No dia 23 de novembro, professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e representantes do Coletivo Cais Cultural Já apresentaram em coletiva de imprensa uma proposta para a revitalização do Cais Mauá, conforme o documento “Cais Cultural – Diretrizes Gerais. Proposta de Ocupação do Cais do Porto de Porto Alegre”. A coletiva ocorreu na sede do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS), que endossou a proposta, e foi a arrancada para a campanha que pretende abrir o debate público sobre o destino do Cais, desativado desde os anos 1990.
Houve boa cobertura da imprensa local, com notícias em quase todos os principais jornais e mídias independentes. Segundo Luciano Fedozzi, pesquisador do Observatório das Metrópoles Núcleo Porto Alegre e um dos responsáveis pela apresentação da proposta, chamou a atenção a ausência e o silêncio total do principal grupo midiático do Rio Grande do Sul, a empresa RBS, subsidiária da Globo.
“Este boicote pode ser interpretado no contexto em que se dá a disputa pelos modelos de desenvolvimento urbano no sul do Brasil, já que o grupo desempenha importante papel agregador da coalizão conservadora dos grupos econômicos e políticos locais, inclusive da capital imobiliário, e pauta sua prática jornalística pela visão urbana baseada no empreendedorismo, no citymarketing e na mercantilização da cidade”, destaca.
O grupo de professores, estudantes e dos ativistas culturais que elaboraram a proposta de forma participativa fará discussões com setores, atores sociais e instâncias de participação cidadã, além dos parlamentares na Assembleia e na Câmara de Vereadores (que criaram as Frentes Parlamentares em Defesa do Cais Mauá), a fim de angariar apoio à proposta por um Cais do Porto acessível à todos(as), culturalmente diversificado, democrático na sua forma de gestão, conforme consta do documento proposta.
Sobre a proposta
A proposta apresentou uma alternativa viável de financiamento do projeto de revitalização que preserva a função pública e cultural dos 12 armazéns do Cais e do setor do entorno da antiga Usina do Gasômetro, símbolos maiores da cidade de Porto Alegre.
O sistema de compensações proposto (entre as áreas do Cais e entre os setores privados para financiar por meio da comercialização do setor das Docas os armazéns públicos) representa assim uma alternativa concreta que demonstra – frente a alegada escassez de recursos do governo do Estado – a possibilidade do projeto de retomada da área do Cais para toda a população da cidade, que não seja o da privatização de todo o Cais do Porto, uma área de mais de 180 mil metros quadrados e com extensão de 3,2 Km de frente de água.
Segundo Fedozzi, a proposta traz uma visão de como o Cais poderá servir melhor a cidade a partir de uma ocupação e uso baseados em atividades culturais, juntamente com outras formas de empreendimentos, confrontando, portanto, o discurso privatista:
“Fica demonstrado pelo estudo acadêmico que o discurso neoliberal fundado na ideologia da ‘inexistência de alternativa’ diante da ‘necessária privatização dos espaços públicos’, não se sustenta. Esta ideologia privatista é uma escolha dos governantes e das coalizões de interesses na produção do espaço urbano, que implica nos modelos das metrópoles excludentes no Brasil atual e assim no país que está sendo construído. O estudo oferece dados econômicos que desmontam esta visão da ausência de alternativas”, afirma.
A questão do Cais Mauá e o seu processo de privatização é parte fundamental do estudo de caso desenvolvido pelo Núcleo Porto Alegre no âmbito do projeto Regimes Urbanos e Governança Democrática, atualmente em desenvolvimento no INCT Observatório das Metrópoles. As pesquisas conduzidas pelo núcleo analisam as mudanças estimuladas pela valorização da Orla do Rio Guaíba e buscam testar o conceito da cidade como “máquina de crescimento”, analisando também as disputas e insurgências decorrentes do projeto.
Além do Observatório das Metrópoles, através do Núcleo Porto Alegre, outros grupos de pesquisa e projetos de extensão da UFRGS participam da elaboração da proposta de revitalização, como o Projeto de Extensão Ocupação Cais do Porto Cultural, Projeto de Extensão Práticas de Patrimônio Insurgente e o Núcleo de Estudos em Gestão Alternativa (NEGA).
O documento “Cais Cultural – Diretrizes Gerais. Proposta de Ocupação do Cais do Porto de Porto Alegre” é composto pelos seguintes capítulos:
- Apresentação e Introdução;
- Da função social ao patrimônio cultural das cidades;
- Antecedentes de intervenções no Cais do Porto;
- Diretrizes gerais para refuncionalização: a devolução do Cais do Porto à cidade e à cidadania;
- Estudo de viabilidade de uso e ocupação dos espaços do cais;
- Diretrizes de sustentabilidade econômico-financeiras;
- Referências bibliográficas.
Os pesquisadores responsáveis pela proposta defendem que o projeto de revitalização do Cais não deve se inspirar em casos de elitização, segregação socioespacial, gentrificação e fragmentação urbana, como é o caso de Puerto Madero, em Buenos Aires. Segundo os autores, Puerto Madero é um contraexemplo de revitalização:
- Puerto Madero e Ipanema: os bairros mais caros da América Latina;
- Região portuária de Buenos Aires tem preço médio de R$ 26,5 mil, mas ainda convive com imóveis vazios.
A seguir, confira os registros da coletiva e o vídeo da intervenção tratando sobre a viabilidade do projeto:
A audiência também foi notícia em veículos da imprensa local:
- Jornal JÁ – “Pesquisadores da UFRGS apresentam proposta para ‘ocupação cultural do Cais Mauá’”;
- Jornal Sul21 – “Projeto propõe ‘ocupação cultural’ do Cais Mauá como alternativa à privatização”;
- Matinal Jornalismo – “Ignorados pelo poder público, grupos defendem proposta de reocupação do Cais Mauá pela cultura”;
O documento “Cais Cultural | Diretrizes Gerais. Proposta de Ocupação do Cais do Porto de Porto Alegre” está disponível em nossa Biblioteca Digital, ACESSE.