Neste artigo Sônia Maria T. Ferraz e Bruno A. Machado análise das expulsões dos sem-teto, durante a preparação do Rio de Janeiro para sediar a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016, emolduradas pelos conflitos sociais, pelo direito à cidade, superpondo políticas de segurança das elites e desrespeito aos direitos das classes subalternas.
O artigo “Eu não tenho onde morar, é por isso que eu moro na rua. Os ‘sem-teto’: moradores ou transgressores?”, de Sonia Maria Taddei Ferraz e Bruno Amadei Machado, é um dos destaques do Dossiê “Desenvolvimento desigual e Gentrificação na cidade contemporânea”, da Revista Cadernos Metrópole nº 32.
Abstract
This article analyzes the evictions faced by the homeless during the preparations of Rio de Janeiro for the 2014 World Cup and the 2016 Olympic Games, framed by social conflicts in favor of the right to the city, by juxtaposing urban security for the elites and disrespect for the rights of subaltern classes. The media’s and the official discourses classify the homeless as those who “live on the streets”, naturalizing their “home-less” condition and establishing the myth that, despite not having a home, that population inhabit somewhere. This process tends to empty the conflicting nature of the social relations that operate within the cities, such as the real reasons for the economic and social exclusion, thus accentuating opportunities for huge real estate investments in accelerated gentrification processes.
Keywords: homeless; naturalization; eviction; gentrification; media discourse.
INTRODUÇÃO
Por Sônia Maria T. Ferraz e Bruno A. Machado
No Terceiro Mundo áreas urbanas pobres estão sempre com medo dos eventos internacionais de alto nível – conferências e visitas de dignitários, competições desportivas, concursos de beleza e festivais internacionais – que pressionam as autoridades a lançar cruzadas para limpar a cidade. Os moradores das favelas estão cientes de que são a “sujeira”, a “praga” que os seus governos preferem esconder do mundo. Mike Davis (2005)
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O nosso objetivo, antes de tudo, é oferecer uma contribuição para o conjunto de análises recentes, nos mais diversos campos, das políticas públicas de limpeza urbana/humana durante os preparativos da cidade do Rio de Janeiro para sediar os megaeventos esportivos – Copa do Mundo em 2014 e Jogos Olímpicos em 2016.
A análise apresentada constitui um dos desdobramentos da pesquisa Arquitetura da violência e põe em relevo a população excluída sem-teto e instalada nas ruas da cidade do Rio de Janeiro, seja sob o aspecto das suas estratégias de sobrevivência, seja sob o aspecto das intervenções das políticas públicas que, sistematicamente, superpõem segurança urbana e desrespeito aos direitos humanos.
O quadro urbano carioca
Falar dos sem-teto na contemporaneidade da cidade do Rio de Janeiro em seus diferentes aspectos de produção e apropriação dos espaços, implica, também, uma abordagem que considere sua condição de cidade-sede de dois megaeventos esportivos nos próximos três anos, a decorrente “regeneração urbana” (Smith, 2006) em curso, bem como as intervenções de limpeza urbana e humana que têm acompanhado esse processo.
Segundo a “Pesquisa Nacional sobre População em Situação de Rua”, realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome em 2007 e 2008, o Rio de Janeiro apareceu como o município brasileiro com maior número de “moradores de rua” (grifo nosso): 4.585 mil, para uma população total de seis milhões de habitantes. Notícia publicada em 1º de abril de 2014 indicou que o impacto da recente crise financeira mundial empurrou três milhões de latino-americanos abaixo da linha da pobreza.
Evidentemente, o fato reflete, nos diversos países, o aumento do número de sem-teto nas calçadas das grandes cidades. Segundo estimativa do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, os mais recentes números oficiais de “moradores de rua” (grifo nosso) na cidade do Rio de Janeiro são de 2012 e totalizam 6.300 pessoas, o que significa um crescimento de 23,8% em dois anos.
Parte significativa dos 6.300 sem-teto está instalada nas calçadas e praças na Zona Sul carioca, em pleno processo de preparação para os jogos que teve início em 2009, e seriam suficientes para explicitar quem de fato já está pagando pela atual supervalorização imobiliária e pelo embelezamento da cidade como palco para os megaeventos. No quadro das políticas públicas de pretenso ordenamento da cidade, a Prefeitura do Rio de Janeiro criou em 2008 a Operação Choque de Ordem, “com o objetivo de pôr um fim à desordem urbana, combater os pequenos delitos nos principais corredores, contribuir decisivamente para a melhoria da qualidade de vida” na cidade, tendo como foco prioritário o banimento das “classes perigosas”.
O quadro de banimento territorial das populações excluídas marcou as cidades desde o advento da sociedade capitalista moderna, caracterizado pela intensificação de desigualdades e pela exploração da classe operária, via de regra, classificada como perigosa. Guareschi (2001) mostra como, desde a Revolução Indus¬trial, a sociedade capitalista se estrutura através de mecanismos que excluem grande parte da população não apenas do mercado de trabalho, mas dos seus direitos democráticos à cidade e da sua condição humana, distante de qualquer possibilidade de reinserção na sociedade.
A aproximação temporal dos megaeventos se apresenta como uma ocasião excepcional para a legitimação necessária de um ritmo acelerado de “limpeza humana” de áreas urbanas da cidade. Assim, as atuais políticas públicas e sociais no Rio de Janeiro para os “sem-teto” podem ser analisadas também como viabilizadoras da distribuição dos espaços a serviço do mercado imobiliário, na medida em que, como afirma Machado (2004, p. 1), “o desenvolvimento histórico da política social a coloca, no século XXI, como uma política mercantil, totalmente subsumida às determinações do capital.
Em outros termos, é uma política intermediada pelo Estado que visa lucro para o capital privado”, deixando de lado seu caráter original de “garantir espaços de consolidação de atendimentos a necessidades sociais não mercantilizáveis em si mesmas”, que seriam, no caso específico, o direito pleno à cidade e à moradia digna.
Para ler a versão completa do artigo “Eu não tenho onde morar, é por isso que eu moro na rua. Os ‘sem-teto’: moradores ou transgressores?”, acesse a Revista Cadernos Metrópole nº 32.
Última modificação em 18-12-2014