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Participação, conflitos e intervenções urbanas

O Observatório das Metrópoles divulga o livro “Participação, conflitos e intervenções urbanas: contribuições à Habitat III”, resultado do trabalho do GT Democracia Participativa, Sociedade Civil e Território e dos pesquisadores do IPEA. A publicação está organizada em quatro eixos: participação e disputas na construção de políticas públicas urbanas; conflitos e tensões nas políticas urbano-metropolitanas; intervenções não-estatais e resistências urbanas; e balanço do Brasil urbano. O livro conta com a contribuição de pesquisadores do Observatório, como Paulo Roberto Rodrigues Soares, Luciano Fedozzi, Thêmis Amorim Aragão, Vanessa Marx e Juliano Pamplona Ximenes.

Segundo a professora Ermínia Maricato (FAU/USP), que assina o Prefácio, os eixos que estruturam o livro mostram que se busca a herança da vida fora do aparelho de Estado: participação, conflitos e intervenções não-estatais. Nesse sentido, “resgata-se a importância da participação política com autonomia. Recupera-se a noção do conflito necessariamente presente na luta pela habitação e pela cidade. Retoma-se a sociedade protagonista na produção do ambiente construído e critica-se o descaso dos operadores do direito em relação às novas leis. E, especialmente, traz novos personagens à cena, mostrando que o novo está nascendo. Nascendo com novidades na forma de se organizar e se comunicar”, aponta Maricato.

Acesse no link o livro “Participação, conflitos e intervenções urbanas: contribuições à Habitat III”.

A seguir a Apresentação da estrutura da publicação.

EIXO 1 — PARTICIPAÇÃO E DISPUTAS NA CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS URBANAS

O primeiro eixo, PARTICIPAÇÃO e disputas na construção de políticas públicas urbanas, está formado por quatro capítulos. No capítulo 1, Heleniza Ávila Campos, Paulo Roberto Rodrigues Soares e Pedro Xavier de Araújo tratam sobre o tema da Governança metropolitana frente os desafios da implemen- tação do Estatuto da Metrópole: uma reflexão a partir da Região Metro- politana de Porto Alegre (RS). Os autores fazem uma reflexão sobre o recente debate do Estatuto da Metrópole, Lei Federal no 13.089/2015 que tem colocado em foco na condição de planejamento e gestão das regiões metropolitanas e das aglomerações urbanas no Brasil. O capítulo tem por objetivo apresentar algumas reflexões sobre o tema da governança metropolitana, considerando o atual contexto em que a sociedade se mobiliza para discutir a regulação e regulamentação destas instâncias no país.

No capítulo 2, Luciano Joel Fedozzi, Priscila de Lima Corrêa e Gilson César Piantá Corrêa tratam sobre a Participação social e a questão urbana: relações de poder entre instituições participativas vinculadas à habitação popular em Porto Alegre. Os autores partem da ideia de que a criação de espaços de participação é um fenômeno de grande proporção no Brasil há pelo menos duas décadas. Nesse contexto, surgem as instituições participativas (IP), com relativo papel no processo de concepção, execução e controle de políticas públicas. Nesse sentido, a questão da efetividade e da qualidade da participação são temas atuais na agenda de investigação sobre as IPs. O artigo objetiva contribuir com a nova agenda sobre a participação abordando as relações entre três instituições participativas em Porto Alegre vinculadas à habitação popular – o Conselho Municipal de Acesso à Terra e Habitação (COMATHAB), o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA) e o Conselho do Orçamento Participativo (COP).

No capitulo 3, Juliano Pamplona Ximenes Pontes, Roberta Menezes Rodrigues, Monique Bentes Machado Sardo Leão e Andréa de Cássia Lopes Pinheiro, pesquisadores da Rede Ipea, trazem o artigo A macrodrenagem da bacia hidro- gráfica da Estrada Nova, Belém-PA, que apresenta o caso de um projeto de urbanização de assentamentos precários, associado à obra de macrodrenagem nessa bacia, uma intervenção urbanística polêmica e contraditória que afeta cerca de 270 mil habitantes, dos quais 44% correspondem a moradores em domicílios situados em aglomerados subnormais. Com financiamento inicial do Banco Interamericano de Desenvolvimento, a macrodrenagem da bacia da Estrada Nova recebeu, posteriormente, inclusão no Programa de Aceleração do Crescimento do Governo Federal (PAC), com outros financiamentos articulados pela Prefeitura Municipal de Belém, planejadora da intervenção. Problemas de continuidade e segurança jurídica do financiamento provocaram sucessivas interrupções da obra civil, bem como resistências comunitárias, remanejamentos e questões infraestruturais e urbanísticas.

O texto discute as contradições e aspectos descritivos e analíticos, do ponto de vista urbanístico, da intervenção na bacia da Estrada Nova, que é também associada a um projeto de parque linear turístico, chamado Portal da Amazônia. A defasagem de quantitativo e medidas de respeito ao direito à moradia, com remoções e remanejamentos não-computados, os frequentes questionamentos sobre provável subavaliação de imóveis a demolir e a concepção conservadora de drenagem urbana implantada, implicando em desenho urbano impactante na morfologia contígua das favelas locais, criam um quadro crítico e um caso em estudo para que se pense o direito à moradia em intervenções urbanas complexas no país.

No capítulo 4, Eber Pires Marzulo e Luisa Duran Rocca apresentam, através do artigo Dos experts a participação cidadã: intervenção urbana de qua- lificação patrimonial e experiência participativa, uma análise de processo participativo em ação de preservação patrimonial de qualificação. A análise sobre o potencial de processos participativos em intervenções de qualificação urbana de caráter de preservação patrimonial tem como referência uma experiência levada por equipe interdisciplinar em processo transdisciplinar. A experiência teve como produto a definição de diretrizes para projeto de requalificação da praça fundacional da cidade de Jaguarão no Rio Grande do Sul na fronteira com o Uruguai. O artigo foi dividido em quatro seções: 1) participação em projetos de qualificação urbana; 2) níveis institucionais envolvidos na experiência de qualificação urbana em Jaguarão; 3) das técnicas de participação ao método de incorporação das diretrizes projetais: os desafios técnicos de equacionar valores, agregar valor ao que já tem valor e inibir processos de segregação e/ou exclusão; 4) problema de níveis institucionais e resistências dos experts. Por último, apresenta-se uma conclusão que problematiza os limites entre formação técnico-acadêmica, interesses governamentais e informações desde a população.

EIXO 2 — CONFLITOS E TENSÕES NAS POLÍTICAS URBANO-METROPOLITANAS

O segundo eixo CONFLITOS e tensões nas políticas urbano-metropo- litanas está formado por três capítulos. No capítulo 5, escrito por Marco Aurélio Costa, o tema central diz respeito ao paradoxo que se observa entre a centralidade socioeconômica do processo de metropolização no país, em suas várias faces, em contraste com a fragmentação e fragilização de governança e da gestão metropolitanas, notadamente pós-Constituição Federal de 1988. No artigo Lições urbanas (ouvidos moucos?), o autor apresenta evidências sobre a permanência do déficit de infraestrutura nas dez principais regiões metropolitanas do país e relaciona esse quadro com as Jornadas de Junho de 2013, a partir do relato do Movimento Passe Livre e de alguns intérpretes qualificados que buscaram compreender as manifestações que tomaram o Brasil. Partindo desse panorama, o artigo faz um diagnóstico crítico da gestão metropolitana no país para discutir as possibilidades da efetivação do direito à cidade nas metrópoles, onde se defende a tese de que essa efetivação depende do entendimento das relações existentes entre a vida na “cidade metropolitana”, nesse espaço que é uma totalidade, e sua gestão, comprometida pela atual fragmentação político-institucional.

Na esteira das discussões em torno dos conflitos e tensões no campo da política urbana, o capítulo 6, elaborado por Igor Pantoja, traz o artigo Monitoramento e advocacy de políticas urbanas pela sociedade civil: a atuação da Associação Casa Fluminense (RJ) frente aos Objetivos de Desenvolvimen- to Sustentável. O artigo apresenta e debate algumas ações desenvolvidas por instituições da sociedade civil de monitoramento e discussão sobre políticas públicas junto ao Estado, além de fazer um breve resgate das políticas de participação social pós-Constituição de 1988, a partir do qual apresenta as ações institucionais destacadas como exemplos de novas interfaces entre sociedade civil e Estado, tendo como referência o monitoramento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), em especial, o ODS 11, a saber, Tornar as cidades e os assentamentos hu- manos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis.

No capítulo 7, Marcelo Kunrath Silva e Camila Farias da Silva apresentam o capítulo “Se a passagem não baixar, a cidade vai parar”: transformações nas manifestações públicas de demandas relacionadas ao transporte coletivo na cidade de Porto Alegre, 1970 – 2013. O capítulo foi elaborado com base nos dados do “Catálogo de repertórios de manifestações públicas de demandas coletivas no Rio Grande do Sul – 1970-2010” e em pesquisa de campo sobre o ciclo de protestos de 2013. O capítulo teve como objetivo identificar e analisar as transformações nas manifestações públicas de demandas relacionadas ao transporte coletivo na cidade de Porto Alegre entre os anos de 1970 e 2013 e demonstrar que, apesar da permanência do tema do transporte coletivo como objeto de demandas sociais ao longo do período pesquisado, as formas, dinâmicas e intensidade das manifestações públicas apresentam profundas variações. Tais variações indicam mudanças significativas no processo de construção e enfrentamento do problema do transporte coletivo e, mais amplamente, da mobilidade urbana na cidade de Porto Alegre.

EIXO 3 — INTERVENÇÕES NÃO-ESTATAIS E RESISTÊNCIAS URBANAS

O terceiro eixo INTERVENÇÕES não-estatais e resistências urbanas apresenta quatro capítulos. O capítulo 8, elaborado pela equipe do Observatório de Remoções da UFABC, sob a liderança de Francisco Comaru, traz o artigo Entre a informalidade e o direito de morar: formas de resistência na Cidade de São Paulo e no ABC. Partindo de uma reflexão acerca da especificidade do processo de urbanização brasileiro, marcado pela ocorrência de cidades segregadas, onde direitos básicos, como habitação, não foram garantidos para grande parte da população, o artigo chama a atenção para as ações de enfrentamento direto – como ocupações de terras e edifícios ociosos – que ocorrem juntamente com a criação e efetivação de leis que conformam estratégias prioritárias de diversos atores sociais e políticos para buscar resolver o problema da habitação nas cidades brasileiras.

Os autores salientam que a base jurídico-institucional, a despeito dos avanços observados, não foi suficiente para promover o direito à cidade e à moradia de parte majoritária da população, inclusive por conta da existência de um judiciário conservador, atrelado a valores patrimoniais. Dentro deste contexto, boa parte da população que acessou seu direito de morar por meio informal, vive continuamente ameaçada de remoção sem o devido atendimento habitacional. Famílias são removidas, muitas vezes de forma violenta, sem atendimento definitivo, desrespeitando-se os laços socioterritoriais construídos por anos. O artigo descreve, assim, os desafios associados a algumas tipologias da cidade informalmente produzida, seja pela insegurança da posse ou por grandes obras e projetos de infraestrutura urbana.

No capítulo 9, Vanessa Marx e Gabrielle Araujo abordam sobre a Democratização do espaço público, ativismo urbano e ocupações na cidade de Porto Alegre. O capítulo busca refletir como vem se constituindo o ativismo urbano e a disputa na cidade por meio de reivindicações pela democratização do uso do espaço público e do direito a cidade através do mapeamento das ocupações na cidade de Porto Alegre. As ocupações no município de Porto Alegre são diversas e com características distintas. O ativismo dos movimentos sociais que reivindicam por moradia e ocupam espaços na cidade vem se modificando tanto na forma de contestação quanto na forma de organização e de articulação com outros movimentos sociais. No artigo, as autoras verificaram a existência de coletivos que surgiram da ocupação recente de prédios urbanos vazios, localizados em áreas centrais da cidade de Porto Alegre, com o objetivo de articular espaços de moradia a espaços de difusão política e cultural e de práticas libertárias e por outro lado movimentos sociais que possuem método de ocupação de terrenos na periferia ou prédios no centro da cidade e que denunciam vazios urbanos e reivindicação de moradias populares.

No capítulo 10, Ana Carolina Maria Soraggi e Thêmis Amorim Aragão trazem o artigo O direito à cidade e as ocupações urbanas: um olhar sobre a Vila Eliana Silva, em Belo Horizonte/MG. O artigo parte de uma reflexão sobre a construção do espaço urbano brasileiro, marcada por frequentes ocupações de terras ociosas e/ou subutilizadas, reflexo de um processo de consolidação do território baseado no modelo centro-periferia, onde o acesso à cidade é constantemente negado à população de renda mais baixa. Nesse contexto, onde a estruturação das políticas públicas de habitação tem se mostrado incompatível com as demandas da população e com a problemática urbana, o artigo apresenta a história da Vila Eliana Silva, localizada na região do Barreiro, em Belo Horizonte, onde ocorreu um conjunto de ocupações urbanas, nos últimos oito anos. A análise do caso da Vila Eliana Silva lança luz sobre a importância das ocupações urbanas como solução habitacional e instrumento de reivindicação do direito à cidade, re- conhecendo que os movimentos sociais de luta pelo direito à moradia e as famílias de baixa renda, moradoras das áreas ocupadas, configuram, por meio de sua ação, agentes produtores do espaço urbano e metropolitano.

No capítulo 11, Ana Mercedes Sarria Icaza, Fabio Bittencourt Meira e Pedro de Almeida Costa tratam sobre Quando o velho e o novo se encontram: alternativas de intervenção urbana. Os autores realizaram pesquisa que objetiva compreender novas experiências de intervenção urbana em sua precipitação, como fenômenos emergentes, para mapear sua funcionalidade / disfuncionalidade à lógica de expansão da cidade e a dinâmica das mercadorias imobiliárias. Utilizam metodologias qualitativas para mapear experiências emergentes que buscam abrir o espaço urbano para a sedimentação de novas formas de vida na urbe. O objetivo foi o de entender em que medida as aspirações e práticas efetivas dessas experiências podem aquiescer aos processos de funcionalização mercantil do espaço urbano nas áreas em que se instalam ou subvertê-los. Os autores analisam a transformação na cidade de Porto Alegre, examinando o caso de uma experiência numa área que passa por processo de gentrificação. A experiência fundamenta-se na chamada economia criativa construindo alternativas de apropriação de um antigo conjunto residencial operário, patrimônio histórico da cidade.

EIXO 4 — HABITAT III BALANÇO DO BRASIL URBANO

Por último, o livro encerra com o eixo HABITAT III – Balanço do Brasil Urbano, trazendo um artigo elaborado por Renato Balbim, intitulado Direito à cidade, participação social e relações internacionais. Nele, o autor propõe uma analise de algumas perspectivas geopolíticas para o cenário urbano mundial que partem do esforço de se conceber uma Nova Agenda Urbana e, sobretudo, em função das recentes e múltiplas relações internacionais entre cidades que se articulam com maior peso político a cada ano. Para empreender essa análise, traz-se um olhar sobre o mundo urbano atual e suas principais prospectivas, com desta- que para a urbanização da África. Segue-se uma recuperação sintética do cenário mundial nas duas Conferências anteriores à Habitat III, para, em seguida, apresentar seu processo de preparação no Brasil, a partir do ponto de vista privilegiado da coordenação da elaboração do Relatório Brasileiro. De posse dessas informações e do cenário urbano que se destacou, finaliza-se com uma analise preliminar acerca da geopolítica internacional das cidades.

Concluindo, o livro busca não ser somente uma contribuição para os debates que serão travados no seio da ONU na Conferência do Habitat III, mas também busca contribuir para os debates e pesquisas que vem ocorrendo no Brasil no campo do planejamento urbano e regional, da sociologia urbana, das políticas públicas, da geografia e da economia. Iluminar experiências de participação, conflitos e tensões nas políticas urbano-metropolitanas e intervenções não-estatais e resistências urbanas é importante para pensar novas políticas públicas nesta área que priorizem os atores sociais como centro da política e a democracia participativa como elemento fundamental na construção de novos paradigmas no Brasil contemporâneo

 

Publicado em Publicações | Última modificação em 28-09-2017 19:38:57