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Observatório na ENANPUR 2013: transição urbana e autogestão de moradia

By 06/02/2013janeiro 23rd, 2018Eventos

Observatório na ENANPUR 2013: transição urbana e autogestão de moradia

O INCT Observatório das Metrópoles participará de duas sessões livres do XV Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (ANPUR/2013). Em um momento peculiar da história do Brasil caracterizado pela emergência do chamado “novo desenvolvimentismo”, o Observatório debaterá a transição urbana das metrópoles brasileiras, a partir de tópicos como desigualdades, organização interna e governança urbana. O instituto também apresentará os resultados das pesquisas sobre autogestão de moradia.

A seguir o resumo das duas propostas do Observatório para as sessões livres do XV Encontro da ANPUR/2013.

 

 

A Metrópole brasileira na transição urbana

O destino das metrópoles está no centro dos dilemas das sociedades contemporâneas. As transformações tecnológicas, sociais e econômicas em curso desde a segunda metade dos anos 1970, em especial as decorrentes da globalização e da re-estruturação socioprodutiva, aprofundaram a dissociação engendrada pelo capitalismo industrial entre progresso material e urbanização, economia e território, Nação e Estado. Segundo previsões de organismos internacionais, em 2015 teremos 33 aglomerados urbanos do porte de megalópoles, entre as quais 27 estarão localizadas em países em desenvolvimento, sendo que apenas Tóquio será a grande cidade do mundo rico. Por outro lado, enquanto boa parte das metrópoles do hemisfério sul continuará a conhecer taxas explosivas de crescimento demográfico, dissociadas do necessário progresso material, aquelas que concentram as funções de direção, comando e coordenação dos fluxos econômicos mundiais encolherão relativamente de tamanho. Teremos então duas condições urbanas: a gerada pela vertiginosa concentração populacional em grandes cidades nos países que estão conhecendo o processo de des-ruralização induzido pela incorporação do campo à expansão das fronteiras mundiais do espaço de circulação do capital, e a condição urbana decorrente da concentração do capital, do poder e dos recursos de bem-estar social.

Ao mesmo tempo, apesar do aumento das assimetrias, as metrópoles aumentaram seu papel indutor do desenvolvimento econômico nacional, como já mostraram trabalhos clássicos como de J. Jacobs (1969) e pesquisas sobre a relação entre globalização e as metrópoles (VELTZ, 1996; 2002). Para que as metrópoles, porém, sejam mais do que mera plataforma de atração de capitais, mas, ao contrário, constituam-se em territórios capazes de re-territorializar a economia, e de impedir o aprofundamento da disjunção entre Estado e Nação é necessário que contenham os elementos requeridos pela nova economia de aglomeração da fase pós-fordista, entre os quais se destacam os relacionados aos meios sociais germinadores da inovação, confiança e da coesão social. A redução dos custos da distância e das vantagens pecuniárias – produto da revolução dos meios de transportes e comunicação e dos novos sistema de gestão empresariais – contam hoje menos do que os efeitos de aglomeração decorrentes da densificação das relações sociais, intelectuais e culturais. Estudos mostram que as metrópoles onde prevalecem menores índices de dualização e de polarização do tecido social são as que têm levado vantagens na competição pela atração dos fluxos econômicos, ou seja, as que recusaram a lógica da competição buscando oferecer apenas governos locais empreendedores e as virtudes da mercantilização da cidade.

O nosso sistema urbano, apesar dos desequilíbrios, constitui-se em importante ativo para o desenvolvimento nacional. Esses GEUBs considerados metropolitanos têm enorme importância na concentração das forças produtivas nacionais. Elas centralizam 62% da capacidade tecnológica do país, medida pelo número de patentes, artigos científicos, população com mais de 12 anos de estudos e o valor bruto da transformação industrial (VTI) e de empresas que inovam em produto e processo. Ao mesmo tempo, nestas 15 metrópoles estão concentrados 55% do valor da transformação industrial de empresas que exportam. Temos, portanto, um sistema urbano que pode ser considerado como importante ativo para um projeto de desenvolvimento nacional, frente às novas tendências de transformação do capitalismo.

Mas, ao mesmo tempo nelas também estão concentrados os grandes desafios a serem enfrentados, na forma de passivos resultantes de modelo de urbanização organizado essencialmente pela combinação entre as forças de mercado e um Estado historicamente permissivo com todas as formas de apropriação privatista da cidade. Não se trata apenas de constatar e procurar entender a ausência do planejamento governamental no acelerado e intenso processo de urbanização, que transferiu para as cidades 8 milhões de pessoas na década de 1950, 14 milhões na de 1960 e 17 milhões na de 1970.

A omissão planejadora do Estado decorreu da utilização da cidade como uma espécie de fronteira amortizadora dos conflitos sociais inerentes ao capitalismo concentrador e excludente que aqui se implantou. Por este motivo, as metrópoles estão hoje despreparadas material, social e institucionalmente para o crescimento econômico baseado na dinâmica da inovação, da economia do conhecimento e da eficiência, que mobiliza não apenas a lógica do mercado, mas os efeitos positivos da coesão social. Nelas está conformado um conjunto de passivos, cujo enfrentamento é imperativo para que a força produtiva representada pela complexidade da nossa rede urbana possa alavancar o desenvolvimento nacional. Examinaremos duas dimensões destes passivos. Tomemos, em primeiro lugar, as conseqüências desta “política urbana perversa” sobre a mobilidade espacial. Inexistem sistemas públicos e coletivos de transportes urbanos nas metrópoles capazes de estruturar o uso e a ocupação do espaço e, ao mesmo tempo, de se contrapor à submissão ao transporte individual e privado, hoje gerador de enormes deseconomias urbanas. Os últimos números sobre São Paulo são impressionantes: no dia 3 de abril de 2008 o índice de congestionamento atingiu a marca 229 quilômetros. Mas, como se era de esperar as conseqüências desta irracionalidade não atingem igualmente a todos.

A pressão pela ocupação das áreas centrais resulta da combinação das transformações do mercado de trabalho ocorridas nos anos 1980 e 1990. Suas principais categorias são o crescimento da ocupação precária, informal, transitória, especialmente no setor de serviços em geral e, em especial, nos serviços pessoais e domésticos, ao lado da reconhecida crise da mobilidade urbana e do colapso das formas de provisão de moradia. Como a riqueza continua concentrada nos municípios pólos, pode-se concluir que uma das principais características da dinâmica socioterritorial nas metrópoles é o conflito pela centralidade na ocupação e uso do solo urbano. A duas outras expressões deste conflito são, de um lado, a imobilidade de parte da população trabalhadora e, de outro, a reprodução da precariedade do habitat urbano. Nos últimos nove anos, com efeito, nas principais metrópoles, nada menos de 26% dos brasileiros que hoje vegetam com renda familiar abaixo de R$ 500 trocaram o ônibus pelo par de tênis. Outros 13%, pela bicicleta. Os trabalhadores que conseguem se infiltrar na centralidade metropolitana, trocam a imobilidade pela precariedade habitacional.

As favelas são a sua mais evidente expressão. Nas 15 metrópoles, quase ¾ dessas moradias distribuem-se por um raio de até 10 km, concentrando-se nos pólos. As características da precariedade habitacional são a ilegalidade, irregularidade, construção em solos pouco propícios à função residencial, o adensamento da ocupação da moradia e, em muitos casos, o emprego de parcelas consideráveis da renda familiar no aluguel. Estas características não estão homogeneamente presentes em todas as metrópoles, pois são altamente influenciadas pela história das formas de produção da moradia popular e do regime urbano prevalecente em cada metrópole. As favelas em São Paulo, por exemplo, apresentam maior precariedade quanto ao tipo de terreno ocupado e o maior afastamento das áreas mais centrais. Maricato (1996) estima que 49,3% das favelas da cidade de São Paulo estão localizadas em beira de córrego, 32,2% em terrenos sujeitos a enchentes, 29,3% foram construídas em terrenos com declividade acentuada e 24,2% em terrenos sujeitos à erosão. Embora em áreas que permitem a acessibilidade, as favelas de São Paulo evidenciam o seu distanciamento em relação ao núcleo social e econômico da metrópole. Em compensação, os cortiços parecem constituir estratégia de proximidade, em razão da sua localização nas áreas mais centrais. Já na região metropolitana do Rio de Janeiro o regime urbano permite acomodação dos conflitos potenciais decorrentes dos efeitos da segmentação sócio-territorial. Isto é conseguido através da configuração de um modelo onde as favelas localizam-se na proximidade dos bairros que concentram as moradias dos segmentos superiores da estrutura social conforme descrito por Ribeiro e Lago (2001).

O segundo aspecto decorre das conexões entre as tendências de segregação residencial e os mecanismos de reprodução das desigualdades sociais. A utilização da cidade como fronteira amortizadora dos conflitos implicou na instituição de um regime dual de bem-estar, combinando a variante “famílisticomercantil” (ESPING-ANDERSON, 1995), com um seletivo Estado de Bem-Estar Social. De fato, a cidade como fronteira implicou na transferência para as famílias (e para as comunidades) as principais funções da reprodução social. Um dos pilares fundamentais deste regime foi a mencionada prática da perversa política urbana de tolerância total com todas as formas e condições de ocupação da cidade, tanto pelo trabalho quanto pelo capital.. A fisionomia, a vida social, a organização social do território, enfim todos os aspectos da nossa realidade urbana vão expressar as várias facetas deste regime de reprodução social.

Em resumo, as metrópoles que apresentam expressivos traços das forças produtivas requeridas pelo novo modelo de desenvolvimento, geram, simultaneamente, condições de vida e estruturas sociais bastante desfavoráveis para a coesão social.

 

Movimentos sociais – formação universitária – autogestão habitacional

Dentre as políticas redistributivas que começaram a ser propagadas no país a partir da última década, estão os programas federais de financiamento para empreendimentos habitacionais autogeridos por organizações comunitárias, muitas delas vinculadas a movimentos sociais de moradia com atuação em escala nacional. O resultado tem sido a significativa expansão da produção autogestionária no Brasil, especialmente através de cooperativas, somando cerca de 40 mil unidades habitacionais contratadas pela Caixa Econômica Federal no período 2004 – 2012. Os avanços qualitativos e quantitativos dessa forma de produção do ambiente construído urbano vêm sendo evidenciados em pesquisas acadêmicas recentes, porém, tais avanços apresentam forte concentração em alguns estados, como São Paulo, Rio Grande do Sul e Goiás e ainda diferenças significativas entre os estados, no que se refere aos processos de elaboração e produção dos empreendimentos e a própria qualidade da habitação produzida coletivamente. Essas diferenças podem ser explicadas por três fatores principais: (i) as formas de organização e a capacidade de mobilização das associações comunitárias e dos movimentos sociais envolvidos, (ii) a presença e o perfil das assessorias técnicas e (iii) a atuação das instâncias governamentais locais, estaduais e federais envolvidas com os programas para autogestão.

O objetivo da Sessão Livre é provocar o debate sobre os possíveis papéis a serem desempenhados pelas universidades no campo reflexivo e prático da autogestão urbana, no sentido de potencializarem as ações dos diferentes agentes que interagem nesse campo, a saber, organizações comunitárias, assessorias técnicas em arquitetura, direito, serviço social, contabilidade, gestão pública e engenharia e profissionais dos órgãos públicos atuando na política urbana-habitacional. A justificativa para essa proposta se sustenta em duas evidências apontadas pela pesquisa em curso sobre a produção habitacional por autogestão coletiva no Brasil, no âmbito do Observatório das Metrópoles/IPPUR/UFRJ.

A primeira evidência se refere à necessidade de qualificações profissionais multidisciplinares que possam responder às exigências postas pelos programas de financiamento voltados diretamente para associações comunitárias. Assessorar projetos dessa natureza é uma experiência de trabalho multidisciplinar, na qual é necessário dialogar e trabalhar em conjunto com pessoas de outras áreas, bem como de outros níveis sociais, já que o serviço é prestado para famílias de baixa renda. Essas qualificações exigem novas aprendizagens teóricas e pedagógicas entre intelectuais, organizações sociais populares e gestores públicos. Gestores da Caixa apontaram na pesquisa realizada, a urgência em se ampliar e qualificar técnicos, sejam lideranças ou profissionais graduados, para atuarem em projetos autogestionários. A esse respeito, foi destacada a necessidade de se incentivar jovens universitários a trabalharem nesse campo de atuação.

A questão que se coloca é a ausência dessa temática nos currículos regulares e nos cursos de especialização e extensão universitários. Esse é o caso da formação em arquitetura e urbanismo, que será discutida na sessão, onde há pouca repercussão das experiências de autogestão na produção da moradia no ensino de projeto. A ênfase na produção autoral estimula o estudante na reprodução de uma prática que ratifica uma suposta superioridade técnica. Há ainda uma subordinação cultural à produção de países que enfrentaram a questão habitacional com mais eficiência. Se o fosso econômico e educacional existente entre a população pobre brasileira e os técnicos já dificulta a construção do diálogo, a idealização do espaço habitacional por arquitetos-urbanistas impõe uma barreira que tende a travar a perspectiva de comunicação na realização de projetos autogeridos. Além disso, a abordagem multidisciplinar, essencial na compreensão e formulação de projetos orientados por uma outra racionalidade que não a capitalista, ainda é um desafio nos cursos universitários.

A segunda evidência diz respeito ao saber acumulado pelos movimentos sociais urbanos ao longo da luta (material e simbólica) pela “moradia digna”, trazendo para o debate público novos conteúdos para essa noção. Em São Paulo, onde os mutirões organizados por movimentos assessorados por profissionais já somam trinta anos, a luta pela moradia contém hoje uma extensa lista de necessidades entendidas como “básicas”: rede de infraestrutura, linhas de ônibus, creche, escola, posto de saúde, parque, equipamentos de esporte e lazer, agência bancária, comércio diversificado, beleza do imóvel, qualidade da construção e do projeto de arquitetura e tamanho do imóvel adequado ao tamanho da família. O resultado prático dessa formulação é a expansão de experiências habitacionais autogeridas coletivamente no Brasil, financiadas com recursos públicos, que se estendem por práticas educativas, culturais e de trabalho produtivo. Em síntese, a noção de moradia passa a conter a cidade. Isso porque as discussões e decisões coletivas em todas as etapas da empreitada ampliam o campo de alternativas em diversas dimensões da vida urbana.

Portanto, a introdução da temática da autogestão nos currículos acadêmicos implicará na revisão crítica dos parâmetros de bem-estar urbano e de habitação popular instituídos e moralmente aceitos nas sociedades capitalistas, parâmetros esses produto de uma racionalidade produtiva orientada pelo mercado. Nesse sentido, a sessão tem a intenção de fomentar o debate sobre questões resultantes da formação idealizada do espaço do habitar, como o desconhecimento da realidade das práticas socioespaciais dos moradores e a consequente imposição de regras funcionais e modelos estéticos.

Last modified on 06-02-2013 17:21:55