Ciclofaixa em Recife. Crédito: Reprodução/Web
É indiscutível que a bicicleta é um dos modos mais importantes para se acessar e ter direito à cidade. No entanto, diversas variáveis interferem para que isto não aconteça. Entre essas variáveis destacam-se às relacionadas aos comportamentos das pessoas. Neste artigo para a Associação Nacional em Pesquisas de Transportes (ANPET), Mariana Oliveira da Silveira e Maria Leonor Maia mostram a importância do fator comportamento na consolidação da bicicleta como um modo de transporte para deslocamentos do cotidiano e indicam a relevância de se trabalhar a variável comportamento em políticas e/ou projetos que visem o uso frequente da bicicleta e o direito à cidade através deste uso.
Para isto, as autoras apresentam pesquisas no âmbito nacional e internacional que versam sobre o uso cotidiano da bicicleta atrelado a aspectos comportamentais. “Para o Brasil, concluímos que, mesmo o país estando em fase de amadurecimento no uso da bicicleta, as condições para seu uso cotidiano ainda estão distantes do ideal, e os problemas de comportamento entre motoristas e ciclistas no trânsito estão entre os que mais desestimulam este uso”, aponta Mariana da Silveira.
Já no exterior, segundo as autoras, outros comportamentos aparecem de forma pulverizada e incidindo sobre o uso da bicicleta em diversas formas. Por fim, para se ter direito à cidade através do uso cotidiano da bicicleta, é necessário que a sociedade civil e o poder público atuem em fatores comportamentais no desenho e implementação de políticas públicas.
Mariana Oliveira da Silveira integra o Núcleo Recife da Rede INCT Observatório das Metrópoles. E Maria Leonor Alves Maia está vinculada Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.
O FATOR COMPORTAMENTO E O USO COTIDIANO DA BICICLETA NO BRASIL
O fator comportamento em pesquisas que abordam o modo bicicleta no Brasil vem sendo indicado principalmente na variável ‘comportamento no trânsito entre motoristas e ciclistas’. No levantamento apresentado neste tópico, apenas este tipo de comportamento, atrelado ao fator educação no trânsito, foi verificado. No país, este comportamento está ligado a um dos maiores obstáculos para se usar a bicicleta, pois, principalmente nos maiores aglomerados urbanos, a falta de respeito entre os usuários dos diversos modos de transporte junto à falta de educação inibem novos e antigos usuários da bicicleta.
Num levantamento nacional feito em artigos de anais de congressos e de periódicos, em dissertações, teses e livros, iniciado por Silveira (2016) no intervalo de 2000 a 2013 e atualizado por Silveira e Rocha (2017) com a inclusão dos anos 2014 ao 2016, viu-se que em pesquisas que abordam diversas variáveis relacionadas ao uso da bicicleta que a variável relativa ao ‘comportamento no trânsito entre ciclistas e motoristas’ aparece em 17 pesquisas de 33 levantadas. Algumas dessas pesquisas serão abordadas a seguir e uma tabela resumo com indicação das principais variáveis comportamentais analisadas no país e no exterior será apresentada ao final do tópico 3 deste artigo.
Campos, Tampieri e Amaral (2016), em pesquisa realizada na cidade de Belo Horizonte, observaram que a falta de infraestrutura, o comportamento dos motoristas e insegurança no trânsito são os principais problemas relacionados ao não uso cotidiano da bicicleta na cidade. A falta de respeito dos condutores dos motorizados aparece em 29,8% de uma amostra de 376 pessoas como um dos maiores problemas enfrentados entre os que já pedalam. Os autores frisam que a falta de respeito dos motoristas está ligada à falta ou precariedade da infraestrutura cicloviária.
Florentino e Bertucci (2016), em pesquisa realizada em Brasília, viram que a falta de respeito dos motoristas com os ciclistas aparece em 22,7% de uma amostra de 422 pessoas como um dos maiores empecilhos ao uso cotidiano da bicicleta. Os autores frisam que a descontinuidade da infraestrutura cicloviária e a inexistência de um planejamento por meio de indicadores de segurança e de demanda ao longo da história das políticas cicloviárias da cidade pode ser uma das explicações de Brasília ter um índice pequeno de pessoas que desejam continuar pedalando (36,5%).
Apesar da inexistência de uma malha cicloviária e de outras medidas de estímulo ao uso da bicicleta como modo de transporte, Aragão e Souza (2016) observaram na cidade de Manaus que há um ciclismo ativo nas ruas. Nesta pesquisa os autores viram que o comportamento dos motoristas com os ciclistas é o principal problema enfrentado entre 300 ciclistas abordados na pesquisa, este problema foi indicado por 46,6% da amostra. A falta de segurança no trânsito e a falta de infraestrutura cicloviária adequada foram os outros maiores empecilhos ao uso cotidiano da bicicleta entre 28,5% e 20,2% da amostra respectivamente. Como acontece em Manaus, na cidade do Porto Alegre o comportamento dos motoristas com os ciclistas também é o maior problema enfrentando entre 223 ciclistas abordados na pesquisa de Machado, Prolo e Santos (2016), onde 33,5% desses ciclistas indicaram este empecilho no uso cotidiano da bicicleta.
Na cidade do Recife, Silveira e Maia (2016) numa análise de intenção de uso cotidiano da bicicleta a partir de fundamentos da Teoria do Comportamento Planejado, viram que quando a variável relativa ao comportamento dos motoristas com os ciclistas era inserida ao modelo da pesquisa, que as intenções de uso da bicicleta eram influenciadas negativamente em 31,37% de uma amostra de 102 pessoas do CESAR (empresa privada do ramo tecnológico) e em 54,52% de uma amostra de 398 pessoas da Universidade Federal de Pernambuco.
Rodrigues, Andrade e Marino (2016) apontam que além dos problemas da malha cicloviária e da falta de possibilidade de integração intermodal, o quadro geral da política cicloviária do Rio de Janeiro contém outros elementos negativos para aqueles que desejam utilizar a bicicleta em viagens do cotidiano. A falta de infraestrutura adequada divide com a falta de respeito dos condutores dos motorizados a percepção sobre o principal problema para se usar a bicicleta na cidade. A falta de respeito dos motoristas foi citada por 28,8% de uma amostra de 967 ciclistas.
Na cidade de São Paulo, Guth (2016) aponta entre os dados relativos aos principais problemas enfrentados por ciclistas no trânsito, bem como os motivos que os fariam pedalar ainda mais na cidade, que a falta de respeito entre os condutores e a falta de segurança no trânsito são citados por 56% dos entrevistados de uma amostra de 1800 ciclistas. Nesta pesquisa apenas 24% destacaram, como principal problema enfrentado, a ausência de infraestrutura adequada, como ciclovias, ciclofaixas e bicicletários.
Percebe-se entre as pesquisas citadas acima que variáveis não podem ser trabalhadas isoladamente. Para se ter direito à cidade através do uso cotidiano da bicicleta é imprescindível que se trabalhe, principalmente, as variáveis que mais se destacam na interferência deste uso, que no Brasil são: infraestrutura cicloviária, comportamento dos motoristas com os ciclistas e segurança no trânsito.
Um dos caminhos para se trabalhar essas variáveis que mais interferem no uso cotidiano da bicicleta são as parcerias entre o poder público e a sociedade civil, por exemplo. De acordo com a Associação de Ciclistas Urbanos de Fortaleza (Ciclovida), a política de mobilidade por bicicleta nesta cidade começou após pressão da sociedade, com protestos em 2013, e vem sendo mantida com a expansão da malha ciclável ano após ano. Vale frisar que a rede ciclável de Fortaleza, em sua maioria, atravessa a cidade inteira e tem conexão entre si. Fortaleza está entre os melhores exemplos de cidade que vem conseguindo ser acessada através do uso da bicicleta, pois nos últimos três anos sua rede cicloviária, além de ser em maior parte contínua, passou de 68 km para 209 km no início de 2017, sendo considerada a quarta cidade que possui maior malha ciclável entre as capitais do Brasil, ficando atrás de São Paulo (498 km), Rio de Janeiro (441 km) e de Brasília (420 km) (De Olho no Trânsito, 2017).
Acesse, no link a seguir, o artigo completo “O Uso Cotidiano da Bicicleta e o Direito à Cidade: o fator comportamento na literatura recente”.
Publicado em Artigos Científicos | Última modificação em 22-11-2017 18:52:23