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Marcelo Nogueira de Souza¹
Viviane Vidal Pereira dos Santos²

De acordo com o protocolo do Ministério da Saúde, a síndrome gripal (SG) é definida como “indivíduo com quadro respiratório agudo, caracterizado por sensação febril ou febre, mesmo que relatada, acompanhada de tosse ou dor de garganta ou coriza ou dificuldade respiratória”. No caso de idosos, não há obrigação de febre e são listadas considerações agravantes como síncope (desmaio súbito), confusão mental, sonolência excessiva, irritabilidade e inapetência.

Já a síndrome respiratória aguda grave (SRAG) é aquela quando há “dispneia (falta de ar), desconforto respiratório ou pressão persistente no tórax ou saturação de O2 menor que 95% em ar ambiente ou coloração azulada dos lábios ou rosto”. Em crianças, são incluídos como fatores batimento de asa de nariz, desidratação e inapetência.

Segundo informações da Agência Brasil³, os casos são confirmados por teste laboratorial ou de sorologia. O primeiro é o denominado RT-PCR, que detecta a presença do vírus. Já o segundo mapeia a presença de anticorpos que podem indicar a existência do mesmo. Outra forma de confirmação é o que os profissionais chamam de “critério clínico-epidemiológico”, quando há uma pessoa com síndrome gripal (SG) ou síndrome respiratória aguda grave (SRAG) e são avaliados vários quesitos, entre eles contato com pessoas infectadas nos últimos sete dias antes do aparecimento dos sintomas.

O que tem chamado a atenção das autoridades sanitárias é o expressivo aumento das internações por problemas respiratórios acontecendo em uma época em que normalmente não há muitos casos. Em anos anteriores, os casos começavam a aumentar junto com o frio, no fim do outono e início do inverno.

De acordo com o presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, José Miguel Chatkin, “um aumento de casos e mortes por problemas respiratórios é esperado para o período, em razão das temperaturas mais baixas, mas o crescimento perceptível neste ano pode estar relacionado a casos do novo coronavírus que não foram diagnosticados”⁴. Ainda, de acordo com o especialista: “O frio traz um aumento do número de infecções respiratórias. O que deve estar acontecendo a mais é que existe um número não determinado de casos de COVID-19 não diagnosticados. Existe subnotificação porque não há testes para todas as pessoas“.

A informação é reforçada por dados divulgados pela Fiocruz, que relatou um crescimento expressivo de internações por problemas respiratórios a cada semana, o maior desde 2010, como demonstrado na Figura 1, o que pode estar relacionado à subnotificação do novo coronavírus.

Figura 1 – Crescimento de internações por problemas respiratórios a cada semana. Fonte: Infogripe/Fiocruz.

Na contagem da Fiocruz, até 4 de abril deste ano, o Brasil teve 33,5 mil internações por SRAG – como demonstrado na Figura 2 – muito acima da média desde 2010, de 3,9 mil casos. Mesmo em 2016, quando houve um surto de H1N1, foram registrados 10,4 mil casos no mesmo período do ano. “O número de casos está muito alto. Completamente fora do padrão“, afirma Marcelo Gomes, coordenador do Infogripe, da Fiocruz, ao portal G1⁵.

A reportagem ainda relata a opinião do epidemiologista, infectologista e diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia, Antonio Bandeira, que é categórico ao afirmar: “Não tem nada que justifique o aumento do número de casos de idosos. A gente teve até vacinação antecipada dessas pessoas neste ano. Pode ter certeza que é COVID-19. É provavelmente quase tudo COVID-19. Não tem outra explicação pra isso”.

Figura 2 – Internações totais por SRAG até a 14ª semana. Fonte: Infogripe/Fiocruz.

Em Curitiba, acompanhando a tendência nacional, também houve um crescimento do número de casos. A análise que segue – fruto de esforços conjuntos de pesquisadores dos grupos de pesquisa Políticas Sociais: Análise da Experiência Brasileira, Programa de Desenvolvimento Urbano Regional (PDUR) e do Observatório das Metrópoles Núcleo Curitiba, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) – revela um crescimento expressivo do número de diagnósticos de Síndrome Respiratória (SG) em todos os distritos sanitários, realizados pela Secretaria Municipal de Saúde, com base numa análise comparativa de informações disponibilizadas pela SMS sobre o número de diagnósticos de síndrome gripal (SG) em abril de 2019 e abril de 2020 e, também, do diagnóstico de casos de COVID-19, como demonstrado nas tabelas e mapas a seguir.

Tabela 1 – Crescimento percentual de diagnósticos de Síndrome Gripal (SG) por regionais. Fonte: Secretaria Municipal de Saúde.

Mapa 1 – Distribuição territorial por regional do crescimento de diagnósticos de Síndrome Gripal (SG). Fonte: Secretaria Municipal de Curitiba. Elaborado no QGIS.

Tabela 2 – Percentual de diagnósticos Síndrome Gripal (SG) em relação à população atendida por distrito sanitário. Fonte: Secretaria Municipal de Saúde.

Mapa 2 – Distribuição territorial por distrito sanitário dos diagnósticos de Síndrome Gripal (SG) em relação à população atendida. Fonte: Secretaria Municipal de Saúde. Elaborado no QGIS.

Tabela 3 – Percentual de casos confirmados do COVID-19 em relação à população atendida. Fonte: Secretaria Municipal de Saúde.

Mapa 3 – Distribuição territorial por distrito sanitário do percentual de casos confirmados de COVID-19 em relação à população atendida. Fonte: Secretaria Municipal de Saúde. Elaborado no QGIS.

Os números são preocupantes se levarmos em consideração que ainda estamos no outono. Hoje, as previsões de pico da pandemia em Curitiba são para meados e fins de maio e início de junho, enquanto os números não param de subir. As baixas temperaturas que se aproximam estão diretamente relacionadas com o crescimento do número de doenças respiratórias, que, neste ano atípico, vêm crescendo exponencialmente desde março. Em Curitiba, ao que tudo indica, a curva de crescimento dos casos de coronavírus coincidirá com a aproximação do inverno e a queda nas temperaturas. Preocupação externada pelo ministro interino da saúde, Eduardo Pazuello, que, em reunião com gestores do Sistema Único de Saúde, no dia 21 de maio, disse que os estados devem se preparar para enfrentar o inverno.

Este previsível aumento do número de casos de COVID-19 é ainda mais preocupante quando analisamos os bairros da região periférica de Curitiba, devido a outras situações de vulnerabilidade social existentes nesses locais, como condições precárias de moradia, o acesso restrito ou inexistente de serviços de abastecimento de água e esgoto, mobilidade urbana, entre outros. O Mapa 4, abaixo, demonstra que os bairros periféricos nos quais houve o maior percentual de crescimento de casos de doenças respiratórias são, também, os que apresentam os menores Índices de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM).

Mapa 4 – Distribuição territorial por setor censitário do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal em 2010. Fonte: IPEA (2010). Elaborado no QGIS.

Estes bairros, como demonstrado no Mapa 5, também estão localizados em áreas consideradas de alto risco, de acordo com o Índice de Vulnerabilidade das Áreas de Abrangência das Unidades Municipais de Saúde (IVAB)⁶, elaborado com base no Índice de Vulnerabilidade das Famílias do Paraná (IVF-PR) do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES) e da população do Censo 2010 por área de abrangência, utilizando os dados do cadastro único do Governo Federal. Desde então, o IVAB é utilizado como estratégia para promoção da equidade no SUS em Curitiba, definindo a distribuição dos recursos e norteando as ações de saúde no Município.

Mapa 5 – Distribuição das unidades de saúde de acordo com o Índice de Vulnerabilidade das Áreas de Abrangência das Unidades Municipais de Saúde (IVAB). Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba.

Importante destacar também que, em 19 de março de 2020, em coletiva de imprensa sobre o enfrentamento da pandemia de COVID-19⁷, o agora ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, já destacava a importância da atenção básica em saúde, considerada a porta de entrada do SUS, para evitar que as transmissões se alastrassem, especialmente em comunidades mais pobres.

Nota-se que o crescimento do número de diagnósticos de Síndrome Gripal (SG) em relação à população atendida (Tabela 2 e Mapa 2) foi muito maior nos distritos sanitários que atendem a população mais vulnerável economicamente: 4,22% no Distrito Sanitário Bairro Novo e 6,88% no Distrito Sanitário Tatuquara, o que pode indicar que a subnotificação de casos pode ser maior nestes bairros periféricos. Este é mais um indicativo da seletividade social das medidas adotadas pelo Estado que revela, também, a necessidade de um maior feedback entre as políticas públicas do município que visem, de fato, a redução de desigualdades sociais consideradas como catalisadoras da COVID-19.

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¹ Pesquisador do grupo de pesquisa Políticas Sociais: Análise da Experiência Brasileira, do Programa de Extensão Desenvolvimento Urbano e Regional e do Observatório das Metrópoles Núcleo Curitiba.

² Pesquisadora vinculada ao Grupo de Pesquisa Sociologia e Políticas Sociais e ao Programa de Extensão Desenvolvimento Urbano e Regional.

³ Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-05/agencia-brasil-explica-como-sao-monitorados-os-casos-de-covid-19

⁴ Informação divulgada pelo Panorama Farmacêutico. Disponível em: https://panoramafarmaceutico.com.br/2020/04/13/em-um-mes-brasil-tem-alta-de-2-239-mortes-por-problemas-respiratorios/

⁵ Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/04/23/estudo-mostra-aumento-expressivo-de-internacoes-por-sindromes-respiratorias-e-indica-subnotificacao-da-covid-19.ghtml

⁶ O IVAB é calculado pela média aritmética entre os índices de 4 dimensões: adequação do domicílio, perfil e composição familiar, acesso ao trabalho e renda, condições de escolaridade. A partir do IVAB, as Unidades Municipais de Saúde são ranqueadas sob a lógica de intervalos regulares com base no conjunto de dados ordenados de forma crescente, e divididas em três grupos a partir do cálculo dos tercis. As Unidades Municipais de Saúde localizadas no tercil 1 são denominadas como de baixa vulnerabilidade (unidades de saúde com percentagem menor que 3,91%), no tercil 2 como de média vulnerabilidade (unidades de saúde com percentagem maior ou igual a 3,91% e menor que 7,80%) e no tercil 3 como de alta vulnerabilidade (unidades de saúde com percentagem maior ou igual 7,80% até o limite superior, que pode atingir 100%).

⁷ Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=530nK1vKsIc