Skip to main content

O elo entre a Lava Jato e o saneamento no Brasil

A delação do ex-presidente da Odebrecht Ambiental Fernando Reis sobre os bastidores dos negócios da empresa em Santa Catarina apontou, mais uma vez, para o jogo espúrio nos bastidores envolvendo agentes públicos e o poder privado, e acendeu o alerta vermelho para o caminho das privatizações na área de saneamento no Brasil. Nesta entrevista para a Casa Fluminense, Ana Lucia Britto, professora do PROURB/UFRJ e pesquisadora do INCT Observatório das Metrópoles, analisa o contexto das propostas de privatização do setor, compara o modelo brasileiro com os da Europa e EUA, a aponta bons exemplos de serviço público municipalizado — um caminho possível a ser seguido.

Ana Lucia Nogueira de Paiva Britto é professora associada da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do PROURB – Programa de Pós-graduação em Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisadora do Observatório das Metrópoles, grupo de pesquisa sob a coordenação do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano IPPUR-UFRJ. Tem experiência na área de Planejamento Urbano e Regional, com ênfase em Infra-Estruturas Urbanas e Regionais, atuando principalmente nos seguintes temas: meio ambiente urbano, gestão urbana, serviços urbanos, saneamento ambiental, recursos hídricos.

Leia o artigo “A gestão do saneamento ambiental na Metrópole do Rio de Janeiro: entre o mercado e o direito, de Ana Lúcia Britto.

Casa Fluminense foi formada em 2013 por ativistas, pesquisadores e cidadãos identificados com a visão de um Rio mais integrado. Nesse sentido, a Casa acredita que a realização deste horizonte passa pela afirmação de uma agenda pública aberta à participação de todos os fluminenses e destinada universalmente a todo o seu território e população e não apenas – ou prioritariamente – para as áreas centrais da capital.

A Rede INCT Observatório das Metrópoles apoia as ações da Casa e de seus membros.

O ELO ENTRE A LAVA JATO E O SANEAMENTO NO BRASIL

Por Silvia Noronha, Casa Fluminense

A delação do ex-presidente da Odebrecht Ambiental Fernando Reis sobre os bastidores dos negócios da empresa em Santa Catarina (veja aqui) explica, em parte, as preocupações com o caminho das privatizações na área de saneamento, manifestadas por Ana Lucia Britto, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A relação público-privada oferece indicativos não republicanos sobre a forma como se planeja o setor no país.

Ana Lucia compara o contexto brasileiro ao de países europeus, mostrando porque o modelo de concessão, por aqui, ganha um contorno particular que não deve ser ignorado. Na Europa, observa ela, o saneamento tem uma dimensão política muito forte. Por isso, há controle público, associação de usuários, consulta à população por meio de plebiscitos, entre outras ações comuns a democracias mais avançadas. Além disso, os serviços já estão universalizados e as discussões giram em torno da tarifa e outras questões.

A especialista observa ainda a tendência internacional de remunicipalização dos serviços, inclusive em países como a França, onde há duas multinacionais atuando nesse segmento. Nos Estados Unidos, por sua vez, na maior parte das localidades o serviço é público e municipal, apesar de se tratar da “meca do capitalismo”.

“Muito diferente de um país como o nosso, onde temos uma precariedade enorme de acesso aos serviços, uma cultura de participação política frágil e uma relação público-privada espúria. Então não dá para defender esse modelo aqui. Também não dá para defender sob o argumento de que a empresa privada é mais eficiente”, afirma ela, que é professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) e do Programa de Pós-graduação em Urbanismo (Prourb/UFRJ).

No depoimento citado pela pesquisadora, o ex-presidente da Odebrecht Ambiental detalha a trama política de corrupção por trás da aprovação da abertura do capital da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan). Entretanto, o processo de venda da estatal acabou demorando e o esquema foi inviabilizado devido ao envolvimento da construtora na Operação Lava Jato. Após o escândalo, a Odebrecht vendeu seu braço ambiental para a Brookfield, um fundo canadense de investimentos. No Rio, a empresa era uma das controladoras da Foz Águas 5, que detém a concessão de esgoto na Zona Oeste da capital.

“Com as delações da Odebrecht vemos um mar de lama atrás dessa história, então como se define o modelo de gestão do saneamento? Vê-se que as definições passam muito mais pelo dinheiro que foi dado por debaixo dos panos do que por uma razão efetiva de diretiva, de discussão municipal”.

SERVIÇO MUNICIPALIZADO

Na avaliação de Ana Lucia, que também é pesquisadora do Observatório das Metrópoles, o interesse corporativo sobre o setor também contribui para afastar discussões na sociedade a respeito do serviço público municipalizado. Uberlândia e Uberaba (MG), respectivamente segunda e 13ª no Ranking do Saneamento do Instituto Trata Brasil, possuem autarquias municipais responsáveis pelo setor. Para efeito de comparação, Niterói, a melhor colocada no estado do Rio, ocupa a 19ª posição, mesmo tendo concedido o serviço à iniciativa privada há quase 18 anos.

Entre os pontos positivos, a pesquisadora cita o modelo de gratuidade de tarifa em Uberlândia para famílias com renda de até dois salários mínimos e consumo de no máximo 20 m3. Para administrar esse benefício, a prefeitura criou o Fundo Social Residencial, que é gerenciado por um conselho de representantes da administração pública. A autarquia possui autorização para conceder isenção total equivalente a 5% de sua receita bruta. “E a gente não discute isso. Discute privatizar as empresas estaduais, quando mesmo as ineficientes como a Cedae podem ser reformadas”, enfatiza.

Outro ponto de preocupação é a falta de controle das prefeituras sobre o contrato com a companhia fluminense. Os contratos sequer possuem validade jurídica, pois desrespeitam a Lei Nacional do Saneamento. Ana Lucia diz que os prefeitos poderiam ir à Justiça, mas isso é difícil de acontecer por causa da relação política forte com o governo do estado e o PMDB.

Os contratos devem se basear nos Planos locais de Saneamento, documento que, na maior parte do Rio metropolitano, foi elaborado posteriormente pelas prefeituras. Além disso, eles já necessitam de revisão devido ao prazo de quatro anos para serem atualizados, conforme detectado no Painel de Monitoramento: Instrumentos de Gestão Municipal, lançado pela Casa Fluminense (leia reportagem sobre a falta de implementação dos planos aqui).

“É lógico que tenho críticas à Cedae, mas a solução é usar seu saber de engenharia, que não está sendo usado da melhor forma. A ameaça de privatização da Cedae poderia ser um catalisador para os próprios técnicos pensarem que eles têm de mudar”, finaliza Ana Lucia.