A reportagem da Agência Pública evidencia como as ocupações de terra estão na mira do Congresso Nacional e podem ser tipificadas como atos terroristas nos próximos meses em razão dos projetos apresentados na Câmara e no Senado que pretendem alterar a Lei Antiterrorismo (13.260/2016), sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff.
Na mira do Congresso, ocupações são motor da reforma agrária no Brasil
Via Agência Pública
Publicado em 17/12/2018
As ocupações de terra estão na mira do Congresso Nacional e podem ser tipificadas como atos terroristas nos próximos meses. Dez projetos apresentados na Câmara e no Senado pretendem alterar a Lei Antiterrorismo (13.260/2016), sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff. Entre os projetos com a tramitação mais avançada está o PLS 272/2016, de autoria do senador Lasier Martins (PDT-RS) e relatada por Magno Malta (PR-ES). Tramitando atualmente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, o projeto redefine o crime de terrorismo e reincorpora a ele a motivação política e ideológica, ausente do texto sancionado em 2016, praticado para “provocar terror social” ou para “coagir governo, autoridade, concessionário ou permissionário do poder público a fazer ou deixar de fazer alguma coisa”. Também define novos crimes passíveis de tipificação como terrorismo: “incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou qualquer bem público ou privado” e “interferir, sabotar ou danificar sistemas de informática ou bancos de dados”.
Caso o texto em discussão na CCJ seja aprovado em plenário, qualquer depredação ao patrimônio público ou privado que decorra de uma manifestação política torna-se passível de ser enquadrada como ato terrorista e sujeita a penas de 12 a 30 anos de prisão. Se aprovado na CCJ do Senado, segue direto para a votação na Câmara dos Deputados, antes da sanção presidencial. O presidente eleito Jair Bolsonaro afirmou em campanha a intenção de criminalizar movimentos de luta pela terra e por moradia urbana. “Nós temos que tipificar como terroristas as ações desses marginais [do MST e do MTST]”, afirmou, em maio deste ano, em palestra na Associação Comercial do Rio de Janeiro.
“Eu estudo reforma agrária no Brasil há 35 anos. Todas as minhas pesquisas corroboram que sem a luta pela terra não há reforma agrária. Sem a pressão dos movimentos, a reforma agrária não aconteceria. Se nós fôssemos depender do governo, nós teríamos 10% do número de famílias assentadas”, afirma o professor livre-docente Bernardo Mançano Fernandes, do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (Nera), da Unesp, que coordena o Dataluta – um grande banco de dados relativo à luta social pela terra no Brasil. Mançano estima que cerca de 90% dos assentamentos foram criados a partir da luta pela terra, seja em ocupações, negociações com os órgãos públicos ou acampamentos de beira de cerca. Para o geógrafo, o projeto de lei busca inviabilizar a reivindicação dos movimentos sociais pela terra ao, por exemplo, tipificar como terrorista qualquer depredação ao patrimônio num contexto de manifestação política. “A primeira coisa numa ocupação é cortar a cerca para entrar. Isso pode ser enquadrado como um ato terrorista. Quando eles criminalizam os movimentos dessa maneira, eles buscam inviabilizar as ocupações completamente. Mas isso não vai resolver o problema, vai aumentar o problema”, avalia. “A concentração fundiária não se resolve do dia para a noite. Todos os dias ocorre concentração e todos os dias está havendo luta pela terra. Portanto, qualquer lei que você crie para frear o processo é como tentar invalidar a lei da gravidade”, opina.
“A ocupação é uma ação de um grupo que vê que o Estado está se omitindo e vai e toma os primeiros passos indicando uma área ociosa, que muitas vezes não tem proprietário legal, é fruto de grilagem, e provoca o Incra para fazer reforma agrária”, afirma Jeanne Bellini, da coordenação da Comissão Pastoral da Terra (CPT), órgão vinculado à Igreja Católica que acompanha conflitos fundiários no Brasil. Em 2016, a CPT fez um levantamento na área da Prelazia de São Félix do Araguaia, que engloba 12 municípios no nordeste do Mato Grosso, e concluiu que apenas um dos 12 assentamentos criados na região não foi originado por ocupações de terra e reivindicações dos movimentos sociais. Os 12 assentamentos concentravam, à época do levantamento, cerca de 150 mil pessoas. “Cinquenta e um por cento da população que estava naquela região [da Prelazia de São Félix do Araguaia quando foi feito o levantamento] estava em cima de terras que foram desapropriadas”, afirma Jeanne.
Quadro histórico da CPT, ela relembra sua experiência na região nos anos 1980. “Nos primeiros anos da década, os camponeses não contavam com o Incra, o Estado estava praticamente ausente naquela região [nordeste do Mato Grosso]. Muita gente imigrou do Nordeste e tomou posse de algumas áreas ali, vivendo em pequenas famílias espalhadas, mais ou menos de forma harmônica com a natureza. Quando o Incra passou a regularizar algumas famílias de posse antiga, a notícia se espalhou para parentes e conhecidos desses sertanejos, que viviam em outros estados e foram chegando e se estabelecendo em áreas próximas às que o Incra estava regularizando. Foi assim que começaram as ocupações ali”, relata. “A escolha de áreas a ocupar foi feita em diálogo com gente que já morava na região e que conhecia áreas griladas. Essas áreas eram de gente que veio de fora, convidada pela Sudam [Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia], e, em vez de fazer picadas e as marcações de acordo com os documentos, eles demarcavam áreas maiores. Muita gente que participou dessas demarcações participou das ocupações depois: eles sabiam o que estava documentado mesmo e o que foi um acréscimo. Era gente sem terra ainda não organizada em movimento, mas que tinha compreensão da função social da terra”, relata.
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