Ruth Maria da Costa Ataide¹
Alexsandro Ferreira Cardoso da Silva²
Esthefanny Emmanuelly Priscylla de Araújo Bezerra³
No último dia 29 de setembro de 2021, o Prefeito da Cidade do Natal, Álvaro Dias, enviou a minuta do novo Plano Diretor de Natal, depois de um conturbado processo de elaboração ocorrido em meio a pandemia da Covid-19. A toda velocidade, o executivo municipal espera que o texto da minuta, agora na forma de Projeto de Lei – PL 09/21, com 261 artigos, seja discutido e votado até o dia 23 de dezembro, dois dias antes do aniversário de 422 anos da Cidade do Natal. Pode ser um “presente de grego”, se os vereadores não conseguirem reverter uma série de problemas, riscos e ameaças contidos nesta proposta (ATAÍDE et al., 2021). Nesta segunda parte, vamos abordar as propostas para o zoneamento urbano contidas no texto que, na prática, foi suprimido do Projeto de Lei 09/2021. O objetivo dessas reflexões é contribuir para um debate qualificado e acessível sobre os riscos do texto submetido ao legislativo, auxiliando os acadêmicos, vereadores e a população na compreensão dos rumos do Planejamento Urbano de Natal e os possíveis efeitos à cidade e ao meio ambiente.
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Importante lembrar, de partida, que o uso e a ocupação do solo urbano são matérias privativas do Município, que exerce seu poder de regulamentar, fiscalizar e punir atos que possam prejudicar ou estar em desacordo com as normas definidas pelos regramentos urbanísticos, entre eles o Plano Diretor, o Código de Obras e o Código do Meio Ambiente. Entretanto, além dessas funções, é dever do Poder Público municipal estabelecer e gerir instrumentos de salvaguarda urbanística e ambiental, de longo prazo, de modo a ampliar a qualidade de vida da sua população. Não é, portanto, matéria desta ou daquela gestão, mas sim de um Planejamento que deve orientar uma justa distribuição do bônus e dos ônus do processo de urbanização. A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) e o Estatuto da Cidade, estabelecido pela Lei 10.257/01 (BRASIL, 2001) oferecem o instrumental para cumprir tais objetivos.
O Zoneamento é um dos mais antigos desses instrumentos, tanto quanto à própria noção de Urbanismo. É utilizado para delimitar diferentes frações da cidade, conforme certas características, funções ou ordenações urbanísticas e ambientais necessárias à aplicação dos demais artigos constantes no Plano Diretor, definido hoje como o principal instrumento de desenvolvimento urbano. É a primeira “base” onde são lançadas as demais estruturas do Plano. Mas, historicamente, há várias formas e modelos de aplicar o zoneamento urbano, que pode definir o uso e a função de uma determinada área, restringir o acesso de veículos ao centro, definir limitações na intensidade de utilização do solo urbano ou, até mesmo, proteger áreas socioambientalmente vulneráveis. Devido a sua importância e alcance não deve o zoneamento ser alterado de modo a perder ou se distanciar de tais fundamentos, ou diminuir as premissas de salvaguardas existentes no Plano Diretor, prejudicando ou impedindo o controle urbanístico da cidade. Como lembra Hely Lopes Meirelles, “O município só deve impor ou alterar zoneamento quando essa medida for exigida pelo interesse público, com real vantagem para a cidade e seus habitantes” (MEIRELLES, 2011, 130).
No Município de Natal, não temos Zona Rural, desde o Plano Diretor de 1984 – Lei 3.175/84 (NATAL, 1984), que passou a considerar o seu território como integralmente urbano. Foi partir deste Plano que o município também teve aprovada a sua primeira Lei de uso e ocupação do solo, estruturada num zoneamento de base racional-funcionalista. Desde então outros planos o sucederam, até o vigente, atualmente em revisão. O PDN 1984 recortava a cidade em diversas Zonas, por uso, função, tipo de instalação fabril ou de serviços, se residencial ou não, etc. A crítica que se fazia a este Plano era, além da setorização funcional dissociada das práticas sociais, a rigidez técnica das prescrições urbanísticas, sem os correspondentes mecanismos de controle e gestão sobre o ritmo do crescimento urbano e as constantes transgressões que o tornava ineficaz.
O Plano Diretor de 1994, estabelecido pela Lei 07/94 (NATAL, 1994), resultou de uma obrigatória revisão do instrumento urbanístico, a luz da Constituição de 1988 e dos novos marcos regulatórios estaduais municipais. Em razão disso e mantendo o zoneamento como base estruturante este Plano estabeleceu dois níveis de orientação e controle do uso e da ocupação do solo: o Macro, definido pelo Macrozoneamento, e o micro, sobreposto ao primeiro e definido pelas Áreas Especiais – AE (ATAÍDE, 2013). Ressalte-se que, diferente do zoneamento funcional do Plano anterior, este desenho de zoneamento materializava as diretrizes do plano, pautadas no cumprimento da função social da propriedade, no equilíbrio do meio ambiente e na adequação da ocupação do solo à infraestrutura instalada. Assim é que o Macrozoneamento dividiu o território em três grandes zonas: Zona Adensável (ZA), Zona de Adensamento Básico (ZAB) e Zona Proteção Ambiental (ZPA). Quanto as AEs, estas estavam sobre alguma das três Macrozonas e, pelas suas características particulares, possuíam prescrições ou orientações próprias. O artigo 6º desta lei especificava ainda que Áreas Especiais eram “porções do território municipal, delimitadas por lei, que se sobrepõe às zonas em função de peculiaridades que exigem tratamento especial” (NATAL, 1994). Portanto, Macrozoneamento e Áreas Especiais são entidades urbanísticas distintas.
Em 2007, a Lei 082/07 (NATAL, 2007) que dispõe sobre o Plano Diretor em vigor, PDN 2007, manteve as três macrozonas e redefiniu as Áreas Especiais como “porções da Zona Urbana situadas em zonas adensáveis ou não, com destinação específica ou normas próprias de uso e ocupação do solo” (art. 20), mantendo o entendimento da Lei 07/94 também para as AEs. Portanto, a legislação existente em Natal desde 1994 consolidou a ideia de um Macrozoneamento e de Áreas Especiais de modo a criar uma norma geral de ordenamento do solo urbano e, sobrepostas, normas especiais sobre o mesmo, quando plenamente justificadas pelas dimensões: social, urbanística, paisagística, cultural ou ambiental. Não se pode falar, assim, em conflito entre Macrozona e Área Especial, na medida em que sua aplicação se dá guiada pelos princípios do equilíbrio e do menor dano, para o maior ganho possível à cidade.
Voltemos ao PL 09/21, que rompe com essa orientação e os princípios do próprio Plano. Sem justificativa técnica ele altera o Macrozoneamento, reduzindo as três zonas atuais em duas: a) Zona Adensável e b) Zona de Proteção Ambiental, e ainda estabelece que todo o território da cidade é passível de algum grau de adensamento, acima do Coeficiente de Aproveitamento 1,0, estabelecido como básico. As ZPAs, no total de dez, são as mesmas definidas na Lei 082/07, com algumas alterações em limites territoriais e na flexibilização nas condições de ocupação. Para essa redefinição do zoneamento O PL 09/21, em seu artigo 12, parte do pressuposto que todas as áreas urbanas possuem condições e disponibilidade de infraestrutura, podendo, assim, prescindir de uma Zona de Adensamento Básico. Internamente a esta única Macrozona adensável, e numa relação inversa a Lei 082/07, cria três “subzonas” que nomeia de “unidades territoriais” (art. 11), sobrepostas entre si e ao bairro, sendo elas: a) Bacias de Esgotamento Sanitário, baseadas no Plano de Drenagem urbana e no Plano de Esgotamento Sanitário b) Bairros e c) Eixos Estruturantes definidos como as vias principais que cortam bairros. O Plano Diretor vigente estabelece o Bairro como a única unidade referencial de planejamento, aplicando sobre ele o zoneamento e as demais prescrições urbanísticas.
Portanto, há neste PL uma unidade administrativa (bairro), uma unidade física (bacia) e uma unidade de ligação viária (linear, não de área). Como o zoneamento proposto hierarquiza ou ordena as funções de cada uma dessas unidades, o instrumento do Macrozona Adensável perde suas funções originais de planejamento e ordenamento urbano e ambiental e passa a servir, apenas, como suporte cartográfico, delimitação sem sentido, pois, de fato, as prescrições urbanísticas seguirão as bacias e as vias principais.
Convém salientar que a definição de Zona Adensável do PL 09/21 (caput do art. 12) é mesma da Lei 082/07 do Plano em vigor (caput do art.11), sendo: “aquela onde as condições do meio físico, a disponibilidade de infraestrutura e a necessidade de diversificação de uso possibilitem um adensamento maior do que aquele correspondente aos parâmetros básicos de coeficiente de aproveitamento” (NATAL, 2021). Ocorre que o PL suprimiu a Macrozona não adensável que, na lei vigente, faz o contraponto territorial (e diferencial) com a zona adensável. Com essa alteração, tal definição é meramente conceitual, carecendo de função urbana, ou seja, tudo que não for ZPA tornar-se adensável e se submete às prescrições definidas pela bacia de esgotamento e pelas vias principais, não porque já tenha infraestrutura, mas devido à retirada da Macrozona adensamento básico. É um movimento sutil, de fato, mas impede que a “cidade real”, aquela que não possui infraestrutura, possa ser visualizada, introduzindo a ideia de que o único contraponto territorial ao adensamento são as ZPAs.
Sobre as ZPAs cabem algumas observações. O Art. 16, do PL 09/21, mantém a definição da Lei 082/07 para essas 10 zonas, sendo: “a área na qual as características do meio físico restringem o uso e ocupação, visando a proteção, manutenção e recuperação dos aspectos ambientais, ecológicos, paisagísticos, históricos, arqueológicos, turísticos, culturais, arquitetônicos e científicos” (NATAL, 2021). Introduz, entretanto, polêmicas alterações de limites em algumas delas e flexibilizações no controle da ocupação sem os estudos correspondentes, quais sejam:
O PDN 082/07 em vigor também estabelece que as ZPAs estão submetidas a regulamentações específicas, que os parâmetros gerais aplicados às Zonas de Adensamento Básico ou Adensáveis não se aplicam aos territórios que delimita. E ainda, que nessas regulamentações, os subzoneamentos específicos de cada ZPA devem observar, onde couber, a divisão do território em três subzonas, as quais correspondem a três níveis de Preservação, Conservação e Uso Restrito. Na subzona de preservação, mais restritiva, há indicações de proteção rigorosa para nove unidades geoambientais características do sitio geográfico do município de Natal, entre elas as dunas e sua vegetação fixadora, as nascentes, a vegetação nas margens dos rios, os mangues, os recifes e as falésias, etc. Na proposta do PL 09/21, as disposições para os subzoneamentos das ZPAs associadas ao nível de preservação suprimem as especificidades do município de Natal, reforçadas desde a Lei Orgânica do Município e limita-se a remeter proteção ambiental dessas unidades geoambientais aos termos das legislações federais, notadamente: Lei Federal 12.651/12, Lei Federal 9.985/00 e Lei Federal 11.428/06 (BRASIL, 2012, 2000 e 2006). Com esta mudança no PL desaparece do texto normativo especifico o entendimento sobre o que é, de fato, importante a preservar em Natal, ficando esta decisão dependente das disposições nacionais. O município perde, portanto, em especificidade e focalização, pois Natal já era obrigada a seguir tais legislações, mas poderia aplicar restrições adicionais na proteção dos seus elementos naturais, como, por exemplo, nas vegetações fixadoras de Dunas, protegidas desde o Código de Meio Ambiente do município – Lei 3100/92 (NATAL, 1992). Em que pese à simplificação do texto do PL sobre este nível de proteção no subzoneamento das ZPAs nos perguntamos se a supressão desta especificidade na escala local direcionada à preservação ambiental pode sugerir, em longo prazo, uma perda de efetividade na proteção desses recursos naturais, especialmente quando temos um cenário nacional adverso ao tema ambiental, expresso nas iniciativas do Congresso Nacional, principalmente, dos últimos 05 anos. Afinal, ganhamos em proteção ambiental ou perdemos com tal simplificação?
Cabe ainda ressaltar que a perda é ampliada quando a aplicação do nível preservação está restrita às ZPAs, ou seja, como uma das suas categorias de proteção ou subzonas. Uma avaliação do Plano Diretor em vigor sobre as unidades geoambientais do município, que também não foi considerada, revelou que existiam pequenas frações de espaços naturais distribuídos na cidade, cuja proteção precisava ser incorporada ao novo regramento urbanístico. É o caso das “Dunas remanescentes”, dos cursos d’água e das suas margens, da cobertura vegetal das encostas, entre outros. Ou seja, os mesmos elementos naturais, estando eles, localizados ou não no interior das ZPAs, que deveriam ser igualmente protegidos.
As outras duas subzonas, Conservação e Uso Restrito, podem delimitar frações das ZPAs que já apresentem algum tipo de ocupação do solo que, dependendo da sua natureza e intensidade na relação com os objetivos de proteção de cada ZPA, deve ser reconhecida e controlada a partir das suas respectivas regulamentações. Como exemplo, tem-se o reconhecimento dos assentamentos precários de origem formal ou informal, atividades agrícolas ou outras atividades consolidadas em diversas ZPAs. Neste ponto surge outra alteração no PL 09/21 que afeta o zoneamento. Trata-se da flexibilização do controle da ocupação do solo nas ZPAs ainda não regulamentadas. O PDN em vigor estabelece limites de ocupação para essas zonas, enquanto as suas regulamentações não se concluírem. Ocorre que mais da metade delas estão nessa situação, mas com os processos em curso, seja no âmbito do próprio órgão de planejamento, seja no âmbito dos conselhos setoriais que integram o sistema de gestão. Dentre as 10 ZPAs em apenas 4 foram regulamentadas. Assim, as ZPAs conhecidas por seus números 02, 06, 07, 08, 09 e 10 não foram regulamentadas, sendo a de número 02, protegida por um plano de manejo, com limites coincidentes com o Parque das Dunas – unidade de conservação estadual. Para essas ZPAs, o PL 09/21 introduz, em seu artigo 20, a possibilidade de ocupação sem regramento estabelecido, quando indica que “enquanto não forem regulamentadas (…) ficam temporariamente instituídas as regras contidas nos processos de regulamentação que estão em trâmite no CONCIDADE/Natal” (Natal, 2021). Ou seja, em flagrante desconformidade jurídica, o texto traz para uma Proposta de Lei Complementar prescrições que são desconhecidas na Minuta e que não podem ser aplicadas pelo licenciamento urbanístico e ambiental, pois não foram aprovadas pelo CONCIDADE, coordenador do sistema de gestão e nem votadas pela Câmara Municipal. Saliente-se ainda, que, desde o início do processo de revisão do Plano, em 2017, as discussões dessas propostas de regulamentação pouco avançaram, algumas retidas à espera do novo Plano.
Com isso é importante deixar uma indagação para o caso da manutenção desse artigo pelo legislativo: como o licenciamento do órgão gestor irá se conduzir para analisar este ou aplicar este ou aquele projeto, sem a clareza dos parâmetros e a autorização em específico, isto é, para efeito de cálculo? Entendemos que a simples autorização em geral do parágrafo único do art. 20, não autoriza o poder público a aprovar ou reprovar projetos tendo como base minutas de lei ainda em discussão no CONCIDADE e que podem ser alteradas livremente pelos conselheiros.
Importante destacar ainda, que todas as regulamentações das ZPAs em discussão nos conselhos tomam como base o Macrozoneamento em vigor, ou seja, as prescrições para três tipos de zonas. Nestas, as prescrições menos restritivas aplicadas às áreas delimitadas como subzonas de Conservação e Uso Restrito, em razão do grau de consolidação da ocupação, remetem, por vezes, as estabelecidas para a Zona de Adensamento básico. A sua supressão do PL 09/21 reforça, portanto, a inviabilidade da aplicação de mais essa incongruência jurídica do texto.
Por fim, cabe comentar sobre as Áreas Especiais (Capítulo II, PL 09/21) e seu relacionamento com o Macrozoneamento. Como referido, as AEs são porções do território que estão sobrepostas as Macrozonas. Devido a suas singularidades, elas exigem tratamento especial – com destinação específica e passível de alteração, quando tal característica deixa de fazer sentido (por exemplo, caso a situação de risco que fundamentou a delimitação de uma dada área como AEIS seja revertida ela pode, em tese, deixar de ser, no futuro, assim classificada). É importante lembrar que uma AE não “anula” uma Macrozona, mas estabelece com esta uma relação de “norma geral para norma especial”, isto é, quando se tratar da sua competência específica, com foco, a AE pode ser acionada como instrumento de intervenção ou proteção social, urbanística ou paisagística desde que não exceda seu objetivo finalístico definido no Plano Diretor. Por exemplo, uma Área Especial de Interesse Social – AEIS pode conviver com uma ZPA, desde que o foco da ação da AEIS seja para minorar as condições de vulnerabilidade social existentes da sua população residente e não ampliar o risco ambiental à ZPA. Este entendimento evita que se utilize uma AE para diminuir uma ZPA ou prejudicá-la. Ou seja, a existência de uma AE não pode desconfigurar uma ZPA como instrumento de Projeto, sendo uma referência a esta ZPA como instrumento de Planejamento (escala micro para macrozona), podendo se configurar, inclusive, como uma nova subzona, distinta das três categorias previstas pelo Plano Diretor. Na iminência da necessidade de intervenção física de uma AEIS encravada sobre uma ZPA, deve esta intervenção respeitar os limites já definidos da ZPA e, ao mesmo tempo, melhorar as condições habitacionais e urbanas da população existente. Este sutil manejo técnico e jurídico entre ZPAs e AEs, infelizmente, também não é bem resolvido no PL 09/21, como demonstrado a seguir.
Na minuta proposta, em seu art. 21, há previsão de nove Áreas Especiais. Dentre estas, algumas são modificações de subzonas criadas em 1984 como a Zona Especial de Preservação Histórica – ZEPH, que passa a se chamar Área Especial de Preservação Cultural – AEPC, entre outras. Outras são novas denominações como a Área Especial Costeira Estuarina e, a mais polêmica, a Área Especial Militar. Vejamos algumas delas e como se relacionam com as duas macrozonas. A Área Especial Costeira Estuarina está definida no Mapa 19, Anexo 3. Ela se divide em uma faixa de orla marítima e as margens dos Rios Potengi e Jundiaí, sobrepondo-se com duas ZPAs (08 e 07). Dúvida: como serão aplicados os direcionamentos de usos dessa estreita faixa de terra e como se ajustam ao subzoneamento de cada ZPA? A minuta não traz nenhuma especificação adicional, remetendo genericamente a um futuro Plano de Gestão da Orla Marítima.
O artigo 24 da proposta é um dos mais estranhos e inadequados. A Área Especial de Interesse Turístico e Paisagístico, definida no Mapa 7, anexo 3, acomoda as atuais Áreas Especiais de Controle Gabarito – AECG as quais, por sua vez, incorporam as antigas Zonas Especiais Turísticas (ZETs 01, 02, 03 e 04). Entretanto, suprime a AECG do entorno do Parque das Dunas e flexibiliza a ocupação do solo da orla da Redinha, atual ZET4, permitindo construções de até 30 metros, aproximadamente 10 pavimentos (parágrafo 2o do art. 21). Tal flexibilização não é acompanhada de nenhuma salvaguarda ou limite de proteção, inviabilizando a própria AEITP. Além disso, cria a possibilidade de uso residencial multifamiliar na Via Costeira, área à beira mar, de propriedade da União, concedida a particulares para exploração de hotelaria desde os anos 1980, o que é estranho à natureza do próprio artigo que, em tese, deveria estar preocupado em salvaguardar o turismo e a paisagem. Ainda, permite padrões de reparcelamento do solo na mesma Via Costeira, cujo domínio é da União e foi concedido para fins de exploração comercial e de serviços turísticos. Por fim, no artigo 25, retira trecho da ZPA10, alegando “urbanização consolidada”, sem as correspondentes explicações. Como podemos ver, em um único artigo – que objetivava proteger a paisagem – foram inseridos vários parágrafos que, ou não possuem vinculação com a AEITP, ou diminuem a efetividade da proteção paisagística e turística. Em todo o texto que trata das AEITPs, a única adição de estratégia protetiva da paisagem está representada pelo destaque as ZPAs e aos cordões dunares dos bairros de Guarapes e Felipe Camarão como de Interesse Paisagístico.
Porém, a AE mais estranha e sem sentido é a chamada Área Especial Militar. Natal, por seu histórico de participação na Segunda Grande Guerra, possui equipamentos militares distribuídos pelo seu litoral e cordões dunares. Essas bases conviveram, até aqui, de modo equilibrado com as suas delimitações como ZPAs, no caso, as de número 06, 07 e 10. No texto do PL, art. 51, houve um redirecionamento dessa convivência. Sem suporte nos fundamentos do zoneamento foi criada a Área Especial Militar – AEM, definida como “àquelas áreas que tenham seu registro imobiliário em nome de pessoa jurídica das Forças Armadas Brasileiras”.
Com essa inserção dissonante pergunta-se: qual a especialidade de tais áreas? Para quê se destinam, se elas convivem com as ZPAs há décadas? Embora não encontremos respostas nos fundamentos do zoneamento, cabe registrar aqui algumas alegações dos representantes das corporações militares na fase discussão do Plano no âmbito do executivo, que resultou no PL. A mais enfática era de que, em nome da “segurança nacional” os terrenos ocupados pelas corporações não poderiam estar submetidos aos regramentos dos municípios, situação que se aplicaria, principalmente, as ZPAs. De fato, essa é a interpretação possível do disposto no parágrafo segundo do artigo 16, quando especifica que “ressalvando-se a observância obrigatória das prescrições urbanísticas correspondentes a cada ZPA em caso da finalidade de uso das áreas militares”. Nota-se uma indicação para a suspensão da aplicação de tais prescrições enquanto a utilização do uso militar. Ainda, o parágrafo único do art. 51 dispõe que “para situações em que for necessário o licenciamento de obras ou serviços nessas áreas, serão aplicadas as prescrições urbanísticas previstas para a localidade onde se situar, sem definir, portanto, a zona de referência: se seria da ZPA ou da Zona Adensável. Tal situação fragiliza as ZPAs que envolvem tais AEMs, pois – de modo inadequado – suspende a aplicação das salvaguardas ambientais que lhes são inerentes.
Como podemos ver nos exemplos destacados (há outros em desconformidade no texto do PL 09/21) a proposta do novo Plano Diretor do município de Natal expressa um desenho de planejamento urbano e ambiental fragmentado, contraditório e pouco elucidativo, deixando margens para interpretações e contribuindo para uma maior insegurança jurídica. É necessária uma reestruturação do Macrozoneamento utilizando técnica urbanística e razoabilidade na tomada de decisões, de modo a evitar graves riscos ao ordenamento urbano e a qualidade ambiental da cidade de Natal.
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¹ Professora do Departamento de Arquitetura (UFRN) e pesquisadora do Observatório das Metrópoles Núcleo Natal.
² Professor do Departamento de Políticas Públicas (UFRN) e pesquisador do Observatório das Metrópoles Núcleo Natal.
³ Graduanda em Arquitetura e Urbanismo e bolsista de extensão (UFRN).
REFERÊNCIAS
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