Passageiros tentar embarcar no BRT Crédito: Agência O Globo/Reprodução
Será que a revolução dos transportes anunciada pelo Governo do Rio de Janeiro no contexto dos preparativos para os Jogos Olímpicos 2016 conseguiu reverter a grave crise de mobilidade enfrentada em seu território? O INCT Observatório das Metrópoles divulga os resultados da tese do pesquisador Jean Legroux, desenvolvida em colaboração acadêmica entre a Université Lyon 2 e o IPPUR/UFRJ, que apresenta uma contribuição inovadora ao avaliar, através de uma análise multiescalar e multicritério, os impactos dos projetos de transporte sobre a justiça socioespacial no Rio de Janeiro. O trabalho mostra que os impactos da “revolução dos transportes” provocaram mudanças que não rompem nem com o modelo de mobilidade rodoviarista brasileiro, nem com as lógicas de segregação da cidade neoliberal.
A tese A acolhida da copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas 2016 e os impactos da «revolução dos transportes» sobre a justiça socioespacial: mudar tudo para que nada mude?, do pesquisador Jean Legroux, é mais um resultado da Rede Nacional INCT Observatório das Metrópoles.
O trabalho foi desenvolvido sob o acordo de colaboração acadêmica entre o Laboratoire Aménagement Economie Transports, da l’Ecole Nationale des Travaux Publics de l’Etat (LAET/ENTPE), Université Lumière Lyon 2 e o Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional (PPG/PUR), do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ). E contou com a cotutela dos professores Didier Plat e Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro.
“Uma das inovações do trabalho de Jean Legroux é a reelaboração da problemática teórica na direção do conceito de justiça socioespacial multi dimensão e multicritério, o que implicou no exame da equidade das transformações do sistema de mobilidade urbana analisando a ótica dos usuários diretos das novas modalidades, e também estudando os efeitos decorrentes do deslocamento residencial dos moradores das áreas populares reestruturadas”, aponta Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, coordenador nacional do INCT Observatório das Metrópoles, que completa:
“A tese contribui, ao mesmo tempo, em dois aspectos para futuros estudos sobre o tema. De um lado, a que decorre da tentativa de operacionalizar empiricamente um conceito de justiça socioespacial mais amplo do que o comumente utilizado em estudos semelhantes, que se cinge a examinar os efeitos distributivos das intervenções públicas na estrutura urbana. A ampliação parece-nos interessante na medida em que pode responder simultaneamente as perguntas: quem se apropria dos benefícios das transformações da cidade resultantes de grandes projetos urbanos? Quem se apropria mais? Mas também quem são os penalizados. De outro lado, a segunda contribuição da tese de Jean Legroux relaciona-se com o próprio sub-título na forma de interrogação: tout changer pour rien changer? [trad. mudar tudo para que nada mude].Encontramos no exame crítico empreendido por Jean Legroux sobre a denominada ‘Revolução dos Transportes’ elementos empíricos da tese da modernização conservadora que orienta o nosso pensamento social no exame dos impasses estruturais do desenvolvimento capitalista brasileiro. Apesar de todas mudanças institucionais (formas de regulação), econômicas (organização empresarial) e simbólicas (discurso sobre a modernidade e competividade) presentes nesta experiência, a análise realizada por Jean Legroux indica a reprodução do conhecido capitalismo urbano patrimonialista organizando a cidade brasileira”, argumenta Luiz Cesar.
A “REVOLUÇÃO DOS TRANSPORTES” NO RIO DE JANEIRO
A tese de Jean Legroux mostra que a estratégia de cidade atrativa no Rio de Janeiro corresponde a um estágio avançado da neoliberalização e mercantilização do seu espaço urbano e caracteriza-se por uma estratégia de construção de “cidade atrativa”, que se baseia no trinômio acolhida de megaeventos (estratégia consagrada com a realização da copa do Mundo 2014 e das Olímpiadas 2016), contexto econômico favorável e alinhamento conjuntural entre os três níveis de governo. Segundo o pesquisador, esta política de construção e de governança neoliberal do espaço urbano – que implica uma reconfiguração das coalizões de atores historicamente presentes no circuito da acumulação urbana – funda-se na requalificação da cidade do Rio de Janeiro, para inserí-la na competição internacional das cidades, mas também para que ela escape, no plano nacional, da sua trajetória de decadência econômica e política, especialmente a partir da década de 1980.
Nos discursos oficiais, as transformações urbanas em curso responderam às necessidades da cidade olímpica e geraram impactos positivos para os seus habitantes e aqueles da Região Metropolitana. Neste contexto, os investimentos em infraestruturas de mobilidade foram os mais importantes, representando 55% dos investimentos realizados tanto para a Copa do Mundo 2014, como para as Olimpíadas 2016. “Além do valor investido, os impactos dos projetos de transporte são certamente os mais significativos sobre o espaço urbano, levando os poderes públicos a falarem de uma ‘revolução dos transportes’ capaz de solucionar a crise da mobilidade urbana, claramente vinculada aos processos de segregação e exclusão urbana. De fato, este contexto de construção da cidade atrativa permite uma concentração histórica de investimentos em transporte coletivo com uma ‘rede estruturante’ de BRT (com 4 corredores, o Transoeste, o Transcarioca, o Transolímpica, o Transbrasil) de mais de 150 quilômetros, um VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) na zona portuária, que passa por uma revitalização completa através do projeto Porto Maravilha, a construção da linha 4 do metrô ligando a zona sul (Ipanema) à zona da Barra da Tijuca, a renovação e extensão da rede de trens e a construção de três teleféricos em favelas ou conjunto de favelas”, descreve Jean Legroux.
Segundo o pesquisador, os principais projetos de transporte da “revolução dos transportes” conectam entre si os clusters olímpicos (Barra da Tijuca, Deodoro, Maracanã e a zona Sul), beneficiando especialmente as zonas de Barra de Tijuca e de Jacarepaguá, que recebem três das quatro linhas de BRT previstas e a linha 4 do metrô. “A revolução dos transportes – salvo as promessas de renovação do sistema de trens que servem à Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) – concentra- se no território do município do Rio de Janeiro. Ela se faz acompanhar também de uma reforma político-institucional do sistema de transporte por ônibus, que implica esforços em termos de integração física e tarifária no sistema de transporte coletivo como um todo”, afirma o pesquisador.
A tese mostra que essas mudanças no cenário do transporte coletivo no Rio de Janeiro seriam capazes, segundo os discursos oficiais, de reverter o quadro da crise da mobilidade urbana. Na RMRJ, o transporte coletivo representa 71% das viagens motorizadas, contra 29% pelo transporte individual, o que faz desta crise da mobilidade uma crise do transporte coletivo, principalmente do transporte por ônibus (que representa mais de 75% das viagens quotidianas realizadas na RMRJ, em 2014). “O abandono dos sistemas metroviários e ferroviários durante décadas – correlativamente à expansão dos sistemas de ônibus (desde os Anos Cinquenta) e ao crescimento exponencial das frotas de automóveis e de motocicletas (especialmente a partir dos Anos 2000) – são fatores que explicam a crise da mobilidade urbana no Rio de Janeiro. Cabe ressaltar que esta crise da mobilidade atinge todas as categorias sociais (embora de forma desigual), na medida em que os congestionamentos crescentes atingem tanto aos usuários de ônibus, quanto aos motoristas de carros particulares”, aponta Legroux.
Será a revolução dos transportes capaz de reverter a crise da mobilidade no Rio de Janeiro? Esse é ponto de partida da tese que busca avaliar, através de uma análise multi-escalar, que inclui as dimensões metropolitana, municipal e intra-urbana, os diversos impactos dos projetos de transporte sobre a justiça sócio espacial no Rio de Janeiro. Em outras palavras, mesmo que se observem impactos positivos para a população, são estes repartidos de forma justa entre os diferentes grupos sociais do espaço urbano do Rio?
“A escolha do paradigma da justiça para compreender os impactos diferenciados da ‘revolução dos transportes’ tem como objetivo resolver concretamente esse tipo de dilema: uma infraestrutura de transporte é justa, se, ao mesmo tempo que permite a 200.000 pessoas de baixa renda melhorar a sua mobilidade justifica a expropriação de centenas de famílias pobres realocadas em periferias distantes?”, provoca Jean Legroux.
Uma das primeiras hipóteses do trabalho de pesquisa é que a justiça socioespacial, em qualidade de ferramenta teórica e analítica, é pertinente para o estudo dos processos de exclusão e de diferenciação socioespacial decorrente dos megaeventos e dos projetos de transportes. “De fato, mesmo dada a existência de uma legado dos megaeventos para a cidade em termos de infraestruturas urbanas, os projetos não beneficiam da mesma forma à todos os habitantes e suscitam diversas formas de injustiças. O marco multicritério da justiça objetiva enxergar onde, como e porque os impactos da construção da cidade atrativa e da “revolução dos transportes” são injustos ou poderiam ser menos injustos do ponto de vista socioespacial”, afirma o pesquisador.
Outra hipótese do trabalho postula que os impactos e desafios próprios aos processos de metropolização e, particularmente aos processos de fragmentação do espaço urbano – cujo cunho é um modelo de organização social do território fortemente marcado pela segregação residencial-, são exacerbados com a organização de megaeventos. Isso significa que o desafio da mobilidade urbana no seio dos processos de metropolização é também um fator fundamental da organização de um megaevento. Assim, são os projetos de infraestruturas de transporte, no contexto da cidade, capazes de responder simultaneamente aos objetivos de curto prazo (os eventos em si, os interesses turísticos, comerciais, midiáticos e imobiliários do poder econômico e financeiro local, nacional e internacional, por exemplo) e à uma dinâmica de planejamento urbano de médio e longo prazo voltada às necessidades da população?
Assim, a problemática geral da tese é: detrás dos discursos oficiais e do marketing urbano, quais são os impactos das políticas e dos projetos de transporte – no contexto da cidade atrativa no Rio de Janeiro – sobre a justiça socioespacial?
Baseada em diversos critérios de justiça, reunidos em categorias chamadas de “qualidades éticas”, o arcabouço analítico multicritério da justiça permite avaliar: a) os impactos dos projetos de transporte sobre a satisfação da demanda, em termos de capacidade e de qualidade; b) a capacidade da “revolução dos transportes” em reverter o quadro da crise da mobilidade; c) os efeitos sobre outros processos, tais como as expropriações e a especulação imobiliária. A metodologia qualitativa (entrevistas semi-direcionadas e observação de campo), junto com o referencial multicritério de justiça, permite identificar os diversos grupos de atores em conflito na construção da “cidade atrativa” e, dentre estes, aqueles que “ganham” e aqueles que “perdem”.
De acordo com Jean Legroux, os resultados da investigação indicam que os impactos da “revolução dos transportes”, na cidade do Rio de Janeiro, neste contexto de construção da cidade atrativa, provocam mudanças que não rompem nem com o modelo de mobilidade rodoviarista brasileiro, nem com as lógicas de segregação da cidade neoliberal. “Mudar tudo para que nada mude?”, provoca o pesquisador
A tese analisa a construção da cidade atrativa no Rio de Janeiro em um contexto de metropolização e de competição internacional das cidades, onde estas, transformam os espaços urbanos, graças à atração de capitais internacionais e de investimentos nacionais (maioritariamente públicos). Nesse sentido, a análise dos projetos de transporte, relacionados às dinâmicas imobiliárias e às políticas habitacionais, constitui uma ferramenta privilegiada para compreender os impactos e contradições, sobre a justiça socioespacial, da estratégia neoliberal de construção de uma cidade atrativa. Além disso, os projetos de transporte tiveram impactos diretos sobre as remoções de famílias e comunidades de baixa renda. A interação entre processos da cidade atrativa e os impactos de “revolução dos transportes” mostrou-se evidente.
“Este trabalho não se limitou à realização de um diagnóstico geral da ‘revolução dos transportes’ — isto é, as conclusões sobre a capacidade, a qualidade e a pertinência de cada modo de transporte, individualmente ou como um todo — mas tratou de avaliar as consequências, de forma geral, de um modelo neoliberal de governança e transformação urbana – necessariamente contraditório. De fato, como sugerido por Gotham, o contexto de acolhida de megaeventos costuma revelar as tensões latentes da sociedade”, explica Jean Legroux.
METODOLOGIA
A metodologia da tese baseou-se na Geografia atual para a qual a espacialidade das injustiças urbanas é sumamente importante e a qual compreende a cidade através do paradigma da justiça socioespacial. Seguindo esta lógica, a análise geográfica do espaço urbano instaura um diálogo entre diferente conceitos éticos da justiça, advindos de diversos paradigmas de filosofia política. “Baseada em diferentes qualidades éticas, a confrontação de diversos critérios de justiça foi útil para deslocar a análise entre as diversas escalas urbanas, compreendendo simultaneamente a dimensão conflitual das transformações urbanas. Os resultados da aplicação da metodologia possibilitaram a identificação de alianças urbanas, a oposição de diversos interesses em jogo e a definição de vencedores e perdedores”, explica Legroux.
O trabalho mostra, por exemplo, que existe uma aliança urbana “dominante” composta pelos governos locais (e o Governo Federal), as empresas concessionarias de transporte coletivo, de marketing e publicidade, os patrocinadores oficiais das competições, as grandes empresas de construção civil e de incorporação imobiliária. Esta aliança urbana age, ao mesmo tempo, à serviço das classes médias e altas, das elites locais, dos setores econômicos e financeiros envolvidos nesta transformação urbana de grande porte, e da “world class” (investidores estrangeiros, turistas, atletas, etc.)
Por outro lado, as populações de baixa renda, a maioria moradores de favelas e comunidades de habitação precária, foram excluídas dos benefícios da construção da cidade atrativa e da “revolução dos transportes”. “As entrevistas realizadas com habitantes de favelas neste trabalho correspondem à analise de várias zonas e comunidades urbanas, afetadas direta ou indiretamente pela cidade atrativa. Sem reduzir a compreensão dos habitantes de favelas como um grupo homogêneo em termos de interesse, de desejos e de condição material de vida, a identificação de coalizões de interesses permitiu identificar grandes tendências, sempre tratando de ficar atento à descrição e distinção dos diversos casos de estudos e/ou atores entrevistados. O mesmo vale para os outros grupos de afinidades utilizados neste trabalho. Este tipo de classificação em dois grandes grupos possui evidentemente matizes, oposições e conflitos internos, porém, permite traçar tendências e fazer algumas generalizações”, argumenta o pesquisador.
REMOÇÕES. Do ponto de vista das comunidades de baixa renda, algumas conclusões gerais são apontadas na tese: a maioria das comunidades removidas no contexto de megaeventos não tiveram direito a dialogar com os poderes públicos; uma grande maioria dos removidos foram realojados (sobretudo pelo programa Minha Casa Minha Vida, MCMV) ou obrigados a reassentarem-se em periferias distantes da cidade; uma boa parte dos removidos e/ou ameaçados de remoção transmitiram um sentimento de injustiça e de desclassificação social.
Já na aliança governos/setor privado/elites urbanas, Jean Legroux afirma que foram observados uma tendência a minimizar os impactos dos projetos de transporte e de renovação urbana, em termos de remoções. “A maioria dos discursos deste grupo aborda os impactos positivos anunciados e raramente considera qualquer caráter injusto (segundo diversos critérios de justiça) dos processos em curso para as populações de baixa renda. Um terceiro grupo de pessoas entrevistadas, professores, pesquisadores e membros de associações de classe, aportou elementos fundamentais à análise”.
CONCLUSÕES
A tese A acolhida da copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas 2016 e os impactos da «revolução dos transportes» sobre a justiça socioespacial: mudar tudo para que nada mude?, do pesquisador Jean Legroux, apontou algumas conclusões sobre a investigação.
1) A pertinência e os limites de um arcabouço de análise multicritério da justiça
Segundo Jean Legroux, o marco teórico construído em torno da noção de justiça permitiu um diálogo entre as diferentes teorias da justiça (advindas da filosofia política), aplicadas à analise do espaço urbano na Geografia. Este diálogo se superpôs à analise empírica, isto é, aos discursos e opiniões sobre os impactos da “revolução dos transportes”.
“A qualidade ética da ‘propriedade/eficiência’, que representa o pensamento de justiça em termos de eficiência e de utilitarismo, foi fundamental para compreender a lógica de uma aliança com poder de decisão e interesse nas transformações urbanas. Com relação à rede de BRT, o argumento econômico foi fortemente utilizado em termos de racionalidade da escolha (a relação custo/eficiência, por exemplo) dados os limites em termos de financiamento da extensão das redes de metrô e de trem. A lógica de cunho utilitarista preocupa-se com a eficiência, amplitude e imagem dos investimentos, mais do que com a repartição dos benefícios aportados por estes”, afirma o pesquisador.
Já a qualidade ética da “equidade” foi dividida em quatro critérios de justiça. Os dois primeiros critérios são os de “equidade territorial” (que se traduz num princípio de acessibilidade, pelo qual todos os indivíduos devem ter aceso às mesmas amenidades urbanas, por exemplo) e de “equidade horizontal” (pelo qual uma infraestrutura urbana é justa se não beneficia mais a uns indivíduos do que a outros).
“Estes dois critérios voltam a atenção aos fatores de localização geográfica dos habitantes de baixa renda, de concentração e de déficit estrutural de infraestruturas de transporte coletivo e permitem concluir que não existe qualquer forma de igualdade de acesso ao transporte coletivo (e privado) no Rio de Janeiro. Além disso, a universalidade de acessibilidade é prejudicada pelos aumentos sucessivos das passagens de transporte. A ‘revolução dos transportes’ não tem se preocupado com a igualdade de acesso ou de uso dos diferentes meios de locomoção – o que corresponderia à realização do critério de equidade horizontal”, analisa Legroux.
Na tese o terceiro princípio é de equidade vertical, correspondendo ao “maximin” rawlsiano, que permitiu concluir que a “revolução dos transportes” e a cidade atrativa em geral, não são justas se considerarmos que os indivíduos menos favorizados deveriam ter recebido o máximo de vantagens possíveis. Segundo este critério de equidade, as populações mais vulneráveis deveriam ter recebido mais do que as outras, porque isto teria significado uma redução de uma diferença injusta (o fato de pertencer a uma camada social de baixa renda, por exemplo).
“Se a compensação fosse superior à perda, poderíamos considerar que uma expropriação não é necessariamente injusta em si. Nos terrenos urbanos estudados no Rio de Janeiro, as remoções são injustas segunda o critério de equidade vertical, pelas seguintes razões: 1) as populações removidas à força já estavam desfavorecidos na estrutura socioespacial carioca; 2) as indenizações não contemplaram nem as expetativas dos habitantes (de maneira geral, salvo exceções), nem a realidade do preço do solo dos terrenos, tendo em vista as situações habituais de ausência de indenização ou indenizações irrisórias, remoções violentas e substituição por moradia social em regiões muito distantes à área anteriormente ocupada (às vezes, 30, 40 ou 50 quilômetros)”, defende o pesquisador.
O quarto princípio, de equidade “real” (Sen, 2011), que se preocupa com as realizações concretas, levou a compreender, por exemplo, a prática concreta de um novo modo de transporte instalado. O BRT Transoeste transporta aproximadamente 200.000 pessoas, mas em que condições? A preocupação da equidade “real” permitiu concluir que a rede de BRT, mas também os teleféricos, não aportam mudanças positivas significativas na qualidade da mobilidade dos usuários – isto vale também para o sistema de trens de subúrbios.
2) A “revolução dos transportes”: a permanência do modelo rodoviarista de mobilidade e dos processos de segregação socioespacial
A tese mostra ainda que a “revolução dos transportes” é uma reviravolta, em termos de amplitude financeira e territorial, dos investimentos e de avanços na integração tarifária – por exemplo, no sistema de transporte coletivo da cidade do Rio de Janeiro. Ela não se inscreve, porém, em um contexto de mudança de paradigma. “Em efeito, a ‘revolução dos transportes’, por ter nascido em um contexto de governança neoliberal do espaço urbano, reforça os processos de segregação socioespacial. Em outras palavras, reforça a ação das políticas públicas habitacionais e da produção privada de moradias, tendo como consequência a intensificação da produção de áreas urbanas supervalorizadas e a localização cada vez mais distante de zonas habitacionais de populações de baixa renda”, explica o pesquisador.
De acordo ainda com Legroux, atrás da mudança político-institucional do modelo de transporte por ônibus, que aporta um avanço em termos de integração tarifária (que beneficia mais as empresas de ônibus que aos usuários), a “revolução dos transportes” continua sendo posta à serviço da exclusão socioespacial das populações de baixa renda e das lógicas de especulação imobiliária que acompanham a instalação e consolidação das classes médias e das classes altas na zonas urbanas em curso de valorização. O contexto de urgência gerido pela acolhida de megaeventos, que se caracteriza por uma flexibilização dos regimes jurídicos, econômicos, financeiros, etc., constitui uma aceleração dos processos de exclusão, e tem sérios impactos no desenvolvimento urbano de longo prazo.
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Publicado em Produção acadêmica | Última modificação em 30-06-2016 16:30:52