O Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU) divulga mais um artigo visando contribuir com o debate em torno de uma nova agenda para as cidades. Este debate é fundamental tendo em vista as eleições presidenciais, para os governos dos estados e para o Distrito Federal, e também a necessidade de construção de uma nova plataforma articuladora das forças democráticas e progressistas, frente aos retrocessos políticos e sociais que o país vem atravessando, com o crescente avanço das ideias neoliberais. Neste artigo, assinado coletivamente pela sua coordenação, o Fórum se posiciona no segundo turno das eleições presidenciais pela candidatura Haddad.
O FÓRUM NACIONAL DE REFORMA URBANA COM HADDAD
No primeiro turno das eleições presidenciais o Fórum Nacional de Reforma Urbana, como uma coalização plural e democrática, não se posicionou por uma candidatura específica. A conjuntura e a clara disputa entre dois modelos distintos neste segundo turno nos faz tomar posição e deliberar pelo apoio ao candidato Fernando Haddad.
Este processo é fruto de madura reflexão e em torno do que estas candidaturas representam para sociedade brasileira, modelos de gestão e compromisso com direitos e bandeiras sociais. Bolsonaro é o candidato do terror e do ódio, do extremismo e do autoritarismo, de submissão aos interesses do mercado da especulação imobiliária, com claros compromissos com a privatização de setores estratégicos como saneamento, mobilidade e energia. Sua eventual eleição fará das cidades territórios ainda mais excludentes, aumentando a justificativa da criminalização dos mais pobres e dos movimentos sociais, trazendo uma escalada ainda maior da violência.
Por outro lado, Haddad tem uma história de seriedade e de compromisso com a gestão pública, como prefeito de São Paulo e como Ministro da Educação, que merece todo respeito, independente de eventuais críticas que se possa fazer a sua gestão. Como Ministro, esteve a frente do projeto de democratização do acesso ao ensino público superior. Como prefeito em São Paulo, foi premiado por boas práticas e por uma gestão na cidade marcada pela tentativa da diminuição das desigualdades sociais. Neste momento, eleger Haddad é votar pela democracia, direitos sociais, oportunidades e desenvolvimento com sustentabilidade.
A onda de ataques dos bolsonaristas, marcadas por manifestações de violência, racismo, homofobia e intolerância, é um indicativo dos riscos que uma eventual vitória desse tradicional político conservador traz ao país e ao mundo.
É hora de suspender as diferenças e assumir o lado da democracia, das liberdades e da paz. É hora de se posicionar por Haddad.
No contexto de uma vitória da democracia, o FNRU assume a luta por bandeiras voltadas para a promoção de cidades justas e democráticas. Entre essas bandeiras, destacamos:
– A reversão das medidas antidemocráticas de Temer como a Emenda Constitucional 95, que limita os investimentos em políticas sociais. A eleição de Haddad e Manuela é fundamental para retomar os investimentos nas políticas urbanas e construir cidades mais justas!
– O compromisso com o fortalecimento do Ministério das Cidades, tornando-o articulador da política de desenvolvimento urbano, através de um Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano, com secretarias que possam dar respostas a construção das políticas de programas urbanos, moradia social, mobilidade urbana e saneamento ambiental.
– A imediata retomada do Conselho das Cidades e do processo de Conferências das Cidades, como instrumento de gestão democrática e interlocução com a sociedade e movimentos sociais, na construção da política de desenvolvimento urbano. Uma das medidas do Governo Golpista foi revogar o Decreto que regulamentava o Conselho e as Conferências das Cidades.
– No plano das esferas institucionais, adotar a Visão da Plataforma Global sobre o direito à Cidade como forma de constituir uma frente ampla pelo direito à cidade e reforma urbana com uma diversidade e pluralidade de organizações, entidades, instituições, coletivos, fóruns e redes que sejam alinhadas e aliadas com a visão expressa neste documento.
– Democratização e transparência das informações sobre os projetos implementados nas cidades, incluindo seus custos e modelos de financiamento, que permitam o monitoramento social. As ações e obras promovidas pelo poder público devem ser objeto de amplas consultas, audiências públicas e debates, e os posicionamentos e recomendações definidos nesses espaços devem orientar as ações, garantindo a efetiva participação popular.
– A adoção, pelo poder público, de mecanismos, procedimentos e políticas que garantam processos decisórios participativos em torno das políticas e projetos urbanos, envolvendo a instituição de orçamentos participativos, conselhos e conferências das cidades, bem como a reforma política do país, de forma a garantir a progressiva institucionalização da gestão democrática das cidades. Uma democracia efetivamente participativa deve garantir o direito dos cidadãos e das cidadãs de participar e deliberar através de mecanismos representativos e diretos, individuais e coletivos, em todas as esferas de governo. Além do exercício do voto direto nas eleições para os governos executivos e para os parlamentos, é preciso incorporar, com poder deliberativo, tanto a participação direta das pessoas em reuniões, fóruns, audiências e conferências, como também a participação de diferentes coletividades (sindicatos, associações, organizações e movimentos populares, etc) nas esferas públicas de gestão das políticas que requerem algum grau de representação (tais como os conselhos) e também no próprio parlamento.
– A efetiva participação das comunidades ameaçadas e atingidas pelos projetos e programas urbanos implementados, de forma a cumprir a lei federal do Estatuto da Cidade, que garante a participação das mesmas nas intervenções urbanas promovidas pelo poder público, desde a fase de planejamento até sua efetiva implementação.
– Retomada dos investimentos no programa Minha Casa Minha Vida, principalmente na sua modalidade Entidades, reformulando o programa para garantir a construção de moradias de interesse social em áreas bem estruturadas. Além de redução do deficit habitacional, este programa também tem forte impacto na retomada dos empregos na construção civil.
– A adoção, pelo poder público, de políticas e leis que efetivem a função social da propriedade, tal como previsto na Constituição Brasileira, sobretudo através da regulação pública do solo urbano e da implementação dos instrumentos previstos no Estatuto das Cidades, visando: (i) a imediata destinação de imóveis públicos, vazios e subutilizados, para a habitação de interesse social; (ii) a regularização fundiária dos terrenos ocupados, em área de até 250 metros quadrados, para fins de moradia, pela população de baixa renda; (iii) a instituição de zonas de especial interesse social, em áreas ocupadas pela população de baixa renda e em área vazias destinas a habitação de interesse social, (iv) o combate a especulação imobiliária, a subutilização de terrenos vazios e a captura da valorização fundiária, decorrente dos investimentos públicos, para fins de investimentos em habitação de interesse social; e (v) a apropriação democrática da função social das vias públicas democratizando seu uso para garantir 70% da mesma para os transportes públicos e não motorizados.
– A adoção, pelo poder público, de instrumentos e políticas que subordinem os usos da propriedade privada aos interesses coletivos e ao amplo exercício da cidadania, o que implica, entre outras coisas, que a aprovação dos projetos urbanos e imobiliários deve estar condicionada a critérios de justiça social e de sustentabilidade ambiental e deve passar pelas instâncias de participação e controle social, com ampla representação dos diversos segmentos sociais.
– A adoção, pelo poder público, de medidas de desmercantilização da moradia e do solo urbano, incluindo a limitação no número de terrenos urbanos e unidades habitacionais que um único proprietário pode possuir, de forma a garantir o acesso de todos e de todas à moradia digna, ao saneamento ambiental e a mobilidade urbana. Sendo uma necessidade social, a moradia não pode ser tratada como uma mercadoria, ou seja, o acesso à moradia digna e aos serviços urbanos não podem estar subordinados à capacidade de pagamento das pessoas, e ninguém pode explorar lucrativamente o acesso fundamental a esses bens essenciais.
– O reconhecimento, pelo poder público, da propriedade coletiva. Como um direito social, o direito à moradia pode ser exercido por coletividades, o que deve implicar na possibilidade da propriedade coletiva do imóvel, assegurando-se o direito à posse e à moradia a todas as pessoas integrantes dessas coletividades. Ao mesmo tempo, o poder público deve promover e apoiar processos autogestionários de produção social da moradia.
– O fim das despejos e das remoções em todas as comunidades, com a construção democrática de uma política habitacional nacional, implementada em parceria com os municípios e Estados, que contemple as necessidades de todos os cidadãos e cidadãs. O direito à posse deve ser respeitado, conforme o reconhecimento estabelecido no Estatuto da Cidade. Toda cidade que promova remoções ou que viole o direito à moradia deve ter eventuais recursos repassados pelo governo federal suspensos ou cancelados. É fundamental que se consolide uma política nacional de prevenção e mediação dos conflitos fundiários urbanos. A luta pela despejo zero requer acompanhar, com atenção redobrada, os movimentos contra os despejos e remoções, principalmente por que a crise política e econômica tem gerado o aumento do desemprego, das ocupações e, consequentemente, da resistência. Ao mesmo tempo as agendas conservadoras se fortaleceram nas cidades, gerando em muitos casos conflitos e aumento da criminalização dos movimentos populares, em especial da luta pela moradia.
– A luta contra o poder das corporações e das finanças, com a rejeição de modelos de gestão baseados em Parcerias Público-Privadas, e a adoção de mecanismos que impeçam a oligopolização das obras e serviços urbanos nas mãos das grandes firmas. Neste direção, é fundamental atuar no monitoramento e incidir sobre os grandes projetos urbanos que impactam as cidades brasileiras. Ao mesmo tempo, é fundamental monitorar e difundir os vínculos entre as grandes corporações e fundos de investimentos nacionais e internacionais, de forma a evidenciar as relações entre estas empresas e a dinâmica financeira global.
– A desmilitarização da cidade, com o fim da política de repressão nas favelas e nas periferias das cidades, expressa, sobretudo, no extermínio dos jovens negros e no controle destes territórios pelo tráfico e pela milícia. Neste sentido, entendemos que é fundamental a reformulação da atual política de drogas, fundada na repressão e militarização, responsável pelo encarceramento de jovens e adolescentes negros e pobres, e a descriminalização da maconha.
– a promoção da justiça socioambiental, com a desmercantilização da natureza, a defesa da sustentabilidade ambiental, a despoluição dos rios e bacias contaminadas, o respeito as comunidades de pescadores ameaçadas pela indústrias que poluem e impactam o meio ambiente necessário a sua reprodução social.
– Lutar, nas ruas, nos órgãos de política urbana, nos espaços de poder e nos tribunais, contra todas e quaisquer criminalização aos movimentos sociais da Reforma Urbana bem como culturais em particular das artes plásticas.
– O fim da perseguição aos camelôs, com revisão e ampliação das licenças com participação e controle social.
– Pelo direito ao uso democrático do espaço público, envolvendo não apenas as praças, mas todos os equipamentos públicos das cidades, tais como escolas, museus, praias, estacionamento de carros, etc.
– Contra as privatizações dos serviços de transporte coletivo e a concentração dos investimentos nas áreas de interesse do mercado imobiliário.
– Transportes públicos de qualidade para todos(as) com tarifa zero. Devem ser promovidas polícias que facilitem a mobilidade de todos os seus habitantes, com tecnologia sustentável não poluidora e incentivos ao transporte público e a meios alternativos – como a bicicleta – para todas e todos.
– Aumento da utilização do transporte público e não motorizado pela população para reduzir a emissão de poluentes locais e de gazes efeito estufa e atingir a meta de zero mortos e feridos no trânsito, implantando projetos de redução de velocidade nas vias públicas e fiscalizando o uso do álcool ao volante.
– Democratizar o uso espaço social da rua reservando 70% da área para circulação das bicicletas, pedestre e dos transportes públicos, implantando ciclovias, ciclofaixas e faixas exclusivas de ônibus monitoradas contra invasão dos carros nos principais corredores e proibição de estacionamento em todas as vias de circulação de transporte público. Priorizar nos investimentos públicos para os modais ativos (bicicleta e pedestre) e os transportes públicos integrados e implantar os sistemas estruturais de transportes públicos estruturais (Metros, ferrovia, sistema aquaviário, VLTs, BRTs) nos principais corredores de transporte com tecnologia sustentável não poluidora. Taxação dos empreendimentos imobiliários e estacionamentos nas áreas centrais e corredores de transporte para constituição de fundos municipais para subsidiar as tarifas e promover investimentos.
– Contra privatização dos serviços de saneamento, que implica no aumento das tarifas e nos investimentos para os serviços públicos e no crescimento das desigualdades socioespacial de acesso aos mesmos. Pela revisão imediata do Plansab – Plano Nacional de Saneamento Básico.
– Fortalecimento da CAIXA como banco público e social, assumindo o papel de principal financiador da política de desenvolvimento urbano, bem como a garantia do FGTS como instrumento da transformação das cidades com seus recursos destinados para a moradia, saneamento, mobilidade e infraestrutura urbana.
– Construir uma efetiva política metropolitana, democrática e participativa, de forma a dar efetividade e consequência para a ação interfederativa do Estado e das políticas defendidas pelo FNRU para enfrentar as graves desigualdades sociais que caracterizam as metrópoles brasileiras. Neste sentido, deve-se tomar como ponto de partida o Estatuto da Metrópole, lei 13.089, visando a elaboração de Planos de Desenvolvimento Urbanos Integrados – PDUI – com ampla participação social.
A política urbana deve estar a serviço da promoção do direito à cidade e da efetivação da função social da propriedade, e não da promoção de negócios privados e dos interesses das grandes corporações. Para se contrapor a este projeto excludente, é fundamental a luta por outro projeto de cidade mais justa e democrática.