Na noite do dia 21 de maio, a população do Recife/PE foi surpreendida com a notícia, nas redes sociais, da demolição dos armazéns do Cais José Estelita, no centro da cidade. Esta área, de mais de 100 mil m², pertencia à Rede Ferroviária Federal e foi arrematada à União por um grupo de empresas em leilão realizado em 2008. O consórcio formado por Moura Dubeux, Queiroz Galvão e GL Empreendimentos pretende implementar um megaprojeto imobiliário na área, o chamado projeto Novo Recife, que prevê a construção de torres residenciais e comerciais, totalizando 14 prédios com cerca de 40 andares.
Por todos os seus impactos – sociais, ambientais, na paisagem e no patrimônio histórico e cultural –, o projeto tem sido alvo de críticas de grupos e organizações da sociedade civil contrários à sua implementação. Para se ter uma ideia, ainda correm na Justiça cinco ações contra o projeto.
Ao tomarem conhecimento da demolição, integrantes do grupo Direitos Urbanos ocuparam a área e lá estão acampados até agora. Os manifestantes divulgaram nota na qual reivindicam a suspensão imediata do alvará de demolição e a abertura de canal de diálogo paritário onde seja possível discutir o projeto. Além de exigir a abertura de uma discussão pública sobre o projeto, o grupo apresenta propostas para a área, como a “garantia da destinação de ao menos 30% do projeto para habitações populares; e a requalificação e revitalização do Cais Estelita orientada pelo uso misto do espaço, que atenda às diversas camadas sociais com seus equipamentos artísticos e culturais, em seus estabelecimentos comerciais e conjuntos de habitações”.
“Para além das questões legais envolvidas neste e em outros tantos casos semelhantes Brasil afora, o que está acontecendo no Recife mostra mais uma vez como os moradores de nossas cidades estão cansados de transformações urbanísticas que ignoram solenemente a perspectiva dos cidadãos, suas relações históricas e afetivas com o lugar, suas propostas de transformação da cidade. Não há transparência, não há canais de diálogo, não há chance alguma de se discutir megaprojetos que afetam a paisagem e a vida de tanta gente”, explica a professora Raquel Rolnik (FAU/USP) em seu blog.
Mais de 10 mil pessoas se reúnem contra a especulação imobiliária em Recife
O Cais José Estelita, no centro do Recife, abrigou no domingo (1 de junho) cerca de 10 mil pessoas em atividades culturais diversas. Segundo matéria da Mídia Ninja, o terreno foi vendido ao Consórcio Novo Recife – um grupo de construtoras que em 2012 aprovou o projeto Novo Recife – e pretende ser usado para a construção de 12 torres de até 45 andares que destruirão a paisagem e trarão consequências graves ao bairro histórico de São José e seu entorno.
Depois de um processo inteiramente ilegal, que envolve um leilão fraudulento e a ausência de estudos prévios de impacto, o grupo de construtoras conseguiu na Justiça o mandado de reintegração de posse, que já foi questionado nas instâncias competentes pela Comissão Jurídica da ocupação. Apesar da iminência de uma tentativa de desocupação, a decisão do grupo foi de permanecer no espaço e continuar dando vida e democratizando um local importante da cidade que ficará privatizado na mão de um pequeno grupo de pessoas.
Em resistência, o dia foi de programação foi imenso, juntando atrações culturais e educativas que garantiram um público amplo. A presença das crianças dentro deste espaço político, por exemplo, tem sido buscada desde o princípio e ficou evidente nas atividades de hoje, no que foi chamado de “Ocupinho”. Para elas foram organizadas uma série de atividades, como feira de livros, oficina de pipa, contação de histórias, brincadeiras de rua e malabares. Artistas e criadores garantiam um lugar mais bonito e funcional: as paredes mal cuidadas davam lugar ao colorido dos grafites, instrumentos de sopro, DJ’s e rodas de côco forneciam a trilha e horticultores e oficinas de orquídea capacitavam os interessados.
Um dos locais que garantiu maior participação foi o Som na Rural, projeto cultural que leva música a espaços públicos com instalação técnica dentro de um carro. A Rural estacionou em frente à ocupação e sonorizou a participação de artistas como Cannibal, Siba, Lia de Itamaracá e ainda um show épico de Karina Buhr, que usou o furgão de palco e convidou o público a pensar de forma crítica sobre a cidade.
A discussão do que será feito no espaço é um dos pontos centrais nas Assembleias, ambientes de avaliações permanentes sobre o movimento. Fica clara a vontade de repensar o nosso olhar sobre a cidade, e sobre nós mesmos.
A busca por cidades que sejam mais inclusivas, que reúnam as pessoas, que ofereçam espaços públicos, que não concedam os melhores locais para quem tem mais dinheiro. Cidades que consigam fazer uma interlocução do seu passado com o seu presente, sem deixar de respeitar sua identidade e memória.