Ordem e desordem: arquitetura e vida social
Edifícios e espaços das cidades – ruas, avenidas, praças – afetam nossa vida. A organização dos cômodos em um prédio também. “Ordem e desordem: arquitetura e vida social”, organizado por Frederico de Holanda, explora distintos olhares sobre o urbano: da comparação de duas cidades “modernas”: Brasília – projetada por Lúcio Costa –, e Chandigarh, capital regional indiana, projetada por Le Corbusier; passando pela fragmentação espacial das cidades brasileiras e o oásis de ordem nos centros históricos; à qualidade de vida das cidades interpretada em função de índices socioeconômicos e de atributos espaciais.
O livro “Ordem e desordem: arquitetura e vida social”, Frederico de Holanda (org.), oferece um panorama de trabalhos realizados no âmbito do Grupo de Pesquisa Dimensões morfológicas do processo de urbanização, registrado no Diretório de Grupos de Pesquisa no Brasil (CNPq) e sediado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB). A publicação exemplifica o amplo espectro das abordagens e das escalas – da metrópole ao espaço doméstico – a partir de um mesmo fio condutor: as relações entre configuração dos lugares e condições de vida.
O lançamento do livro será no dia 01 de março de 2013 em Brasília, no Restaurante Carpe Diem/104 sul, às 19h.
PREFÁCIO
Almir Francisco Reis
Com a criação de curso de mestrado em Arquitetura em 1962, fechado sumariamente em 1965 após o golpe militar, a Universidade de Brasília foi pioneira na pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo no Brasil. Certamente a euforia de inauguração da nova capital deve ter contaminado positivamente esta experiência inicial a requerer, ainda hoje, uma devida contextualização histórica. A posterior criação dos mestrados em
Planejamento Urbano e em Desenho Urbano, já na década de 1980, em tempos marcados por extrema polarização, sinaliza a retomada dos estudos de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo na instituição.
O curso de Mestrado em Desenho Urbano da UnB se caracterizou por uma proposta pedagógica inovadora, que se expressava em uma grade curricular centrada no estudo das diversas implicações sociais do espaço urbano e cometia a ousadia de ter, como epicentro, uma disciplina de atelier, onde conteúdos teórico-metodológicos eram testados no estudo e na proposição urbanística. Este ambiente acadêmico extremamente fecundo foi berço, também, dos diversos “Seminários de Desenho Urbano”, que marcaram
profundamente a discussão urbanística da época, reunindo em Brasília ensaios profissionais e acadêmicos em desenvolvimento nos quatro cantos do país.
A experiência consolidada neste curso de pós-graduação foi possibilitada, em grande parte, pela existência do grupo de pesquisa “Dimensões Morfológicas do Processo de Urbanização”, onde, até os dias de hoje, têm se desenvolvido estudos e pesquisas acerca de diferentes aspectos da forma urbana. Talvez uma das contribuições maiores da proposta esteja na possibilidade concreta de organizar a reflexão científica no contexto da Arquitetura e do Urbanismo, área caracterizada por extensa atividade prática, mas também por claras lacunas no que concerne a sua estruturação enquanto campo do conhecimento. Articulando as contribuições de diferentes disciplinas, a matriz conceitual organizadora do grupo tem permitido o aprofundamento em dimensões específicas do espaço urbano e o cruzamento entre as diferentes leituras realizadas.
Desde sua estruturação, a abordagem do espaço urbano a partir das “dimensões morfológicas do processo de urbanização” passou a ser uma presença recorrente no meio acadêmico e em órgãos de planejamento urbano. Os diferentes recortes aspectuais caracterizadores da proposta epistemológica adotada difundiram-se pelo país, contaminando o ensino, a pesquisa e a proposição urbanística.
Em sua atuação junto à UnB, Frederico de Holanda participou ativamente da montagem desse escopo intelectual e, dentre as várias abordagens ali presentes, concentrou seus estudos nas implicações da forma urbana em termos de sociabilidade – a relação entre forma e uso do espaço urbano passou a constituir seu objeto principal de estudos, tema que vem aprofundando há várias décadas. Partindo dos pressupostos colocados por Jane Jacobs e, fundamentalmente, pela abordagem proposta pela Teoria da Sintaxe Espacial, linha de pesquisa desenvolvida junto à Bartlett School of Graduate Studies, da Universidade de Londres, seu trabalho no Brasil, divulgado em diversos artigos, livros e apresentações em congressos, expressa intensa dedicação acadêmica e profissional.
No trabalho de Holanda, a Teoria da Sintaxe Espacial, sem perder o rigor científico que a caracteriza, tornou-se mais simples, mais qualitativa e, principalmente, abrasileirou-se. Mesclou-se com outras abordagens típicas da historia, da sociologia, da geografia, da antropologia. Brasília, enquanto especificidade e enquanto cidade brasileira, que repete muitas de nossas mazelas sociais, forneceu o material empírico principal de suas reflexões. O trabalho junto à pós-graduação refletiu-se em inúmeras teses e dissertações que aprofundaram hipóteses iniciais, incluíram novas temáticas e estenderam a realidade empírica analisada.
Este livro oferece um belo panorama do trabalho. Os seis capítulos da obra foram escritos por diferentes autores. Todos foram orientandos de Frederico de Holanda junto ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília, no período compreendido entre 2006 e 2009. Diferentes realidades urbanas, diferentes escalas e diferentes enfoques caracterizam o conjunto. Referências teórico-conceituais comuns e, principalmente, a preocupação com atributos espaciais e suas implicações no cotidiano da vida urbana, dão unidade à obra.
No primeiro capítulo, escrito por Frederico de Holanda e Valério Medeiros, o binômio ordem/desordem fornece o mote para a comparação realizada entre as cidades de Brasília e Chandigarh, obras do movimento moderno que apresentam semelhanças e diferenças expressivas em sua configuração. A clareza dos centros históricos originais e a fragmentação característica da exponencial expansão das cidades brasileiras são analisadas no capítulo seguinte, de autoria de Valério Medeiros. A relação entre tecidos urbanos e margens de rios, com a discussão de atributos de urbanidade presentes ou ausentes nestes lugares de interface entre cidade e natureza, é discutida no Capitulo 3, escrito por Sandra Soares de Mello.
O Capítulo 4, de Rômulo José da Costa Ribeiro, estuda e propõe índices de qualidade de vida urbana que, aplicados ao Distrito Federal, desvelam novas facetas desse universo em contínua transformação. A mobilidade e acessibilidade, relacionadas à configuração urbana, são os temas aprofundados no Capítulo 5, de autoria de Antonio Paulo de Hollanda Cavalcante. Mudando a escala de abordagem, ao estudar transformações na espacialização dos apartamentos do Distrito Federal, o Capítulo 6, escrito por Franciney Carreiro de França, encerra livro.
Fruto do trabalho em realização na Universidade de Brasília, este livro explicita possibilidades que a reflexão acadêmica, embasada em critérios de cientificidade, pode oferecer para o desenvolvimento das práticas acadêmicas e profissionais no contexto da Arquitetura e do Urbanismo. Desde aquele distante 1963, em que a experiência de Brasília levava arquitetos e urbanistas a uma confiança quase absoluta no futuro, muita coisa mudou. Hoje são dezenove programas de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo no país, e um sem-número de cursos de graduação.
A realidade urbana brasileira, caracterizada pela desigualdade social e pela destruição ambiental, continua clamando por uma atuação consciente e comprometida. A qualificação dessa atuação passa, necessariamente, pela reformulação de nossas escolas, bem como pela redefinição dos pressupostos epistemológicos que embasam a formulação do conhecimento na área. Os conteúdos apresentados em “Ordem e Desordem: Arquitetura e Vida Social” constituem um claro exemplo do modo como a pesquisa e os estudos de pós-graduação podem se engajar nesse processo.
Para mais informações sobre o livro “Ordem e Desordem: Arquitetura e Vida Social”, acesse o site do professor Frederico de Holanda.
27/02/2013