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Até que ponto as favelas cariocas estariam legalizando-se? Partindo dessa questão, Alex Ferreira Magalhães sintetiza neste artigo as conclusões de pesquisa voltada às recentes transformações na regulação das favelas do Rio de Janeiro, notadamente quanto à formalização da propriedade imobiliária. A investigação analisa o significado sociopolítico da regulação das favelas, isto é, de que espécie de código de valores essa regulação estaria imbuída? Seriam valores compatíveis com o Estado Democrático de Direito e com a constituição da cidadania? Ou seriam valores tendentes a preconizar o arbítrio e a violência indiscriminada no equacionamento dos conflitos de interesse?

O artigo “O direito à cidade nas favelas do Rio de Janeiro: conclusões, hipóteses e questões oriundas de uma pesquisa”, de Alex Ferreira Magalhães, é um dos destaques do Dossiê: “Direito à Cidade na Metrópole”, da Revista Cadernos Metrópole nº 28.

Abstract

This paper synthesizes the conclusions of a research conducted into the recent changes underwent by slums regulation, especially regarding the formalization of real estate property and the right to build. Based on an original empirical research and on data from previous studies, we aimed to map the “state of the art” of such regulation. A dialogue with the contemporary debate on slums configuration and on urban policies addressed to slums is also developed. In this sense, common hypothesis are questioned, especially those which argue that dialogic processes have disappeared, since they have been subsumed by a violent sociability, or even those which conceive slums as anomic spaces, where the State is seen as an absent agent. A revision of such hypothesis is suggested due to the recent State policies, in which conflicts over the “new” order proposed to the slums can be widely observed.

Alex Ferreira Magalhães explica que o trabalho parte da análise de três dimensões básicas referentes à qualificação da regulação das favelas cariocas. A saber:

A primeira dessas dimensões consistiria no esclarecimento a respeito de quais seriam as fontes materiais de tal regulação, isto é, proviria ela do sistema legal, de costumes locais, de imposições de autoridades privadas, de processos de reprodução de normas adotadas em outras localidades (estandardização da produção normativa extra-estatal), ou de que outras possíveis fontes? As transformações ocorridas no período recente, por força das políticas urbanas em curso, estariam diluindo as normas costumeiras e as instituições locais, fazendo com que sejam minimizadas as diferenças entre os sistemas locais e centrais e paulatinamente impondo a ordem normativa oficial? Até que ponto as favelas estariam legalizando-se? Tal dimensão implica indagar qual o grau de vigência do Estado Legal nas favelas ou, em outras palavras, até que ponto as favelas constituiriam territórios dentro ou fora do alcance do poder do Estado de editar leis e fazê-las cumprir, ab-rogando outras ordens normativas não reconhecidas eventualmente existentes em seu respectivo território.

A segunda dimensão da pesquisa consistiria numa apreciação crítica a respeito da natureza e do significado sociopolítico da regulação das favelas, isto é, de que espécie de código de valores essa regulação estaria imbuída? Seriam valores compatíveis com o Estado Democrático de Direito e com a constituição da cidadania? Seriam valores de natureza libertária ou emancipatória das classes populares? Seriam valores tendentes a preconizar o despotismo, o arbítrio, a violência e/ou o uso indiscriminado da força no equacionamento dos conflitos de interesse em uma determinada localidade ou microcosmo no seio da sociedade nacional? A propósito da interpretação embutida nessa última questão, essa nos parece gozar de forte aceitação social, a partir de sua constante difusão por grandes órgãos de comunicação. Assim, o debate dessa questão  permitirá refletir a respeito de um senso comum de grande penetração na sociedade carioca, e talvez mesmo além das fronteiras da cidade e do país.

A terceira, e última dimensão, consistiria numa avaliação do grau de especificidade dessa regulação, isto é, até que ponto essa regulação se diferencia daquela que se coloca para outras localidades e para o conjunto da sociedade? Tratar-se-ia – aquela – de uma regulação autônoma em relação a estas últimas ou constituiria um capítulo, parte ou aspecto destas?

Regularização urbanística das favelas no Rio

As políticas e programas de regularização – urbanística e fundiária – são demarcados, na cidade do Rio de Janeiro, pela edição, em 1992, do Plano Diretor Decenal, bem como pelo desenvolvimento, a partir de 1994, do Programa Favela-Bairro, os quais configuram um novo e particular período na trajetória da regulação das favelas cariocas. Segundo Alex Ferreira Magalhães, esse Programa, dentre inúmeros significados que se poderiam desvendar a seu respeito, representou uma nova tentativa de entrada do Estado nas favelas, com uma série de especificidades, que cabe à análise pormenorizar. Essa entrada tem se dado de diversas formas, dentre elas, na forma do Estado Legal, que se propõe a intervir nas favelas no sentido de induzir seus moradores a superar e reformular os costumes locais e as práticas normativas adotadas e seguidas até então, introduzindo um novo ordenamento jurídico, editado pelo próprio Estado. Isso exigiria dos moradores das favelas a adesão a um processo de assunção de novos comportamentos – no tocante a inúmeros aspectos da vida coletiva – o que vem sendo definido pelos agentes púbicos como um processo de mudança cultural, que envolveria ações específicas de natureza “socioeducativa”, conforme documentos institucionais editados pela Prefeitura da Cidade (a título de exemplo, vide Rio de Janeiro, 2008).

Assim, a construção de objeto da pesquisa toma como ponto de partida o processo de consolidação de políticas estatais voltadas à melhoria das condições de moradia nas favelas, especialmente as políticas genericamente identificadas como Políticas de Regularização, forma que a maioria dos programas tem se apresentado nas últimas décadas. Dessa forma, a noção de regularização converteu-se no grande símbolo, e/ou no principal eixo articulador, de políticas integradas de intervenção do Estado nas favelas, englobando-se debaixo desse conceito uma série diversificada de medidas, algumas delas de difícil conjugação.

A questão delineada nos parágrafos anteriores pode ser amplamente revigorada e recolocada no processo de difusão, fortalecimento e institucionalização das políticas de regularização, que parece demarcar um momento de necessária renovação da reflexão sobre tal questão. Uma das dimensões centrais dessas políticas consiste precisamente na formulação de uma legislação disciplinadora do uso do espaço, que tem sido pensada como plenamente adaptada às circunstâncias físico-territoriais e socioculturais das favelas, ao contrário do que se observou historicamente na legislação urbanística brasileira. Dessa forma, almeja-se garantir o desenvolvimento ordenado e racional desses espaços, bem como deixar marcado que o Estado não mais está ausente dessas áreas, que deixariam de se configurar como espaços literalmente excluídos do planejamento e ordenamento da cidade, sem qualquer espécie de esforço por parte do Estado de aí exercer o seu poder de regulação jurídica.

Para ler o artigo completo O direito à cidade nas favelas do Rio de Janeiro: conclusões, hipóteses e questões oriundas de uma pesquisa”, de Alex Ferreira Magalhães, acesse a Revista Cadernos Metrópole nº 28.