Em artigo para o site Justificando, Rodrigo Faria G. Iacovini, coordenador executivo do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico e assessor do Instituto Pólis, fala sobre os resultados do Atlas da Violência 2018 (IPEA) que pela primeira vez incluiu dados sobre a violência contra a população LGBTI+.
O autor destaca o impacto da inclusão desses dados, afinal, “como garantir cidades inclusivas, acolhedoras e seguras para todas as pessoas LGBTI+ se não conhecermos o contexto de violência que enfrentam no dia a dia?”.
O que o Atlas da Violência e o STF têm a ver com o direito à cidade da população LGBT?
Pela primeira vez, o Atlas da Violência, publicado anualmente pelo IPEA e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, incluiu dados sobre a violência contra a população LGBTI+. Pode parecer uma notícia relativamente desimportante, de caráter meramente técnico, mas que tem um significado político e um impacto positivo considerável no sentido da efetivação do direito à cidade de milhões de brasileiros e brasileiras. Afinal, como garantir cidades inclusivas, acolhedoras e seguras para todas as pessoas LGBTI+ se não conhecermos o contexto de violência que enfrentam no dia a dia?
As últimas semanas têm sido marcadas por uma intensa mobilização e debates acerca dos direitos da população LGBT e do combate à violência sofrida no cotidiano. No dia 17 de maio, considerado o dia internacional de combate à LGBTfobia, vários eventos debateram o tema, alguns deles fazendo inclusive uma ligação direta entre essa luta e a adoção de políticas urbanas que possibilitem uma vivência segura das cidades. Em discussão promovida pelo Instituto Pólis e pela Organização da Parada LGBT de São Paulo, por exemplo, militantes e representantes de diferentes organizações pensaram formas de construir cidades livres de LGBTfobia, muitos deles destacando, contudo, a necessidade de dados mais precisos sobre o tema, como destacou Anderson Cavichioli, presidente da RENOSPLGBTI+, rede de profissionais LGBTI+ do campo da segurança pública.
Esse também foi um dos temas que aqueceu o debate quando o STF retomou, no dia 23 de maio, o julgamento acerca da criminalização da LGBTfobia no Brasil. Embora ainda não tenha sido concluído, já foi alcançada a maioria dos votos necessária para a criminalização, com seis votos favoráveis e nenhum contrário até o momento. Mais uma vez, foram debatidos inúmeros aspectos jurídicos e políticos controversos em torno do tema, pautados tanto por setores sociais conservadores – muitos ligados a questões de fundo religioso – quanto por setores progressistas – críticos ao estado penal e à sua seletividade.
Por outro lado, um dos argumentos que embasava o discurso favorável à criminalização era justamente a necessidade de tipificação da conduta (quando a legislação estabelece expressamente que uma determinada ação é crime) para que seja possível finalmente visibilizar como nós, LGBTs, somos sistematicamente violentados. Sob o discurso de que a lei penal não prevê a LGBTfobia como crime, há diversos relatos de delegacias que se recusam a incluir essa motivação no momento do registro da ocorrência, invisibilizando a violência LGBTfóbica e gerando estatísticas abaixo da realidade vivida.
Esse é uma das primeiras observações trazidas pelo Atlas da Violência, apontando como esse “apagão estatístico” torna árdua a tarefa de “dimensionar e traçar diagnósticos para produzir políticas públicas que venha a mitigar a violência contra a população LGBTI+”. O estudo buscou, no entanto, contornar essa dificuldade através da utilização de outras fontes públicas de informação, demonstrando o cenário assustador vivido por esta população: se o número de homicídios denunciados em 2011 foi de apenas 5 casos, em 2017 foram notificados 193 em todo Brasil através do Disque 100 (ligado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos). Este dado, associado à análise das informações do Sistema de Vigilância de Violências do Ministério da Saúde, é uma forte evidência do aumento de casos de violência contra a população LGBTI+ no país nos últimos anos.
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