalho. “Foi montada uma programação com uma coordenação científica excelente, seis rodas de conversa e grande diversidade regional, de gênero, raça, orientação sexual, e abrangendo todos os temas-chave da agenda. Foi um privilégio participar desse momento”, ressaltou Alfonsin.

Na imagem, as pesquisadoras Betânia Alfonsin, Suzana Pasternak e Camila D’Ottaviano.

IBGE utiliza o termo “aglomerados subnormais” para se referir às favelas desde 1991

Conforme pesquisadora Betânia Alfonsin, desde 1991 o IBGE utiliza o termo “aglomerados subnormais” para se referir às favelas, utilizando vários critérios para identificar estes territórios que se ligam tanto à insegurança da posse, como à precariedade das moradias, à ocupação desordenada do solo e à carência de infraestruturas essenciais. Para ela, muitas críticas podem ser feitas, tanto ao termo, como aos critérios de identificação dos aglomerados subnormais. Durante sua participação na roda de conversa “Direito à cidade, posse e propriedade nas favelas e comunidades urbanas brasileiras”, no dia 26 de setembro, Alfonsin destacou que o termo aglomerados subnormais é inadequado por instaurar uma inferiorização do outro na expressão, pois é um lugar de ausência. Segundo ela, a expressão “subnormal” tem embutida uma noção de que o “paradigma de normalidade” é outro lugar da cidade.

“Precisamos adotar um termo novo que parta das formas como as próprias favelas, quebradas e periferias se identificam, valorizando suas potencialidades e, sobretudo, deslocando a visão que vê a falta no território”, afirma. A pesquisadora afirma que é preciso reconhecer que quem “faltou” foram os poderes públicos, que têm competência para promover programas de produção de moradias e de melhorias habitacionais e no saneamento básico. “Nem União, nem estados, nem municípios o fizeram até hoje. Talvez se possa escolher um termo e ao defini-lo demonstrar que ali a população tem dificuldades para exercer seu direito à cidade, exatamente pelas omissões do poder público em tomar as providências necessárias ao atendimento desse direito fundamental”, completa Alfonsin.

Roda de conversa abordou o uso, apropriação e expectativas em relação às informações produzidas pelo IBGE

A roda de conversa “Uso, apropriação e expectativas em relação às informações produzidas pelo IBGE sobre as favelas e comunidades urbanas brasileiras”, que ocorreu dia 28 de setembro, contou com a participação da pesquisadora Camila D’Ottaviano. Ela iniciou sua fala pontuando as nomenclaturas utilizadas no encontro, quando os participantes se referiam aos aglomerados subnormais. “Vale lembrar que o nome dado aos espaços que chamamos de favela em São Paulo e Rio de Janeiro variam pelo Brasil. Podem ser assentamentos irregulares, populares, autoproduzidos, baixadas, comunidades, favelas, grotas, invasões, loteamentos irregulares, mocambos, palafitas, ressacas e vilas”, aponta D’Ottaviano.

Segundo a pesquisadora, é importante ressaltar, também, as características geográficas, físicas, de infraestrutura, sociodemográficas e de organização social desses territórios, muito distintas nas várias cidades e regiões brasileiras. “Ou seja, a definição de um conceito que expresse toda essa diversidade é um desafio enorme”, observa. Como conclusão do seminário, na Plenária da tarde do dia 28 de setembro, foi aprovado um documento pactuado entre todos os presentes com a consolidação dos encaminhamentos das rodas de conversa e demandas direcionadas ao IBGE a partir dos objetivos centrais. O documento deverá ser divulgado em breve no site do encontro.

De acordo com D’Ottaviano, além das discussões e debates realizados na ocasião, a equipe do IBGE também fez uma consulta via formulário digital durante os dias do seminário, ao mesmo tempo em que realiza uma consulta mais ampla com representantes dos governos municipais e atores locais nos 734 municípios com aglomerados identificados no Censo 2022. A definição final do novo conceito é de responsabilidade da equipe técnica do IBGE, que conta ainda com uma comissão consultiva. Deve ser levado em conta os debates e consultas, mas, também, a operacionalização técnica do conceito. “Tenho certeza de que a equipe técnica do IBGE, que enfrentou o desafio de realizar o Censo 2022 com todas as dificuldades impostas pela falta de recursos e ameaças, e se dispôs a um amplo debate amplo e aberto com os atores mais diversos, definirá o novo conceito com todo cuidado e competência. A bola agora está com o IBGE”, finalizou a pesquisadora.

O evento foi transmitido ao vivo e o registro está disponível em: eventos.ibge.gov.br/infofavela2023/transmissao